Transcrição | O Tempo e o Som - 004 - Samba, parte I
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O Tempo e o Som - 004 - Samba, parte I
[Palestrante 1]
Saudações a todos os bambas, bem-vindos ao programa O Tempo e o Som, podcast que narra a história da música popular brasileira. Eu sou o Tiago Santos e estou aqui nos estúdios com o meu amigo Gabriel Carneiro. Sempre um prazer falar com vocês, pessoal, e muito bom sempre também falar sobre samba.
Beleza, Gabriel. Lembrando que O Tempo e o Som é produzido com o apoio e os recursos do Fundo de Apoio à Cultura, o FAC, Programa de Incentivo à Cultura do GDF. E claro que o programa é feito por uma equipe, né?
Então a ficha técnica do programa é composta na locução, na pesquisa e no roteiro por mim, Tiago, e pelo Gabriel Carneiro. A edição e as sonoplastias ficam a cargo do Miguel Hassan, a produção executiva é da Cíntia Magalhães, a arte visual e o designer Gustavo Pozzobon, Guilherme Bittencourt é o assessor de acessibilidade e a Milena Silva, assessora de comunicação. Bom, o papo hoje é sobre samba, gênero de história rica e de grande relevância para a cultura do país.
Durante a primeira metade do século XX, o samba se tornou o principal gênero do mercado da música popular brasileira, sendo considerado um dos traços fundamentais da identidade do nosso país. Surgido há cerca de 107 anos, o samba se desenvolveu e é composto por uma ampla diversidade de estilos, samba de roda, partido alto, samba de breque, samba de terreiro, samba enredo, samba canção, samba choro, bossa nova, samba lanço, samba jazz, samba rock, samba reggae e pagode. É até interessante, né Tiago, quando a gente fala sobre isso, a gente pensar também um pouco o que a gente quer dizer com esse próprio gênero musical, essa própria ideia de gênero musical, que na verdade é algo que não está restrito apenas a um estilo específico e sim a uma gama de estilos diferentes e que nessa gama de estilos compõem o gênero em si.
Existem várias representações que derivam de um samba que é o norte da música brasileira e que ganharam diferentes roupagens dentro de ambientes diferentes e épocas distintas. Então, nesse caso, todos esses estilos que você cantou, que você contou aí sobre samba, são aquilo que complementa o samba e que faz ele ser tão amplo e tão popular como a gente conhece. Beleza.
O samba é a síntese de uma tradição afro-brasileira composta pelo ritmo sincopado, por danças com requebrado e por práticas como a performance em roda. Todos esses elementos têm origem no batuque e se desenvolveram através do lundu e do maxixe até chegar ao samba. Vamos abordar brevemente esses gêneros que constituem as matrizes formadoras do samba.
Porém, se você quiser saber mais sobre algum desses primeiros ritmos afro-brasileiros, é só conferir os episódios anteriores do Tempo e o Percussão. Nos primeiros séculos de colonização, qualquer roda de percussão formada por negros escravos, fosse ela de caráter religioso, festivo ou mesmo um rito social, era chamada genericamente pelos portugueses de batuque. O batuque era caracterizado pela música dos tambores tocados em roda, pelas palmas ritmadas, pelo canto responsorial, no qual um cantor solo entoava alguns versos e outros participantes da roda repetiam o refrão.
Outra característica das rodas de batuque eram as danças da umbigadas, que era uma coreografia sensual com muito movimento nos quadris e que culminava com um toque entre os umbigos dos participantes no meio da roda. Inclusive, a umbigada praticada no sul de Angola era conhecida como semba, termo muito semelhante a samba, então fica claro que essa ênfase no ritmo, a utilização da percussão de tambores e palmas nas músicas, a prática em roda e o canto solista improvisado, entremeado pelo refrão em coro, são alguns elementos do batuque que vão continuar no samba. E a gente falou um pouquinho anteriormente, na outra aula, sobre a umbigada e a umbigada o quanto ela é importante para a construção do machismo e de todos os ritmos de matriz africana, toda a característica da formação da música brasileira está muito vinculada não apenas à música, como a gente falou, mas também como você citou, à dança.
A dança é extremamente relevante para a gente poder entender. Apesar de a gente ter essa ideia de que a dança é um elemento não sonoro, é um elemento de vivencial, ela é uma manifestação artística essencial para a gente entender o samba. O samba só existe como samba se a gente pensar na maneira como ele é dançado e como ele é praticado pelas pessoas nos terreiros e nas ruas.
Após o batuque, um outro ritmo que também serve de referência para a elaboração do samba é o Lundu. O Lundu surgiu em Salvador no século XVIII como uma dança de roda que tinha como referência as umbigadas dos batuques. E além das umbigadas do batuque, o Lundu conjugava elementos ibéricos que vinham do fandango espanhol, como estalar dos dedos com os braços erguidos.
Além desse elemento coreográfico, o Lundu canção misturava o ritmo dos batuques negros, a harmonia das violas portuguesas com letras sensuais. Ou seja, diferentemente do batuque, que era um elemento exclusivamente da cultura afro-brasileira, o Lundu já apresentava uma fusão entre a síncope dos tambores com instrumentos e danças europeus. E continuando essa linha da tradição da música afro-brasileira, vamos falar só sobre o maxixe, que também vai ser muito importante.
Apareceu no final do século XIX, emergiu da mistura entre a dança europeia da polca e os passos requebrados com swing do Lundu e da umbigada, os conjuntos que animavam os bailes populares com arranjos de violão, bandolim e flautas, chamados de choro, passaram a executar as músicas da polca no ritmo da dança do Lundu. E daí vai surgindo o maxixe, que é essa fusão rítmica entre a polca, o Lundu e também a banheira. Inclusive, é importante falar que as primeiras músicas classificadas como samba nos discos eram tocadas no ritmo de maxixe.
Perfeito, né? A gente fez um programa em que a gente falou mais um pouco sobre maxixe, e eu recomendo ao pessoal que não ouviu esse programa que ouça, porque pra mim é um dos ritmos mais interessantes da música brasileira. O maxixe, ele deixa raízes muito fortes, tanto no universo do samba, quanto no universo do forró, quanto no universo do choro, ele acaba estando presente em diversos âmbitos na cultura brasileira, mas as pessoas nunca associam ele a um ritmo a qual você consuma pra ir numa festa, pra ir num show.
Ele sempre aparece meio que marginalmente dentro da música brasileira, apesar de sempre estar presente nas grandes manifestações culturais. E é importante falar também que o samba vai se originar, inclusive, na mesma região que formou o maxixe, que era a Pequena África. A Pequena África abrangia ali o Porto e o centro do Rio de Janeiro, mais especificamente os bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo, que ficam mais ou menos ali próximos onde hoje é o Museu do Amanhã.
