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Transcrição | O Tempo e o Som 003 – Choro

  • tiagosantos2545
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O Tempo e o Som - 003 - Choro


O Tempo e o Som, a história contada e cantada da música brasileira, com Gabriel Carneiro e Tiago Sambes. Salve salve caros ouvintes, sejam bem-vindos a mais uma edição do Tempo e o Som, programa que narra a história da música popular brasileira, da modinha à música eletrônica. Esse é o terceiro capítulo, no qual a gente vai conversar sobre o choro, mas a gente já abordou aqui no primeiro episódio a modinha e o lundu e, em uma segunda ocasião, conversamos sobre o maxixe, recordando que o Tempo e o Som é realizado com o apoio e os recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Governo do Distrito Federal.


Meu nome é Tiago, eu tô aqui com o Gabriel Carneiro. Salve minha gente, um prazer estar aqui com vocês. O tema do programa de hoje é choro e a gente está muito bem amparado aqui porque eu tô do lado de um chorão aqui de Brasília, o Gabriel, ele é professor da Escola do Clube do Choro, ele também é bandolinista e pandeirista, não é isso, Gabriel?


Esse bandolinista me tirou da casinha aqui, porque a minha participação com o bandolim é mais com o violão tenor até, que é próximo do bandolim, e mais eu tenho curso técnico em bandolim na Escola de Música de Brasília, mas a minha atuação profissional mesmo é como professor de pandeiro na Escola de Choro Rafael Rabelo, do Clube do Choro de Brasília, e como pandeirista por aí, na cidade tô sempre por aí, é uma honra, porque falar de choro pra mim é falar da família quase, é falar de uma coisa muito pessoal.


É isso aí, a gente vai falar mais pra frente também, a roda é um elemento importantíssimo na cultura chorística nacional. Então é isso, a gente vai falar hoje sobre o choro, que é uma música popular, instrumental, caracterizada por muitas improvisações, lembra ali um pouquinho do jazz, o arranjo clássico do choro que se consolidou é composto por dois violões, cavaquinho, pandeiro e um instrumento pra fazer o solo das músicas, geralmente a flauta ou o bandolim. O choro tem essa característica, às vezes ele se metamorfoseia, né, e existe o choro só ao piano, choro só ao violão e tudo mais, mas essa formação clássica que você citou, instrumental, é a formação mais tradicional do choro, aquela que a gente vai encontrar com mais facilidade.


Hoje em dia acontece das pessoas ouvirem até muitas vezes mais o jazz do que o choro, né, então por conta disso acabam relacionando uma coisa com a outra, né, o jazz é próximo do choro, o choro é próximo do jazz, mas de fato os dois são gêneros instrumentais, os dois envolvem improvisação e os dois têm características populares, então de certo modo acaba aproximando os dois gêneros diferentes, porém tornando eles primos até certo ponto, até porque os dois também têm uma atriz negra, né.


Vamos rebobinar um pouco a fita e contar a pré-história do choro, lembrando que já desde o século XVII ali, por volta de 1600, 1650, apareceram nas fazendas da Bahia e do Rio de Janeiro o primeiro tipo de música instrumental brasileira destinada ao lazer popular, rural e urbano, eram os conjuntos de barbeiro, geralmente compostos por negros libertos escravos que praticavam diversos ofícios, dentre eles fazer barbas e tocar instrumentos nas festas das comunidades.


Bom, em 1808, com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, a colônia foi impactada de diversas formas, com transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que foram muito relevantes para o desenvolvimento da música nacional e do choro. A presença do rei e dos seus cortesãos proporcionou a difusão de instrumentos como o bandolim cavaquinho, a propagação de ritmos e danças europeias como a polca, que chega um pouco depois, e a criação de muitos cargos públicos para sustentar a estrutura e a burocracia da nova sede do reino. Todos esses são fatores que serão importantes para o desenvolvimento do choro.


No Rio, por volta de 1870, naquela conjuntura de urbanização, do declínio da escravidão, os conjuntos de barbeiro serviram como referência para a formação de conjuntos de músicos amadores, mestiços e negros, das classes médias mais baixas, pequenos comerciantes, operários, militares de baixa patente, muitos funcionários públicos também, que tocavam música instrumental com violões, cavaquinho e tendo a flauta como destaque solista. Nessa fase inicial, inclusive, a percussão ainda não fazia parte do choro.


Esses conjuntos ficaram conhecidos como choros, e seus músicos, os chorões. O flautista mulato Joaquim Calado é conhecido como um dos primeiros a organizar esses conjuntos de música instrumental popular, tendo fundado, inclusive, o conjunto Choro do Calado. Por isso, e também devido a sua virtuose na flauta, o Joaquim Calado ficou consagrado como o pai do choro.


Sobre o nome, provavelmente, a utilização recorrente dos sons graves do violão nas harmonias da música conferia um tom melancólico e triste ao som. Por isso, aquele tipo de jeito de tocar passou a ser chamado de choro. Tocar chorado, com sentimento, aquelas notas que cantam, isso caracterizou muito o choro.


Inicialmente, a palavra choro designava aquele conjunto musical, e as festas também onde os conjuntos se apresentavam. Porém, já na década de 1910, com a consolidação do gênero, o nome choro passou a batizar também aquele estilo de música. Então o choro vai se originar ali no Rio de Janeiro, em fins do século 19, como uma maneira de tocar a polca, que era um gênero europeu vibrante, e que era dançado em duplo e estava na moda aqui no Brasil.


Só que aqui, os músicos populares que animavam as festas da comunidade misturavam a polca com o ritmo sincopado dos batuques do Lundu. Então, em sua gênese, o choro era o jeito brasileiro de se tocar a polca. Inclusive, a gente falou naquele programa sobre o maxixe, Tiago, de toda essa amálgama cultural que está acontecendo nessa época.


Então esse vinco que existe entre o choro, até o próprio maxixe, a polca, vai aparecer o tempo inteiro nesse momento inicial. Até o próprio início do choro, tem músicas que você fica na dúvida, será que esse é um choro? Será que esse é uma polca?


Será que esse é um maxixe? Ela fica meio como se fosse num limbo ali, rítmico e de gêneros, que a gente não consegue caracterizar exatamente onde começa um e onde termina o outro. O que dá pra gente toda essa perspectiva, dessa disseminação e dessa pluralidade cultural que acontecia no Brasil naquela época, que permitia muitas vezes você nem saber exatamente o que estava sendo tocado, mas você está vendo ali que aquela gênese está acontecendo pra chegar a um novo lugar.


Muito bem lembrado pelo Gabriel, se você quiser conhecer um pouco mais sobre esse início do choro ainda, que ele estava meio que misturado com outros gêneros, como o maxixe, o tango, é só ouvir o programa anterior sobre maxixe que você vai ouvir falar mais nos nomes do Joaquim Calado, da Chiquinha Gonzaga, do Ernesto Nazaré e do Anacleto de Medeiros. Então, esses choros primitivos eram basicamente polcas tocadas à brasileira, com a incorporação da síncope do batuque e do lundu. Com o desenvolvimento da técnica, aumentou a influência nacional e o choro ficou mais sincopado, ganhando mais personalidade própria e se diferenciando da polca, embora ainda tenha mantido aquela forma rondó, circular, de três partes.


Então, após algumas décadas de aprimoramento, o choro vai se consolidar como gênero musical a partir da década de 1910. E é muito importante para esse trabalho de consolidação o Pixinguinha. Antes do Pixinguinha, o choro era muito híbrido ainda, era aquela polca adaptada, e o Pixinguinha vai dando uma forma própria ao choro, vai colocando a percussão, vai trazendo mais os gêneros brasileiros para dentro do choro, para dentro da polca, vai também acentuando mais a questão do improviso.


O Pixinguinha era muito bom na flauta e no saxofone. O Pixinguinha vai ser o pai de toda referência de qualquer chorão. Hoje em dia, a gente tende a reduzir, às vezes, a obra do Pixinguinha àquelas músicas que a gente conhece.


A gente conhece a Rosa, geralmente, a gente conhece o Carinhoso, mas a gente não conhece a pluralidade da obra do Pixinguinha. E, às vezes, parece que é uma figura que é enaltecida só por causa da sua representatividade histórica. Mas, para quem toca choro, para quem gosta de choro, a quantidade de composições do Pixinguinha, a diversidade dessas composições, indo para um arranjo mais orquestral, indo para um arranjo de choro normal.


O Pixinguinha também trabalhou muitos anos nas rádios, nos regionais, fazendo arranjos que conseguiam associar, muitas vezes, sensações diferentes àquela musicalidade que estava sendo ouvida. Então, a referência do Pixinguinha para o choro, como o grande rei do choro, o grande pai do choro, ela é mais do que justificada, porque vai ser ele que vai dar o formato mais clássico do choro, toda a identidade linguística do choro, apesar de não ter sido ele o criador, nem o primeiro gravador de choro. Beleza!


Só uma coisa para ilustrar também essa pluralidade do Pixinguinha, a genialidade dele e como ele está presente ainda, cara, hoje em dia na cultura brasileira, dentre os arranjos que ele compôs, aquela marcha carnavalesca clássica é dele, a-la-la-ôôôô! Bom, então, agora, Gabriel, que músicas você selecionou para gente ouvir nesse primeiro bloco que ilustra um pouco esse início da história do choro? Como a gente está falando de início do choro, acho que não tem como a gente fugir do primeiro choro composto, aquele que é tiro como o primeiro choro composto, que ainda data do século 19, do final do século 19, que é do Antônio Calado, o Flora Amorosa.


né? Uma gravação do Carlos Poiares e na sequência a gente vai ouvir uma música que faz um vínculo também com aquele programa de machista que a gente falou, que é o Brejeiro, do Ernesto Nazaré, sendo tocado ao violão pelo grande violonista Turíbio Santos. Eu selecionei essa música porque ela é um arranjo de violão.


A gente vai ouvir aqui bastante arranjos de regional, né? Essa formação musical que o Thiago citou, né? De dois violões, um de sete cordas, um de seis cordas, um cavaquinho, um pandeiro e um solista.


Nesse caso a gente vai ouvir um choro sendo tocado apenas ao violão pelo instrumentista maravilhoso, grande concertista Turíbio Santos. Nos casarões imperiais dos velhos mangues cariocas, no tempo de D. João VI, que ficavam situados num trecho do centro do Rio de Janeiro chamado Cidade Nova, músicos das bandas de música da cidade ou funcionários dos correios e telégrafos costumavam se reunir para tocar polcas, shots, mazurcas, valsas, de uma maneira tão dolente, tão chorada, que o seu jeito de tocar acabou virando choro.