Também faziam parte da Pequena África o bairro do Estácio e a Cidade Nova, próximos onde hoje é a Marquês de Sapucaí, e o local possui o nome de Pequena África justamente porque concentrava a população negra, ex-escravas ou descendente de escravos, e ali também reinava muito batuque, capoeira e as religiões também afro-brasileiras. Dentre os negros que coabitava essa Pequena África, havia uma expressiva comunidade negra baiana, que tradicionalmente participava de festas populares como o Carnaval e a Festa da Penha, com seus ranchos, com seus batuques e samba de roda. É o que se diz de fato dessa comunidade baiana, Tiago, que seriam negros que teriam saído da Bahia, rumo ao Rio de Janeiro, após o término da escravidão no Brasil, no ano de 1888.
Então, vários negros teriam deixado a Bahia, ido para o Rio de Janeiro e trazido uma grande herança cultural da Bahia para a cidade do Rio de Janeiro. O que é interessante, porque, como já dizia o poeta, o samba nasceu lá na Bahia e tudo mais, e se hoje ele é branco na poesia, é negro demais no coração, de fato essa frase tem algum sentido, porque a gente tem resquícios de uma presença baiana muito forte, que seria anterior ao registro formal do samba na cidade do Rio de Janeiro, e que teria muita influência dentro dessa prática de rodas. A gente tem que pegar todos esses universos, a roda é um elemento muito importante.
A capoeira tem uma roda muito forte, o maxixe era dançado em uma roda, as pessoas entravam e davam umbigada. A roda de samba talvez seja o elemento mais tradicional que a gente tem no samba. Então, de fato, o que acontece é que há um elemento de comunhão na roda, em que cada um está de um lado, em que todos se olham, todos se aproximam, vão lá, exercem sua função, cantam em momentos específicos, ou entram no meio da roda para dançar, ou entram no meio da roda para jogar, ou até para rituais religiosos também, dentro do candomblé, da umbanda.
A roda é um elemento muito importante, então a gente vê como essa disposição das pessoas em roda acaba se apresentando em diversos elementos da cultura brasileira e permeando o samba com muita força também. Perfeito, então como o Gabriel já destacou aí, dois elementos que esses negros que vêm da Bahia e formam uma comunidade no centro do Rio de Janeiro trazem da sua terra original é justamente o samba de roda e a organização dos ranchos carnavalescos. O samba de roda, especificamente, é original do Recôncavo Baiano, no século XIX, e vai servir de base para a elaboração do samba urbano carioca.
O ritmo do samba de roda é batido com palmas, eles utilizam muito pandeiro e o prato e faca, e o ritmo deriva do toque do samba cabula, que já era um toque executado nos terreiros de candomblé. Além disso, o samba de roda já apresentava aquela estrutura de alternância de canto entre o cantor solista improvisando versos e o coro da roda repetindo um refrão fixo. Inclusive, é justamente essa formatação que vai caracterizar também o que hoje em dia vai ficar conhecido como samba de partido alto.
Perfeito, a gente vai ver até em gravações mais recentes, muitas vezes esse tipo de célula, de estruturação acontecendo, né? Uma frase que é repetida em coro e as pessoas sempre emendando com o improviso no meio. Talvez algo que assemelhe um pouco esse universo do samba ao universo do coco, do improviso dos cantadores também, e também que assemelhe um pouco com até um outro elemento da cultura negra, nesse caso norte-americana, que é essa batalha de MCs, a maneira como você, um desafia o outro, entra no meio e canta um verso e tudo mais.
Tudo isso é o que caracteriza com mais clareza o partido alto. Você ter uma parte, que é aquela parte cantada em coro, e você ter outra parte, que é aquela parte versada por alguém que se dispõe a desenvolver aquele tema original, fazendo muitas vezes uma observação, ou às vezes cantar de maneira jocosa. Bom, mas voltando aqui para o nosso samba da Cidade Nova, um outro elemento importante também como catalisador da formação desse gênero, foram algumas negras baianas que descendiam de escravos e desempenhavam um papel de liderança na comunidade pobre do centro de Rio de Janeiro, e que por ter esse papel mais maternalista, ficaram conhecidas como tias.
Elas acolhiam a população negra e pobre, e também mantinham práticas religiosas e culturais da Bahia, que valorizavam e renovavam a identidade afro-brasileira. A doceira baiana Hilária de Almeida, que vendia seus quitutes e um tabuleiro na rua da Carioca, também mantinha uma casa e um terreiro no bairro da Cidade Nova. Lá, ela era conhecida como a Tia Ciata, que recebia vizinhança para rituais religiosos e festas, regados a muita comida e animados por músicas derivadas dos batuques.
Foi justamente nessa comunidade baiana, localizada na pequena África, que se desenvolveu o samba urbano do Rio de Janeiro, ainda no seu primeiro formato, que ficou conhecido como samba da Cidade Nova, ou samba maxixado. Como a gente já citou anteriormente, os primeiros representantes dessa fase foram o Donga e João da Baiana. Os três vão ser figuras muito importantes para a gente entender esse momento inicial do samba.
Os três tinham características de instrumentistas, mas também como compositores e cantores. No caso do João da Baiana, eu queria destacar um pouquinho essa presença dele como percussionista, porque ele vai ser talvez o primeiro grande representante do pandeiro na música brasileira. Ele vai ser talvez um dos primeiros pandeiristas a se destacar na música brasileira e vai ter uma figura importante também tocando prata e faca.
Tocando prata e faca, ele vai fazer parte do conjunto Os Batutas, do Pixinguinha, Os Oito Batutas, que vai ser o conjunto que vai tocar lá na França, no Cine Palais de Paris, a convite do dançarino baiano Duque. O João da Baiana de fato não vai, porque ele era estivador no Porto, não queria perder o emprego e acaba ficando por lá. Mas ainda assim ele se tornou uma figura muito relevante durante o seu período e ele viveu bastante.
Então a gente tem ainda registros visuais muito grandes do João da Baiana cantando, dançando, tocando prata e faca. Então para quem se interessar é só buscar nas plataformas de vídeos do João da Baiana sempre com o seu prato e faca tocando, sempre muito bem vestido, de terno e gravata, bem à moda antiga, aquele samba mais tradicional que a gente pode encontrar. Considera-se como marco de nascimento do samba a gravação e o sucesso da música Pelo Telefone, no carnaval de 1917.
Pelo Telefone não foi a primeira música gravada a ser classificada como samba. Na realidade, desde 1908, pelo menos outras 20 músicas já haviam sido identificada como samba nos selos dos discos. Nesse início da história fonográfica brasileira era comum ao se lançar um disco registrar no selo dele o ritmo, o gênero ao qual aquela música registrada, gravada pertencia.
Pelo Telefone também não inaugurou o novo ritmo. Nós já falamos aqui que era um samba com ritmo de maxixe ainda. Aliás, essa primeira geração de canções está toda marcada pelo maxixe.
Esses músicos de samba, o Donga, o Sinhô e até o Pixinguinha já eram profissionais, com formação técnica e que tocavam maxixe nos teatros de revistas e nas orquestras das gravadoras de discos. Então isso tudo favoreceu a influência do maxixe em um samba mais direcionado para a dança de salão. Perfeito, esse samba inicial o que a gente tem que entender é que a aproximação dele com maxixe se dá também não apenas no exercício da dança, mas na proposta do ritmo.
Se ele é dançado em dança de salão, se ele é dançado em roda, se as pessoas vão e vão dançar uns com os outros, ele tem menos ideia de progressão. Algo que o samba vai adquirir mais pra frente, a gente vai ver. Mas esse samba até esse momento era algo que tinha uma sonoridade muito brincante e de desafio até na hora de se tocar.
Então por isso esse samba é um pouco mais maxixado. Muita gente questiona o quanto o Pelo Telefone é o primeiro samba ou não. De fato, foi um marco estabelecido para ser o primeiro samba gravado, mas faz parte de um momento de transição rítmica entre os gêneros.
Existem elementos do maxixe, elementos do samba que não o caracterizam perfeitamente como rompimento com aquilo que vinha anteriormente, mas sim como uma decorrência natural para se chegar até o samba que a gente encontrou posteriormente. É isso aí, esses primeiros sambas gravados também não dispunham de tambores ou palmas no registro deles em discos, que eram protagonistas no samba feito na casa da tia Ciata. O próprio método de gravação mecânica, que não contava com amplificação fornecida pelo microfone, não favorecia a captação do som percussivo.
Assim o arranjo utilizado para gravar as músicas de samba era semelhante ao arranjo do maxixe, com sopros, cordas e piano. O senhor que a gente citou anteriormente, que vai ficar conhecido como o rei do samba, e vai ser o principal compositor dessa época, ele era um pianista. Bom então, Pelo Telefone foi a primeira música designada pelo gênero de samba que estourou no carnaval e ficou conhecida pela imprensa e pelo povo, por isso que ela entrou para a história como o primeiro samba registrado.
Ela foi gravada na voz do cantor baiano, porém a música foi registrada pelo compositor Donga, que ficou conhecido formalmente como o compositor da melodia dessa canção. Já a letra continha alusões ao carnaval, ao folclore e a nova tecnologia urbana, o telefone. Atualmente é muito comum a gente ouvir composições que fazem referência às redes sociais.
Naquela época o telefone era a tecnologia mais utilizada para comunicação e os versos dispersos e meio que sem conexão na letra de Pelo Telefone, de certa forma, também refletia um pouco o clima daquelas rodas de samba na casa da tia Ciata, na qual os participantes improvisavam versos aleatórios sobre aquele fundo rítmico. Inclusive o verso inicial de Pelo Telefone era o chefe da folia pelo telefone manda-me avisar que com alegria não se questione para se brincar aí vem o refrão ai ai ai é deixar as mágoas para trás o rapaz então é um verso que ele traz alusões ao carnaval a folia alegria foi uma música feita para se tocar e dançar no carnaval só que faltando 20 dias para o carnaval estreou uma peça no teatro de revista chamado os três pancadas o enredo era perfeito para folia nele doidos varridos conseguiam fugir do hospício durante o carnaval e percebiam que durante a festa todo mundo parecia mais maluco do que eles em um dos atos da peça a atriz Julia Martins fazia uma interpretação de pelo telefone mas com a letra um pouco alterada que fazia referência ao contexto do cotidiano carioca naquela época os jogos de azar haviam sido proibidos no Rio desde 1913 porém a polícia estava sendo conivente com a prática da jogatina fazendo vista grossa então no teatro a Julia modificou a letra original para cantar o seguinte verso o chefe da polícia pelo telefone mandou me avisar que na carioca tem uma roleta para se jogar ai ai ai o chefe gosta de roleta ou maninha ou seja nessa versão da letra a própria polícia avisava sobre a disponibilidade da roleta e aí claro que a partir disso o chefe de polícia da época Aureliano Leal tentou proibir a música mas isso acabou inflamando a paródia e se tornou hit do carnaval inclusive essa letra parodiada no teatro foi a que se consolidou no imaginário popular como a letra de a música pelo telefone e não aquela letra original gravada em disco.
Poucos dias após o carnaval o jornal do Brasil solta a notícia que na verdade o Donga havia se apropriado de uma criação coletiva produzida em partido alto nos quintais da Tia Ciata o arranjo da música seria de senhor e os compositores seriam Tia Ciata e outros integrantes da sua casa. Mauro Almeida tinha sido jornalista que ficou registrado como autor da letra oficial se pronunciou na época dizendo que ele não tinha composto a letra mas que ele havia consolidado versos populares que corriam a boca do povo na melodia proposta pelo Donga. Como naquela época também a questão dos direitos autorais ainda engatinhava no país a polêmica não avançou muito.
Essa questão do direito autoral era realmente complicada nessa época né Tiago. Assim não havia uma grande mobilização muitas vezes dos artistas e até uma percepção de que aquilo deixaria o nome deles para a eternidade. Então às vezes os compositores vendiam com muita facilidade as letras.
Você acontecia a compra e venda de letras de composições existem vários compositores da música brasileira que são famosos por terem comprado as músicas existem vários também que eram famosos por venderem as músicas por não ter essa ideia de que colocar o nome nelas iria deixá-los para a eternidade e tudo mais. Era mais fácil você encher o bucho de comida no outro dia vendendo elas em algum lugar. Então boa parte das músicas que a gente conhece nesse momento inicial até a década de 1940 a gente pode dizer que muitas vezes vão ser apropriações de letras de contexto popular.
Então de fato saber exatamente quem é que fez a letra e quem é que fez a composição é muito complicado porque muitas vezes eram construções coletivas mesmo. É isso aí e sem mais delongas vamos ouvir um pouco as músicas que ilustram essa primeira fase do samba. A primeira música é a versão de Martinho da Vila para Pelo Telefone.