Foi num desses casarões que começaram a desaparecer na segunda metade do século, com o deslocamento da cidade para a Zona Sul, que o flautista Joaquim Antônio da Silva Calado Júnior criaram um quarteto constituído de uma flauta, dois violões e um cavaquinho para tocar as músicas em moda na época e, assim, contrastar com as modinhas dos menestréis e trovadores seresteiros. Quando nasceu o choro? Em que ano nasceu o choro?


Qual foi o primeiro choro? Bem, ficou registrado na história que Calado, com apenas 19 anos de idade, isto é, no ano de 1867, já tinha criado seu Flor Amorosa e foi por isto que fixou-se a década de 1870 a 1880 como a do surgimento do choro. Quem foi Calado?


Joaquim Antônio da Silva Calado Júnior, flautista, compositor popular, professor da cadeira de flauta do Conservatório Imperial do Rio de Janeiro e do Liceu de Artes e Ofícios. Nasceu no Rio de Janeiro no dia 11 de julho do ano de 1848. Começou seus estudos de música com seu pai.


Foi alguns anos depois, aluno de Henrique Alves de Mesquita, que era professor da cadeira de harmonia do Conservatório Imperial e do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Calado fazia um curso específico com o maestro Mesquita. Quando Mesquita viajou para a Europa e Calado, não podendo completar o seu curso, fez-se músico profissional.


Joaquim Antônio da Silva Calado Júnior faleceu aos 32 anos de idade no dia 20 de março de 1880. Algum tempo depois que Calado criara seu quarteto de pau e cordas, como era chamado, por ser constituído de uma flauta de madeira, dois violões e um cavaquinho, instrumentos estes também de madeira com cordas metálicas. Admitiu o piano de Chiquinha Gonzaga dentro do seu conjunto de choro, como já era chamado seu quarteto.


E ao fazer isto, Calado estava, sem saber, abrindo as portas do futuro para que grandes músicos como ele continuassem a colaborar para a evolução do grupo de chorões que ele criara. Introduzindo no conjunto instrumentos de banda, como a tuba, o bombardino, o trombone, o clarinete. E quando o jazz popularizou o saxofone, os músicos dos conjuntos de choro não se recusaram em acrescentar o sax tenor, em substituição ao oficlide, que já tinham introduzido no conjunto para fazer os contracantos com os violões.


Anos mais tarde, acrescentaram ao conjunto de choro instrumentos de percussão, como a cabaça, o tantã, o afoxé, o ganzá, o reco-reco. E por fim, entre os anos de 1927 a 1930, quando as fábricas de discos fonográficos e as estações de rádio precisaram de pequenos conjuntos para acompanhamento de cantores, os músicos dos conjuntos acrescentaram o pandeiro e foi aí que o velho conjunto de choro passou a se chamar conjunto regional brasileiro. Mas Bom Chorão dessa primeira fase não foi só calado, não.


Houve também Chiquinha Gonzaga, que no finalzinho do século passado criara o Abre Alas, que ficaria sendo oficialmente a primeira marcha para o carnaval brasileiro. Francisca Edwiges de Neves Gonzaga. Chiquinha Gonzaga, como era chamada na intimidade.


Nasceu na antiga Rua do Príncipe, hoje Senador Pompeu, no Rio de Janeiro, no dia 17 de outubro de 1848. Chiquinha era filha do marechal de campo José Basileu de Neves Gonzaga e Dona Rosa Maria de Lima e Silva Gonzaga. Trazia no sangue uma das melhores origens brasileiras.


Cantava-lhe na alma o lirismo glorioso do incompetente Tomás Antônio Gonzaga e acentuava lhe o caráter e a intrepidez heroica dos Lima e Silva glorificada pela figura de Caxias. Na linhagem de Chiquinha Gonzaga encontra-se no Brasil, na Itália e em Portugal nomes ilustres na poesia, na música, nas armas e na diplomacia.


Estamos de volta aqui no Tempo e o Som e você ouviu o Carlos Poiares interpretando Flora Amorosa primeiramente e na sequência o Turíbio Santos interpretando Brejeiro, música do Ernesto Nazaré.


Lembrando que Flora Amorosa é considerada o primeiro choro a ser composto, música do Antônio Calado, grande nome da flauta e grande compositor do universo do choro, das polcas e etc. Bom, a partir desse momento, a gente vai falar de um fenômeno que é muito interessante na construção do choro, na construção da música nacional como um todo. É o papel das rádios e a maneira como foram formados aqueles chamados grupos regionais.


Vale lembrar que esse nome regional é o nome que às vezes remete às pessoas alguma regionalidade sertaneja, alguma ideia de rincões do Brasil que não seja esse Brasil central, urbano, das grandes cidades do centro-sul brasileiro. Porém, regional não é apenas isso. Regional era o nome que era usado pra se falar de conjuntos que foram formados pra poder tocar nas rádios brasileiras a partir da década de 1920.