Essa versão do Martinho da Vila já contém a letra alterada lá pelo teatro de revista que faz referências ao chefe de polícia e tudo. Como a gente já ouviu a versão original de Pelo Telefone no programa de Maxixe agora a gente vai ouvir a versão do Martinho da Vila. Na sequência a gente vai ouvir o cantor Mário Reis interpretando a música Jura do Senhor, depois João da Baiana com Batuque na Cozinha e para fechar o bloco mais uma vez Mário Reis cantando Senhor a Favela Vai Abaixo.
Você está ouvindo o Tempo e o Som na sua Rádio Eixo. Você acabou de ouvir Mário Reis cantando A Favela Vai Abaixo, música de Senhor.
João da Baiana cantando Batuque na Cozinha, junto com Pixinguinha e Clementina de Jesus. Jura, música de Senhor, cantada também por Mário Reis. E Pelo Telefone, música de Donga, cantada por Martinho da Vila.
E nesse segundo bloco, vamos falar um pouquinho da maneira como esse samba vai se transformando. Daquele samba de roda, da interação, da dança da dança da dança, de salão, para um samba um pouco mais marchado, um pouco mais progredido. Um samba que progride num rumo um pouco mais próximo àquilo que as pessoas conhecem como escola de samba atualmente.
É isso mesmo, Gabriel. Então ali, pelo final da década de 20, derivada dos ranchos carnavalescos da Bahia, dos blocos e cordões de carnaval que já existiam, começaram a aparecer as primeiras escolas de samba no Rio de Janeiro. Os ranchos eram folguedos populares que desfilavam no carnaval fazendo alusão à jornada dos reis magos e que negaram às escolas de samba as cores definidas, das agremiações, as alegorias utilizadas nos desfiles e as figuras do porta-bandeira e do mestre sala.
A Deixa Falar, do Estácio, a Mangueira e a Osvaldo Cruz, que depois vai ser a Vai Como Pode e a Portela, são as primeiras escolas de samba do país. Durante o carnaval, havia uma certa rivalidade entre os blocos que participavam do concurso de samba que acontecia na Praça 11. Ainda não existiam os desfiles, porém já existia um concurso de samba na Praça 11.
Com o objetivo de estar à frente na rivalidade entre os núcleos de samba, o Bloco Deixa Falar foi o primeiro a se autointitular de escola. O título conferia certa importância e destaque ao bloco. Ismael Silva, que é um dos fundadores do Deixa Falar e um dos principais representantes do samba do Estácio, explica que o pessoal do Estácio adotou o nome de escola aproveitando que a localização da escola normal do Rio de Janeiro ficava no bairro do Estácio.
A escola normal, na época, formava os professores dos anos iniciais do ensino fundamental, papel similar ao dos cursos de pedagogia. Então era de lá que saiam os professores do bairro do Estácio, por isso que eles se autodenominaram de escola. Na sequência, a escola da Mangueira vai surgir a partir da fusão de blocos, como o Bloco dos Arengueiros.
Cartola foi um dos fundadores dessa escola, foi diretor de harmonia, compôs os primeiros sambas enredos, enfim. Já esse nome, Estação Primeira de Mangueira, refere-se ao fato da Mangueira ser a primeira estação onde parava o trem que partia da Central do Brasil. Trata-se de uma época, Tiago, em que o Cartola ainda não tinha essa representação popular que veio até posteriormente.
De fato, o Cartola vai ter a música dele registrada só depois de mais velho. A gente vai ver mais pra frente aqui no programa. E nesse momento inicial, eram poucos os compositores oriundos da escola de samba que realmente conseguiam gravar.
Era mais comum você ter outros compositores gravando a música dessas pessoas. No entanto, essas figuras que ficaram muito conhecidas popularmente, elas eram muito relevantes para a comunidade e muitas vezes serviam para capitanear toda a representação popular que existia em torno deles. Então era lendária a figura do Paulo da Portela, que era uma figura que era tida como o pai da escola e que sempre capitaneava toda a relação em torno de si.
Assim como o Aniceto no Universo do Império, assim como o Cartola da Mangueira e também o Xangô. Outros compositores que tinham, até certo ponto, uma interação com as escolas de samba que alguns chegaram a gravar e a gente tem registros mais formais, mas outros, como acabaram não chegando numa época mais velhos, não tiveram a possibilidade de registro que veio posteriormente na música brasileira. Alguns deles a gente conhece por lenda, por a gente saber que eles são tão importantes para a música brasileira, mas outros deles a gente conhece de fato por terem registros posteriormente que acabaram se popularizando e se tornaram referência da música brasileira como um todo.
O bairro do Estácio, que vai ser o berço desse novo tipo de samba, abrangia os morros de São Carlos e Santo Rodrigues. A turma do Estácio vai começar a se formar por volta de 1925, quando os irmãos Alcebíades e Rubem Barcelos, que faziam rodas de samba com os amigos nos botequins do morro São Carlos, formaram o bloco A União Faz a Força, que seria a semente da escola de samba Deixa Falar. Inclusive, as cores do União Faz a Força e do Deixa Falar eram vermelho e branco, em alusão ao time de futebol do América, cuja sede ficava próxima do Estácio, ali na Tijuca, e também todos os bambas do Estácio eram torcedores do América na época.
Quem eram esses bambas do Estácio? Ismael Silva, o Alcebíades, que ficou mais conhecido como Bide, Marçal, Heitor dos Prazeres, Milton Bastos, Brancura. Esses bambas eram um grupo mais ligado ao cotidiano da população favelada e convivia com malandros, capoeiras, cafetões.
Inclusive, uma das características das letras do samba do Estácio é a exaltação da malandragem, a exaltação da vadiagem e da orgia. Era um samba mais carioca, que vinha do morro e mais distante da influência do samba baiano e amaxixado da Cidade Nova. O que a gente pode falar é que esse samba, que vai começando a se caracterizar através dessas escolas, ele vai ganhar uma característica um pouco mais marchada, uma característica de algo que progride mais para as pessoas andarem.
Então, quando a gente vai pegar uma escola de samba, hoje em dia, por exemplo, a gente tem caixas, a gente tem surdos e tudo, e ela tem uma batida de caixa muito forte para ser marchada, marcialmente mesmo, para ser progredida, para conduzir a progressão a pé de determinadas pessoas. Então, o que a gente pode falar é que esse samba que vai sendo criado nesse momento é um samba que deixa de ter aquela interação do maxixe, que era uma interação um pouco mais de confluência de vivências dentro de uma roda e passa a ser mais linear, que progride mais. Enquanto o do maxixe seria um negócio mais...
O samba vai começando a ficar... Então, ele vai andando mais, ele vai progredindo mais, ele vai ganhando mais essa ideia de algo que vai conduzir a progressão de pessoas e menos essa ideia de algo que vai ser contemplado dentro de uma roda. Vai ser a música se adaptando à maneira como ela é vivenciada pelas pessoas e à proposta, de fato, ao qual se dispõe a exercer.
Esse novo ritmo de samba foi criado na base do improviso das rodas de batucada com tamborim, surdo, cuica e pandeiro. É importante destacar que esses compositores do Estácio dominavam muito bem os instrumentos de percussão. Salvo uma ou outra exceção, eles não sabiam tocar violão, cavaquinho, eles eram bons no batuque.
Inclusive, o formato das rodas era semelhante ao do samba de roda e que viria depois a ser conhecido como partido alto. Nós já falamos aqui, né? Dois cantores cantando em desafio, em versos improvisados e o refrão fixo repetido pelo coro.
Inclusive, um dos diferenciais do Deixa Falar era a utilização do tambor surdo nos desfiles de carnaval. Atribui-se ao beat o desenvolvimento de instrumentos como o surdo e o tamborim. O surdo é um tambor feito de lata de manteiga e couro de cabrito criado pelo Bide para marcar o ritmo da música, sendo possível ouvir à distância o seu pulso grave e binário.
A partir daí, já era possível que todo o bloco que estava desfilando cantasse a música no ritmo marcado do surdo. Vale lembrar que toda essa projeção sonora que o surdo tem também ajuda a gente a entender um pouco as tecnologias da época. A gente não tinha uma tecnologia de amplificação muito bem estabelecida, a gente não tinha microfonação estabelecida.
Então, o que a gente pode dizer é que era necessário você ter uma projeção grande dos instrumentos para que aquele instrumento batesse no peito das pessoas lá do outro lado e as pessoas pudessem cantar. Então, tudo que a manifestação popular, a gente vai ver de massa no início do século XX até pelo menos a década de 1930 vão ser manifestações de grande projeção sonora. Ou utilizando sopros com muita força, ou utilizando percussão com muita força, sempre para isso chegar nas pessoas e causar esse impacto da projeção do ritmo, da projeção musical, mas também para que pudesse juntar a gente.
Se o samba não tivesse essa criação do surdo, de outros instrumentos, ele jamais conseguiria angariar tantas pessoas ao seu redor. Então, o que a gente vê é um samba que vai necessitar ganhar mais projeção por ter saído do terreiro e ido para a rua. A partir do momento que ele vai para a rua, ele precisa se projetar.
E a partir do momento que ele precisa se projetar, você vai contar com a genialidade de algumas pessoas que vão conseguir produzir instrumentos que vão trazer essa sonoridade muito forte. Um fato que ocorreu na primeira fase do samba e que vai continuar com o samba do Estácio é aquela separação que existia entre o compositor e o cantor, o intérprete das músicas. Então, nesse momento do samba do Estácio, vários cantores de rádio vão se aproximar dos bambas dos morros e vão passar a gravar a música desses compositores populares.
E a partir daí o samba vai se consolidar como uma música nacional. Entre 1930 e 1940, mais ou menos um terço dos discos gravados no país ficou registrado com o gênero de samba. Nessas gravações desses sambas em discos, os compositores do Estácio participavam com papéis de menor protagonismo, às vezes fazendo parte do coro, às vezes tocando percussão.
Então, para a gente escutar e conhecer alguma das músicas dessa segunda fase do samba, a gente vai ouvir Ismael Silva, com Se Você Jurar. Essa música já foi gravada pelo Ismael na década de 50, mas foi uma música composta nos anos 30. Depois, a gente vai ouvir uma música do Bide, cantada pelo Mário Reis, agora é cinza.
Depois, outro compositor do Estácio, Heitor dos Prazeres, com Chega de Roque Roque
, também é gravada nos anos 50. E por fim, Francisco Alves e Mário Reis, cantando uma música do Cartola, que ele compôs nessa época e nos anos 30. O nome da música é Perdão, Meu Bem.
Vocês estão ouvindo O tempo e o som Na sua Rádio Eixo
[Palestrante 1]
Você acabou de ouvir Perdão Meu Bem Cantada por Francisco Alves e Mauro Reis Música de Cartola Chega de Roque Roque Música de Heitor dos Prazeres Que além de cantor e compositor Também é um grande pintor Quem quiser achar as produções artísticas do Heitor dos Prazeres É só procurar aí nas redes sociais Você vai achar facilmente Agora é cinza a música do Bide Do grande Bide cantada por Mauro Reis E se você jurar, música cantada por Ismael Silva Bom, então progredindo no tempo Estamos chegando na década de 1930 Final da década de 1920 Lembrando que é justamente nesse momento Em que as rádios vão ganhar grande força no Brasil Então por conta disso você vai começar A ter a possibilidade das pessoas De ouvirem as músicas Sem estarem presentes, de fato No lugar onde elas estão produzidas Então é nisso Você vai começar a ter uma disseminação De grandes ídolos populares Mais gravações vão acabar acontecendo E mais compositores vão ficar sendo conhecidos pelas pessoas Então de fato Aquela disseminação que a gente falou De nomes, chave Para a estruturação do samba Dentro do conhecimento do país como um todo Vai começar a acontecer dentro desse momento Por mais que muitas vezes Eles não tenham gravado, de fato Nesse momento inicial Então a gente está falando de pessoas como Cartola e Carlos Cachaça, da Mangueira Paulo da Portela Na Portela, em Madureira, Oswaldo Cruz Ou Noel Rosa Em Vila Isabel Eram compositores de samba que tinham Sempre uma letra um pouco mais poética Buscavam falar Sobre cotidiano Falar sobre a vida das pessoas, dos indivíduos E também Disseminar um pouco A experiência que existia Na vivência do morro Das comunidades que viviam e tudo mais Então você vai ter Uma linguagem mais coloquial, mas ao mesmo tempo Rimas muito ricas e letras Elaboradas que vão Tornar eles quase que cronistas do cotidiano A gente vai ver nesse momento Surgir com muita força a canção Dentro da música brasileira Lembrando que com canção a gente está se referindo Àquilo que Conjuga a letra E a música A canção nesse momento vai produzir um elemento Novo para a musicalidade É uma música que não é apenas Música, mas é crônica do cotidiano E é uma crônica do cotidiano que não é apenas Crônica, mas que também é música E assim, pessoas que refletem o seu Tempo vão se tornar pessoas muito importantes Na música brasileira. Nessa tradição A gente pode citar pessoas que posteriormente também vão ser tributárias dessa prática é o caso do Dorival Caymmi, por exemplo Na Bahia.