Isso porque a fundação da rádio no Brasil se dá no ano de 1922, sobre o comando do Roquete Pinto, uma figura até certo ponto polêmica, teve alguns casos de eugenia relacionados a ele e tudo mais, mas um médico que trabalhava com radiologia, com propagação de ondas e tudo mais, e que a partir desses experimentos trouxe a rádio pro Brasil. E o Brasil foi pioneiro nisso, foi um dos países que iniciou o processo de rádio no mundo e tudo mais, e essa transmissão de rádio foi muito importante, não apenas para o choro como um todo, mas para a modificação da maneira como se escutava música. Você tem que pensar que até aquele momento, as pessoas pra ouvir música deveriam estar na praça pública ouvindo música, ouvindo a banda tocar, ou estar dentro de um quintal ouvindo a interpretação de uma música.


São famosos, por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro, os quintais da Tia Ciata, hoje se fala muito onde teria surgido o samba e você teria toda essa gama de representações culturais ali dentro. Nas praças públicas, são famosas as apresentações da banda do Maestro Anacleto de Medeiros, a banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Nesse momento, a partir do momento que você tem a institucionalização da gravação como algo acessível, e a partir do momento que você tem a transmissão do rádio, as pessoas podem ouvir música sem estar presente no lugar onde essa música está sendo executada.


E essa é uma mudança no regime da escuta que vai transformar totalmente a maneira como se ouve música. Só um complemento, Gabriel, e o rádio, ele também foi muito importante na questão mercadológica da compra de discos, porque o ouvinte escutava música no rádio e depois ia comprar o disco também buscando aquele fonograma ter o registro. Pois é, e aí esse acesso do registro a rádio tudo isso distancia o ouvinte da execução da música mas faz também com que essa música se torne mais acessível.


Alguém de outro lado do mundo possa ter um disco que foi gravado aqui ou qualquer coisa desse tipo. Então, ao mesmo tempo que você populariza você torna a música mais popular, até certo ponto você também vulgariza um pouco essa audição, porque a pessoa deixa de entender exatamente como aquela música foi feita e apenas ouve o produto daquela audição em si. Então é uma transformação considerável na maneira como a música é consumida e a gente tem que pensar que isso é um fator muito importante dentro da música brasileira.


Também porque a partir do momento que você tem o registro gravado das músicas, e a partir do momento que você tem a transmissão daquelas músicas elas têm que ser feitas a partir de um estúdio. E aquele estúdio ainda de maneira muito rudimentar, às vezes agulha furando o disco ainda, de maneira ainda não muito técnica, como a gente encontra hoje de estúdios com gravações de instrumentos em diversos canais, com vários microfones e tudo mais. E pra você poder compartimentar aquela música dentro de um universo menor, é legal você ter uma música que tenha uma projeção menor e até uma formação mais compacta.


Então uma banda, como a banda do Corvo de Lombeiros, do Rio de Janeiro, do Anacleto de Medeiros, que teria em torno de 30, 40 pessoas, ela não caberia dentro de uma sala pra poder fazer essa gravação. Então eram feitas formações mais compactas pra poder chegar lá e gravar e nem sempre as gravações eram bem feitas, você não ouvia tudo com muita qualidade e tudo mais. Então começa a se tornar hegemônico nesse formato das rádios e das gravações uma estrutura, que é a estrutura que a gente falou aqui no primeiro bloco, é a estrutura do chamado regional.


Que é essa estrutura de violão de sete cordas violão de seis cordas, pandeiro, cavaquinho e um instrumento solista. A divisão de funções é uma que alguns instrumentos exercem uma função de transição e outros uma função bem pura. O pandeiro tá responsável pela percussão.


O cavaquinho, ele tem um viés percussivo, mas também faz um centro harmônico, toca os acordes. O violão de seis cordas, ele faz a harmonia, mas ele complementa o contraponto grave, que é feito pelo violão de sete cordas no que a gente chama de baixaria. E o solista, a flauta, às vezes o clarinete, às vezes uma sanfona, às vezes um bandolim, vai lá e faz a melodia da música, que é o que a gente canta no geral.


Gabriel, o violão de sete cordas, ele foi desenvolvido dentro da linguagem do choro justamente para tocar notas mais graves. Foi o Dino, um violonista que ajudou no desenvolvimento desse instrumento? O Dino é tido como o divisor de águas do instrumento.


Assim, não há como se falar em violão de sete cordas sem falar como o Dino. O principal nome é quem mais desenvolveu a linguagem dele. Mas você tem violonistas de sete cordas lendários, que seriam anteriores a ele, que tinham iniciado esse processo.


O famoso, que todo mundo cita geralmente, é o Tutti, que seria um violonista de sete cordas mais antigo e que teria desenvolvido as bases principais da linguagem. Mas dizem que boa parte da própria linguagem desse violão de sete cordas seria baseada no papel grave, que era feito por um instrumento de sopro chamado ofclide dentro das bandas de música, do maestro Anacleto de Medeiros e tudo mais. Então, basicamente, nesse formato, vai se criar um grupo que vai tocar na rádio com todo e qualquer instrumentista, musicista, cantor, cantora que fosse na rádio interpretar qualquer coisa.