É o caso do Ary Barroso É o caso até, se a gente for chegar mais pra frente Na década de 1960, 70 Pessoas como Paulinho da Viola, como Chico Buarque Que de fato conseguem cantar A vida dos indivíduos A partir dessa conjugação Entre letra e música Nesse tempo, talvez Entretanto, quem mais Tenha sido destacado nesse processo todo Tenha sido Noel Rosa Que vai ser aquele compositor que Durante a sua época de vida Talvez seja aquele mais celebrado Entre todos esses Mas o Noel Rosa, como você estava falando Ele soube muito bem traduzir O Rio de Janeiro dos anos 30 Falando da maria, da cachaça Do povo, mas também Da modernização que ocorria no país O telefone, o cinema A fábrica, a fotografia O Noel teve Uma perspicácia que ele Começa a carreira dele integrando O Bando dos Tangarás Com Almirante, com Braguinha Que tinha como referência Aqueles conjuntos regionais E aí nesse contexto De valorização do popular E do regional, o Noel E os companheiros dele do Bando de Tangarás Acabavam se aproximando De compositores populares É aí que o Noel vai Conseguir chegar também Aos bambas do Star, se vai conhecer Vai fazer parcerias inclusive Com o Ismael Silva E ele vai fazer um pouco esse mediador A gente sabe que ele era da Vila Isabel Que era um bairro de classe média Classe média mais baixa Mas ele vai fazer essa mediação Entre os compositores Das periferias E esses músicos cariocas De classe média E além das crônicas coloquiais Que o Noel compunha Ele também cantava Gravava discos, participava De programas de rádio E peças de teatro de revista Essa atuação colaborou muito Para obviamente divulgar as músicas dele Tanto é que Entre 1934 e 1937 Noel vai rivalizar Com o outro cantor Que estava surgindo Na década de 30 Que era o Wilson Batista Eles ficaram algum tempo Trocando provocações Através das letras De uma série de canções Na época a imprensa E o circuito cultural não deram Muita bola para esse duelo A disputa só apareceu com mais força E ficou evidente nos anos 50 Quando a gravadora Odeon Lançou um disco de 10 polegadas Intitulado Polêmica Que reunia justamente As canções que os dois Utilizaram para duelar Ao que tudo indica O motivo da briga foi uma morena Que acabou preferindo O Wilson Batista havia composto Uma música chamada Lenço no pescoço Que tinha uma letra que exaltava a malandragem A partir daí Noel teria produzido a primeira Música em resposta ao Wilson A letra era Rapaz folgado Que fazia uma crítica Entre a associação do sambista Com a figura do malandro O Wilson retrucou Com mocinho da vila Quando Noel fazia sucesso Com feitiço da vila O Wilson mais uma vez Com conversa afiada Criticou o bairro de Noel como polo do samba E ainda vale a menção A letra de Batista Frankenstein Na qual fazia uma referência A aparência de Noel Que tinha o maxilar deformado Por um problema em seu parto Inclusive esse maxilar Que ele era mais retraído E atrapalhava o Noel A se alimentar E isso deixou o Noel com uma saúde mais debilitada Por isso que ele morreu mais jovem Outro sambista que é oriundo Da baixa classe média É o Dorival Caymmi Que apareceu em 38 com O que que a baiana tem Cantada por Carmen Miranda Aliás, o Dorival Faz parte de uma tradição baiana do samba Que conta também com Batatinha Ederaldo Gentil Riachão, Edil Pacheco Tião Motorista e Nelson Rufino Com sua voz grave E canções praieiras E influência do samba de roda Caymmi conjugou o regionalismo baiano Com o samba urbano do Rio de Janeiro Ele utilizava temas regionais Como o mar, o pescador E a baiana Utilizando aquela forma de perguntas e respostas Com o refrão do samba de roda E a mistura com o samba Urbano do Rio de Janeiro Enquanto as letras do Noel retratavam O cotidiano da cidade do Rio Urbano, as letras do Dorival Representavam a paisagem E os costumes da antiga capital Porém, Dorival Ele não tinha só essa dimensão folclórica Parte do repertório dele A partir mais ou menos da segunda metade dos anos 40 É dedicado aos sambas canções Que vão retratar o ambiente urbano Os desencontros românticos Inclusive o auge do Caymmi O Caymmi foi entre 40 e 50 Quando são compostos Seus grandes sucessos E ele é gravado por outros intérpretes No final da década de 50 O Caymmi vai acabar Diminuindo suas atividades artísticas O Caymmi Vai ter uma participação muito importante Até para a construção da ideia de baianidade Fora da região da Bahia Principalmente no centro sul do Brasil Nas grandes cidades do sudeste brasileiro De fato, naquele momento Apesar da Bahia ter sido a capital do Brasil Não havia uma representação tão clara Do que seria a Bahia Para o resto do país Porém, a partir do momento que você tem o Caymmi Cantando sobre jangadeiros, cantando sobre o mar Cantando sobre a vivência dele Ele vai passar a ter uma participação Muito relevante na construção dessa ideia De uma forma muito parecida com o que vai acontecer Com o Luiz Gonzaga também Que vai cantar o sertão Assim como o Caymmi vai cantar o litoral Então A maneira Como ele vai fazer Esse tipo de construção Vai ajudar muito a definir a identidade da Bahia Para o resto do país E ele vai deixar resquícios muito interessantes Porque tem muita gente que vê, por exemplo, na Bossa Nova Anos posterior Resquícios do tipo de linguagem Utilizada no Caymmi No lance da contemplação à natureza Da contemplação ao corpo feminino Do cantar a cidade De uma maneira quase idílica E sempre com uma produção Não muito grande O Caymmi vai diminuir As atividades artísticas, como você falou No final da década de 1950 Mas ele nunca foi uma pessoa que produzisse Grandes discos Com muita regularidade Vai ser um compositor que vai ter Poucas gravações Pela quantidade de tempo de carreira que ele vai ter Agora todas elas muito relevantes E todas elas com uma influência muito grande Na música brasileira nos anos posterior Inclusive Mais influência posterior Do que até sucesso dentro da sua época Apesar de ter feito um sucesso Relevante dentro do seu período O Caymmi vai deixar um resquício Gigantesco para as gerações Que vão vir na década de 1950 e 1960 Na música brasileira Você vai ver a musicalidade dele sempre ser citada No ambiente da MPB na década de 1960 Sempre ser citada dentro do ambiente Da Bossa Nova Então talvez de todos os compositores Desse período Seja um daqueles que mais marcas deixou nos tempos posteriores A partir do estabelecimento Do Estado Novo De Vargas em 1937 O Governo Federal Promoveu uma intensa propaganda De valorização do trabalho Investindo na formação de um proletariado Ordeiro e tutelado As referências à malandragem Passaram a ser censuradas com rigor Não houve no Estado Novo Uma perseguição aos compositores Como houve na ditadura militar Na década de 1970 Porém, através do Departamento de Imprensa e Propaganda O DIP O Estado exercia um controle Das comunicações Ou seja, o Estado estimulava Dava mais espaço na rádio As músicas que enaltecessem o trabalho E a nação O Governo Vargas valorizou o samba Que estava regulamentado E civilizado Como elemento integrante Da identidade nacional Essa participação Do Governo Vargas no estabelecimento do samba Vai ser algo muito relevante a se citar, né Tiago?
Porque de fato Ele vai ter um papel central Dentro da propagação do gênero Dentro da música brasileira Porque a partir de 1936 Quando você tem a fundação da Rádio Nacional Esse samba que vai emanar do Rio de Janeiro Pelas ondas do rádio vai chegar no Brasil como um todo Então a gente vai começar a ver até Aparecer sambas com sotaques diferentes Em outras regiões do Brasil Com mais presença Então você vai começar a ter um samba chegando Lá no Rio Grande do Sul Ao mesmo tempo que você tem um samba chegando lá em Pernambuco No Maranhão e tudo mais Então esse samba vai começando a se tornar Talvez o grande gênero simbólico da nação Então se a gente tem essa ideia Hoje de que o samba é tido como a grande Música nacional, a gente não sabe porquê Talvez a presença da Rádio Nacional A partir de 1936 Seja uma das coisas que explique Esse tipo de fenômeno Que vai acabar ocorrendo Então de fato o que a gente pode dizer É que o governo Vagas estimulou bastante A produção de samba no Brasil E a disseminação dessa música Mas ao mesmo tempo Ele também vai querer uma música específica Que não vá contra os valores Que o governo defende Quer dizer que esse valor do trabalhador A gente conhece bem essa parte do governo Vagas O quanto ele exaltava os trabalhadores do Brasil E tudo mais, as festas de dia do trabalho Que ele fazia Esse tipo de discurso do governo Vagas Então esse samba vai ter que se adequar um pouco A esse discurso do governo Vagas Mas ao mesmo tempo ele também vai ser Um samba que vai ser disseminado Pelo Brasil Através da própria Rádio Nacional E pelo próprio governo Vagas Então existe essa dualidade Entre disseminação e repressão Ou até mais o que a gente pode dizer Uma certa conciliação Da musicalidade do samba Com as propostas do governo Visando difundir uma cultura nacional Que era um ponto sujeito do governo Vagas Mas ao mesmo tempo difundir a cultura nacional Que o governo queria ver propagada E nisso tudo entra com muita força O samba exaltação O samba exaltação vai ter muito papel Nessa disseminação De um Brasil que se quer ver Nessa exaltação do Brasil como um todo Exatamente, né Gabriel E aí um dos principais representantes Do samba exaltação É o Ary Barroso Que também era de classe média Mas acabou aprendendo as manhas do samba E começou a compor Ele apresentou a Aquarela do Brasil Que se tornaria talvez um dos principais Símbolos aí do samba exaltação E que destacava essa imagem do Brasil Próspero e feliz Brasil pandeiro do Assis de Valente Bonde de São Januário Do Wilson Batista E isso aqui é o que é Do próprio Ary Barroso São outros exemplos do samba exaltação Que teve seu auge ali em 44 Antes um pouco Do fim do Estado Novo Vale lembrar um pouco Que esse samba exaltação ele já não tem Tanto uma característica Daquele samba dos cronistas Do dia a dia Que a gente já avisa anteriormente E quase que uma estruturação de samba enredo Que canta o Brasil, que exalta o Brasil Nessa ideia de levantar o Brasil Uma música sempre muito pra cima, muito pra frente E menos uma música que trata Das questões do cotidiano É interessante notar também, Gabriel Que o samba exaltação que vai Emergir em um período exatamente Ditatorial Aqui no Brasil Ele vai ressurgir novamente Também na ditadura dos anos 70 Na ditadura militar Nessa época o grupo Pós-tropicalista Novos Baianos Vai regravar dois sambas exaltações Brasil pandeiro E isso aqui é o que é Bom, agora pra ilustrar um pouco Esse período A gente vai ouvir Noel Rosa Com a música Com Que Roupa Wilson Batista Meu Mundo É Hoje Dorival Caymmi Com a canção Vatapá E Carmen Miranda Com a música South American Way É muito interessante que os ouvintes Percebam nesse South American Way O grande improviso e introdução Feitos no violão tenor pelo garoto O grande instrumentista garoto Do choro, do universo do rádio Sempre com muita presença na música brasileira Foi um dos músicos que a Carmen Miranda Levou para os Estados Unidos Pra tocar com ela Junto ao Bando da Lua Executando, participando de diversos filmes De diversas gravações internacionalmente Então é quase como se fosse Uma apresentação do Brasil Para o mundo E a letra faz essa alusão um pouco A essa interação entre a cultura americana E a cultura brasileira Com o título em inglês E falando um pouco sobre a presença da música brasileira Lá nos Estados Unidos Aquilo que o Brasil pode trazer De diferente, o South American Way E que vai se deixar Muito manifestado aí Dentro dessa gravação da Carmen Miranda Com o Bando da Lua e Garoto
[Palestrante 1]
Você está ouvindo o Tempo e o Som na sua Rádio Eixo Você acabou de ouvir aqui no Tempo e o Som Carmem Miranda cantando South American Way anteriormente, Dorival Caymmi com Vatapá, Wilson Batista com Meu Mundo é Hoje e Noel Rosa com Com que roupa, uma música clássica de Noel, que aliás é recheada de humor esse humor que também fazia parte da música brasileira dentro da época a gente citou e falou anteriormente sobre como na década de 30, grandes cronistas sociais estavam presentes, refletindo sobre o tempo deles e até certo ponto, também traçando um panorama interessante sobre a sociedade carioca desse período porém, essa crônica nem sempre ia para uma análise social, ela também muitas vezes se enveredava pelo humor e nesse discurso bem humorado, se destaca durante o período o chamado samba de breque que é marcado por grandes compositores, grandes sambistas de breque, como é o caso do Moreira da Silva em alguma parte também, Geraldo Pereira, a gente pode dizer também a Dona Irã Barbosa numa outra frente, já paulista, também trabalhando muito com breque e sempre utilizando o humor para tecer o panorama que eles estavam fazendo sobre a sociedade brasileira, não Tiago? É isso aí Gabriel, e já que a gente está falando do samba de breque é importante a gente entender esse conceito de breque bom, antes do samba de breque também, a gente tem que estar ciente que outras músicas, canções já utilizavam breque o que era o brake em inglês?