Aquele regional, que era daquela rádio, ia cantar com aquele músico, ia tocar com aquele músico. Muitas vezes era um músico que não necessariamente sabia o que estava fazendo. Chegava lá e saia puxando a música e cantando de qualquer jeito e o pessoal correndo atrás saia tocando de ouvido mesmo, numa maneira muito digamos intuitiva até de se tocar e com uma percepção muito aberta daquilo que estava acontecendo na música.


Então é uma forma muito virtuosa de se interpretar na música, mas também é uma forma muito segura. É uma forma de tocar muito bem organizada. Então eram músicos de uma qualificação gigantesca, que eles tinham que estar lá sendo contratados da rádio a todo tempo, sendo pau pra toda obra, tocando com qualquer e qualquer música que estava acontecendo.


Muitas vezes sem ter o preparo necessário pra poder interpretar aquela música. E também, ao mesmo tempo, eram músicos que tinham conhecimento muito grande dos instrumentos. Sabiam muito bem a linguagem do choro.


Dentre esses acompanhamentos que os regionais faziam, né Gabriel, eles também faziam não só com cantores profissionais, eles também seguravam a onda ali dos programas de calouros, que o próprio público ia lá se testar cantando diferentes músicas. E é importante falar também que esse formato do programa de calouros nasceu lá nos anos 30 com rádio, inspirado em programas norte-americanos, mas veio atravessando todo esse tempo ficou muito consolidado ali nos anos 80 também com chacrinhas já na televisão e outro suporte, e hoje continua com programas como The Voice, por exemplo, é um programa de calouros, e que, enfim, o rádio ajudou a consolidar. Agora, só retornando em outro ponto, Gabriel, que você comentou no início, a questão do nome do conjunto regional também tem uma relação com o regionalismo.


Em que sentido? O nome dos primeiros conjuntos remetiam a certo regionalismo, Turunas de Pernambuco, Vozes do Sertão, Bando dos Tangaras, nos repertórios desses conjuntos, eles tocavam, como você falou, de tudo, mas também músicas regionais. Então, provavelmente por isso que esse nome ficou colado ao tipo de conjunto.


São alguns dos fatores que ajudaram a que essa denominação fosse utilizada para esse formato de conjunto do choro que estava se consolidando junto com o rádio, basicamente. Exatamente. Para quem gosta de literatura, para quem gosta de pinturas, a gente sabe como a cultura brasileira viveu um momento do indigenismo ali no final do século XIX, início do século XX, e entrou numa ideia de valorização do regional, na ideia de busca de identidade nacional mesmo.


A gente vê os livros de Raquel de Queiroz, a gente vê do Cris da Cunha, e outros, Zé Lins do Rego, e outros grandes artistas que falavam de um Brasil regional para criar sua identidade nacional. A ideia de que o país seria definido por aquele morador que estivesse interno ao Brasil, aquela pessoa que fosse resultado de uma certa mestiçagem e pudesse se enquadrar dentro daquele universo. Então, dentro desse ponto, os regionais ganham esse nome, muitos especulam, por conta dessa ideia de que haveria uma regionalidade que deveria compor a nacionalidade.


De fato, é um pouco chute. Ninguém sabe exatamente o porquê do nome. Mas, em geral, os autores concordam nesse tipo de postura.


Agora, o primeiro regional que você destacou foi o do Benedito Lacerda. Certo? Perfeitamente.


Exatamente. O regional do Benedito Lacerda era um regional importantíssimo. Era o regional que tocava na Rádio Nacional.


E aí, esse regional que exercia essa música, que era formado pelo Canhoto, no cavaquinho, o Dino, no violão de sete cordas, o Meira, no violão de sete cordas, o Gilson, no pandeiro, teve um momento que foi o Gilberto também, e o Benedito Lacerda na flauta. O Benedito Lacerda teve um papel importantíssimo na consolidação daquela linguagem. Ele era o comandante daquele grupo.


Depois, mais pra frente, o Benedito Lacerda vai acabar falecendo e vai se tornar o regional do Canhoto. Inclusive, vai ser o mesmo grupo que vai gravar lá em 1974, 30 anos depois, o primeiro LP do Cartola, que é um LP importantíssimo, que às vezes as pessoas até perguntam qual o melhor disco com a formação de regional que existe. Apesar do regional ter brilhado e ter se exercido com muita força na década de 1930, 1940 e início da década de 50, em 1974, eu acho que é que ele vive o suprassumo.


Apesar de, nessa época, você já ter tido a decadência dos regionais. Em 1974, esse disco do Cartola acontece, que vai ser um disco importantíssimo, e ele vai trazer uma roupagem quase que nostálgica. Era uma forma que não se gravava mais em 1974.


Se você for ouvir os discos contemporâneos, aqueles discos do Cartola, cada um tem uma sonoridade totalmente diferente do outro. Usa baixo, usa teclado, usa bateria e tudo mais. O Cartola é o único que tem essa pureza de buscar o regional, porque ele não foi visto como um disco da sua época, e sim como um registro de um tempo anterior, que já havia passado e que queria-se ter essa noção de como soaria o Cartola nos seus tempos altos.


Bom, indo logo para as nossas músicas, que a gente tem muito o que dizer na frente, a gente vai ouvir, nesse formato de regional, o grande regional do canhoto, o regional do Benedito Lacerda, como se conhece, mas já sei o Benedito Lacerda tocando a música Chorei, composição de Pixinguinha, e depois vamos ouvir Pixinguinha e Benedito Lacerda com esse mesmo lindo regional, tocando a música Ainda Me Recordo, também de Pixinguinha. Você está ouvindo o Tempo e o Som na sua Rádio Eixo Você ouviu aqui no Tempo e o Som da Rádio Eixo a grande interpretação do regional do canhoto, tocando Chorei, música de Pixinguinha, e de Pixinguinha e Benedito Lacerda com o mesmo regional, interpretando Ainda Me Recordo, música também de Pixinguinha. Essa ligação entre Pixinguinha e Benedito Lacerda vai ser algo muito interessante que vai acontecer durante uma época.


Vai ser uma ligação que vai sintetizar, até certo ponto, a maneira como a estética do Choro vai se disseminar por todo o país. Porque Benedito Lacerda, o seu regional, era um regional que era vinculado à Rádio Nacional, que é fundada a partir do ano de 1936. A Rádio Nacional tem um caráter muito especial, que é um caráter político também.


Que é a ideia do Getúlio Vargas de emitir as notícias a partir do Rio de Janeiro, difundi-las pelo país e de ter, até certo ponto, um controle cultural, um polo cultural importante, que pudesse disseminar a cultura da capital da república para o resto da nação. Não à toa, boa parte da cultura do Rio de Janeiro se nacionaliza a partir da década de 1930, através de um projeto político do próprio Getúlio Vargas. A Rádio Nacional faz parte disso, e o regional era uma parte muito importante disso.


Não à toa, por conta disso, essa rádio chegava em todo o país e, em cada local do país, esse Choro foi ganhando seu diferente sotaque. Ele foi chegando em Pernambuco e lá se amalgamando com a música pernambucana e, de repente, em um disco de Choro pernambucano, você começa a ouvir nuances de frevo, ou nuances de baião, ou até mesmo um frevo gravado no meio de um disco de Choro. A mesma coisa acontece no Rio Grande do Sul, é a mesma coisa que acontece no Mato Grosso do Sul, é a mesma coisa que acontece em São Paulo e em todas as regiões do Brasil.


Isso faz com que a gente possa dizer, até certo ponto, que existe um gênero nacionalizado urbano vinculado ao Choro e que tem sotaques diferentes. Um exemplo disso bem claro é a gente pensar que o Armandinho Macedo, na Bahia, toca o mesmo gênero musical que o Yamandu Costa, lá no Rio Grande do Sul, e que cada um deles está vinculado a uma manifestação cultural diferente. A gente vê o Armandinho muito vinculado à questão do trio elétrico, até o axé, né?


Enquanto o Yamandu Costa está muito vinculado àquela música dos pampas, ali um certo Choro tangado, mais rasqueado, um violão mais interpretativo, mais melancólico, muito comum ali na península do Rio da Prata, ali no sul do Brasil e até indo para o Uruguai e Argentina. E também, nessa linha, tem o Choro paulista, ali com o Garoto, com o Copinha, que tem aquele viés mais romântico, sentimental, parecido com o Serenata, que provavelmente também está ligado àquela tradição de influência italiana, que é muito forte em São Paulo. E também, Gabriel, isso remete àquela outra ideia que a gente já vinha conversando anteriormente, do Choro ele ser uma maneira de tocar.


Esse hibridismo rítmico que existe no Choro é uma das características que o marca, o que faz com que haja, até certo ponto, uma discussão acadêmica sobre o quanto o Choro é um gênero, o quanto o Choro é um modo de se tocar. Quer dizer, é um gênero que tem por sua característica buscar em outros ritmos ideias para a sua fundamentação? Quer dizer, ele tem características que formam dele um gênero e uma delas transitar para outros ritmos?


Ou, na verdade, ele é algo que é só um jeito de se tocar em ritmos diferentes que existem no Brasil? Então, existe essa discussão acadêmica em torno disso, que é sempre bom citar, né, para o pessoal saber mais ou menos como funciona. Agora, retomando o Garoto, ele é uma joia da música brasileira, como você disse, uma pessoa que tocava oito instrumentos de corda e que tinha uma facilidade de execução daqueles instrumentos impressionantes.


Uma pessoa que tocava violão, violão tenor, violino, bandolim, cavaquinho, banjo, era conhecido como o moleque do banjo, né? Guitarra havaiana. Guitarra havaiana, violão, coisas impressionantes.


E cada um deles com um talento muito grande. Agora, eu acho ele uma figura interessante para falar um pouquinho dessa época do rádio, justamente porque ele é uma figura que vai mostrar um pouco como era o pensamento muitas vezes desses músicos que interpretavam nessa época. O Garoto, ele era uma figura que nunca se preocupou na sua vida em deixar um registro muito claro em um disco.


Ele não pensava nisso. Ele se via como um músico de rádio. Ele ia lá toda semana, fazia seu trabalho, registrava sua música e depois batia o cartão e ia embora.


Às vezes compunha e de uma hora para outra gravava, às vezes não gravava. Fazia as coisas com um pensamento muito imediatista em relação à música. Não via a gravação como uma forma de ficar na eternidade.