era o momento no qual se interrompia a parte melódica da canção para se encaixar falas ou comentários no caso do samba de breque, esses comentários como o Gabriel colocou, eram comentários bem humorados geralmente esses breques que aconteciam eram breques curtos porém, o samba de breque vai ter esse nome pelo emprego sistemático do recurso então muitas vezes eram breques ou breques mais longos e que permitiam essas falas com dicção cotidiana bom, o samba de breque tocou no rádio e ficou em evidência mais ou menos entre 1936 e 1956 sendo consumido principalmente pelas camadas populares bom, mais ou menos nesse período aí também, entre meados da década de 30 e o final ali da década de 50 outro tipo de samba também vai começar a emergir aí no cenário cultural do país é o samba canção a partir do maxixe, é os compositores semieruditos que tocavam naquelas orquestras de teatro, de revistas tentaram fazer um samba para ser curtido fora do período de carnaval eles começaram a chamar esse samba de samba do meio do ano era um samba mais lento e cadenciado que o repertório carnavalesco as harmonias eram mais elaboradas, era um samba com mais variações rítmicas e era destinado a ser tocado pelas orquestras de dança de salão junto a esse instrumental, as letras desse samba canção eram sentimentais e filiavam-se a uma tradição romântica das modinhas e serestas inclusive vai ser um samba aceito e consumido pela classe média esse samba canção, com essa levada triste e romântica vai começar a aparecer ali no final da década de 20, início de 30 com o Vicente Celestino, que era um cantor de tendências operísticas que vai gravar Linda Flor, que vai ser a primeira composição a receber essa nomenclatura de samba canção num disco porém, na década de 30, como a gente já viu o samba do Estácio era o que estava em evidência ali ainda o samba canção não recebia muita atenção ele vai começar a ficar mais em evidência a partir da Segunda Guerra Mundial e até essa formação dessas orquestras para poder tocar as pessoas atribuem uma relação até com as orquestras do Glenn Miller aquelas grandes orquestras de jazz que existiam e tudo mais no destaque, como acompanhamento desses grupamentos formou-se, por exemplo, a maravilhosa e então falada Orquestra Tabajara comandada pelo Severino Araújo, que era um pernambucano mas a Orquestra Tabajara foi formada na Paraíba, na Rádio Tabajara da Paraíba depois foi importada inteiramente para o Rio de Janeiro com todos os seus músicos e que ficou famosa pelos bailes dançantes que aconteciam tendo como intérprete principal o Jamelão grande puxador de samba, como ele mesmo dizia intérprete de samba, porque não gostava do termo puxador da Mangueira sempre com uma forma de cantar um pouco mais lírica com notas mais alongadas, o que valorizava bastante a letra e tirava um pouco aquela característica de síncope que tinha bastante no samba de break então uma música um pouco menos ritmada e um pouco mais dolente enquanto isso, por trás, a orquestra sempre fazendo uma composição com sopros, fazendo vozes muito bonitas e fazendo toda aquela cama sonora que ficou bastante marcada pela Tabajara então após a Segunda Guerra Mundial existe uma certa globalização de ritmos e de formas interpretativas da música mundial claro que isso vai se acentuar bastante mais pra frente, na década de 1960 mas já nesse período, a gente vê uma parte de outros gêneros musicais aparecendo e trazendo uma influência muito grande na música brasileira então a gente pode dizer, até certo ponto que esse samba canção tinha uma influência grande do bolero o bolero que trazia também essa questão do lirismo um gênero que ainda em algum momento, mais pra frente em algum momento da música brasileira foi visto como algo meio brega foi visto como algo que não necessariamente possuía uma carga poética tão boa mas sim uma carga melodramática excessiva principalmente quando a gente vai ter uma revolução na canção, quando vier na década de 1960 mas nesse contexto, alguns compositores se destacaram bastante então vale a pena a gente citar vários nomes como é o caso do Lupicínio o Lupicínio era um negro gaúcho, pobre que tocava violão e fazia samba com intensas histórias de amor ele apareceu com certo sucesso no final dos anos 30 quando o Ciro Monteiro gravou Se Acaso Você Chegasse porém, a partir de 47 o cantor de rádio Francisco Alves começou a gravar os sambas do Lupicínio foi aí que ele ganhou grande destaque o primeiro foi Nervos de Aço música que ganharia também uma versão de Paulinho da Viola e batizaria um álbum do Paulinho também em 73 só por curiosidades também o Lupicínio, que era gaúcho como eu falei, compôs também o Hino do Grêmio, em 53 isso só pra gente entender como era um compositor já requisitado e respeitado e claro, pra gente também entender a importância do Lupicínio pra música brasileira além do Francisco Alves e do Paulinho da Viola o Lupicínio foi gravado pelo Jamelão que o Gabriel comentou por Linda Batista, Gal Costa, Tom Zé Maria Betânia, Jardins Macalé Martinália, Arrigo Barnabé nenhum de nós Arnaldo Antunes, Adriana Calcanhoto e aproveitando essa característica do Lupicínio e das letras que ele compunha também geralmente as músicas do Lupicínio elas evocam aquela atmosfera de cabaré tem um aspecto bastante dramático os temas são saudade traição, abandono sentimento não correspondido enfim em resumo, a gente falaria que hoje são aquelas letras de sofrência né?
Sim se acaso você chegasse, por exemplo é uma música que trata justamente nesse tema foi extremamente importante na voz da Elza Soares, também foi importante pra dar uma certa visibilidade à Elza Soares cantora muito importante na música brasileira e também é uma música que acaba tendo uma inserção popular mais forte por parte do Lupicínio Rodrigues e essa foi a primeira parte do programa de samba aqui no O Tempo e o Som fica ligado na programação da Rádio eixo e nas plataformas de streaming para curtir a segunda parte bom, a gente vai ouvir Moreira da Silva com Subida do Morro depois Jamelão interpretando uma composição de Lupicínio Rodrigues, Meu Barraco, Elza Soares cantando Erivelto Martins, que também é o compositor associado ao samba canção, a música é Negro Telefone e finalizando Dick Farley com o som Copacabana



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