Ao contrário de outras figuras, como é o caso do Jacob do Bandolim, por exemplo, que era uma figura que não trabalhava tanto assim para a rádio e sim muito gravando, deixando registros perfeitos e tudo mais. Então quando a gente vai ver os registros do Jacob do Bandolim, por exemplo, são registros muito bem cuidados, muito colocadinhos, muito certos. E quando a gente vê o Garoto, por exemplo, o Garoto tem registros meio sujos.


Às vezes músicas mais ou menos tocadas, coisas às vezes que não soam tão bem assim pelo fato de ele nunca ter se preocupado com os registros. Agora, em toda a bibliografia da música brasileira, como um todo, o maior registro de instrumentista que a gente tem, de virtuosismo instrumental, é do Garoto. Inclusive falado pelo próprio Jacob do Bandolim, falado por outros contemporâneos e tudo mais.


Falam, não, o Fulaninho toca bem, mas quem toca bem mesmo é o Garoto. Não à toa foi escolhido, ou foi, tocar com a Carmen Miranda lá nos Estados Unidos. Mostrar todo o seu talento lá com o Bando da Lua, né?


E interpretar grandes músicas como o South American Way e outras tantas gravações maravilhosas feitas pelo Garoto ao lado da Carmen Miranda na sua passagem pelos Estados Unidos. Então uma figura muito importante e uma figura muito interessante. Agora, nesse terceiro bloco, para poder registrar e para poder demarcar exatamente essa pluralidade do choro, ganhando sotaques diferentes em diferentes lugares, vamos ouvir na sequência Luperce Miranda tocando uma composição sua, um frevo instrumental tocado com regional de choro, chamado Nea Sorrindo.


E vamos ouvir o grande sanfoneiro paulistano Orlando Silveira tocando uma música do também paulistano Esmeraldino Salles, Uma Noite no Sumaré. Você acabou de ouvir aqui no Tempo e o Som Orlando Silveira com Uma Noite no Sumaré e Luperce Miranda com a música Nea Sorrindo. Vale então ressaltar novamente que Luperce Miranda, como bom compositor pernambucano, sempre buscava esse destaque para sua música de origem, aquele que ele tinha como referência ali na cultura local, apesar de ter tido uma grande vivência dentro do universo do choro.


Ter tocado no Rio de Janeiro e ter precedido até aquele que foi o maior bandolinista que se registrou na música brasileira, o Jacob do Bandolim, que talvez seja a maior referência que a gente tem sobre registro de choro, sobre a preservação da música instrumental brasileira, uma pessoa que era um purista que buscava preservar e que, atento a essa grande disseminação do choro pelo país, tinha e estabelecia um vínculo muito grande até com a própria música nordestina.


Chegou a gravar ele também em Frevos, chegou a gravar também em Baiões, então tinha atenção para essa pluralidade da música brasileira e para esse contato que os chorões do Nordeste Brasileiro tinham em relação ao choro que ele tanto valorizava na cidade do Rio de Janeiro. O Jacob do Bandolim recebeu na sua casa, o João Pernambuco, recebeu Rossini Ferreira, dizem até que houve uma certa rixa com Luperce Miranda, reza a lenda que chegou Luperce Miranda quando o Jacob do Bandolim apareceu, ficou um pouco enciumado, tirou uma peixeira pro Jacob, chegou a ameaçar ele e tudo para que não tocasse mais suas músicas da maneira como ele tocava, fato que fez com que o Jacob do Bandolim nunca tenha gravado uma música do grande bandolinista Luperce Miranda. Agora, se a gente for estender essa nossa conversa sobre o choro nordestino, a gente abre uma porta gigantesca para reflexões sobre a música brasileira e é uma parte muito importante da maneira como se pensa na música brasileira. Então, figuras como Severino Araújo com sua Orquestra Tabajara, que era uma espécie de Severino Araújo pernambucano, porém a Orquestra Tabajara é sediada na Rádio Tabajara da Paraíba, depois importada para o Rio de Janeiro, que vai ser muito importante nos bailes e nas gafieiras lá do Rio de Janeiro, principalmente acompanhando o grande cantor Jamelão.


Então, uma pessoa, uma figura muito importante. A gente tem diversos instrumentistas, sopristas, Caximbinho também, nordestino. Tem diversos grandes compositores e músicos nordestinos que vão permear esse choro brasileiro.


Você vai ter realmente uma página do choro sediada em Pernambuco, na Bahia e em todo o Nordeste, que a gente pode falar. E vale lembrar do violonista Meira, que era pernambucano e fez parte do trio clássico dos regionais, junto com o Dino e com o Canhoto. E você tem o Canhoto da Paraíba também, você tem o João Pernambuco, você tem diversos músicos que são muito importantes.


Rossini Ferreira vai ser um bandolinista muito importante posterior ao Jacob do Bandolim, que também vai ter um papel muito importante de interação com esse universo do choro e de protagonismo mesmo, compondo choros e coisas desse tipo. Então, uma coisa que vale a pena registrar é que conforme o tempo vai se passando e esse choro vai se estabelecendo como um gênero muito bem consolidado da música brasileira, começa a existir também, dentro do universo do próprio choro, um certo purismo, no sentido de que o choro deveria ficar intocado à influência das estrangeiras, apenas representar aquilo que fosse, de fato, nacional. E um dos grandes nomes desse purismo é justamente o próprio Jacob do Bandolim de quem a gente estava falando.


Essa pessoa que buscava influências na nação, em outras regiões do Brasil, pensava também ao mesmo tempo que os estrangeirismos soavam muito mal na música brasileira. Tinha uma bia enorme com as influências do jazz. A gente tem grandes registros do Jacob do Bandolim, inclusive, para quem estiver interessado, vale ouvir a entrevista do Jacob do Bandolim no Museu da Imagem e do Som, em que ele reclama que os ditos modernos ousem falar e tocar choro, porque não entendem nada de choro.


Apenas trazem estrangeirismo para a música brasileira, que deturpa, até certo ponto, a identidade da música nacional e não representam, de fato, o mais puro caráter brasileiro. São apenas deturpações vindas de fora, que não acrescentam nada à música nacional. Então, o Jacob se torna um grande preservador do choro.


Ele levanta a bandeira do choro. Ele vai ter uma capacidade de registrar as músicas com muito esmero, com muito afinco, deixando tudo muito bonito. Então, para quem quiser umas dicas de melhores gravações de choro, a melhor maneira de se ouvir choro, eu sempre falo, eu começo pelo Jacob, porque do Jacob é sempre muito bem gravado, representa muito bem a sua época.


Então, ele vai ser uma pessoa que vai levantar, realmente, a bandeira do choro e vai se colocar dentro de um papel de protagonismo, como um indivíduo que é o preservador desse choro. O que vai gerar, até certo ponto, várias restrições ao Jacob do Bandolim, mas também vai gerar um enaltecimento muito grande à figura do Jacob do Bandolim. Ele vai ser tido como um indivíduo conservador, como um indivíduo que, às vezes, até é autoritário, mas, ao mesmo tempo, ele também vai ser tido como um indivíduo que vai preservar aquilo que ele considera essencial na música brasileira.


Então, a gente não pode tirar o Jacob do Bandolim desse papel de protagonista, mas também fazer essa ponderação, que existem dois Jacobs dentro desse mesmo Jacob do Bandolim que está colocado ali. Perfeito, Gabriel. Só uma curiosidade, teve um percursionista que tocou com o Jacob, que se chama Pedro Santos, ou Pedro Sorongo, ele é muito reconhecido na música brasileira também, que depois ele fez o disco krishnanda, que é o disco solo dele, e também tocou com o Sebastião Tapajós em um disco duplo, além de ser inventor de instrumentos e pesquisador de sonoridades.


Agora, Gabriel, talvez o Jacob fosse um dos principais nomes do choro no fim dos anos 40, anos 50, até surgir o Valdir Azevedo em 49, que, de certa forma, com o brasileirinho ali, deu um abalozinho ali no Jacob. Perfeito. Primeiro eu queria enaltecer a citação ao Sebastião Tapajós, que seria o choro paraense, um choro adaptado àquele sotaque do Pará, que é muito importante também.


E sobre o Valdir Azevedo, você vai ter uma grande disputa ali de egos entre o Valdir Azevedo e o Jacob do Bandolim. O Valdir, uma pessoa que se prestava mais a fazer músicas comerciais, que se colocava dentro desse papel de querer vender, de ser exposto e tudo mais, não à toa ele é compositor de Brasileirinho, uma grande música que faz um grande sucesso nacional, mas também ele é o compositor de Delicado, uma música que hoje é pouco lembrada, mas que foi gravada nos Estados Unidos durante a década de 1950 e fez um enorme sucesso.


Essa música fez um sucesso gigantesco, a ponto de ter sido, na última época, a música mais gravada internacionalmente no Brasil. Curiosidade aí, no filme do Scorsese, o Irlandês, um filme recente agora, de 3, 4 anos atrás, toca a música inteira. Tem um clipe dos gangsters estabelecendo e tal, etc.


E nesse clipe toca o Delicado, para marcar aquela época, toca o Delicado do início ao fim, a música do Valdir Azevedo. O próprio Valdir, em algumas entrevistas, chegou a dizer que viajando no exterior, às vezes no Irã, se eu não me engano, abriu uma caixinha de música e estava tocando a música dele, o Delicado, que era um baião, tocado com estrutura de choro, com regional de choro, mas ritmicamente era um baião, o que mostra um pouco quanto esses ritmos regionais vão acabar tendo essa interface com o choro, e o choro vai sendo, até certo ponto, uma síntese instrumental das diferentes regionalidades de música nacional, dentro de um gênero virtuosístico, com uma estrutura muito bem estabelecida.


Então ele vai acabar se tornando como se fosse um gênero síntese da instrumentalidade nacional, trazendo essa diversidade rítmica toda para um gênero específico, um estabelecimento de um gênero específico. E o Valdir e o Jacob vão, até certo ponto, brigar um com o outro. O Jacob não vai gostar do Valdir, porque o Valdir vai ser uma pessoa mais comercial, que vai vender mais e tudo mais, e o Valdir já, eu nunca vi ele falando mal do Jacob.


Então o Jacob, como turrão que era, como um indivíduo meio ranheta que era, realmente se prestou a falar muito mal do Valdir, que ele não considerava digno de compartilhar a mesma prateleira dele, basicamente, na música nacional. Mas um compositor importantíssimo, que teve um papel central na disseminação do choro internacionalmente e na nação também. E o que a gente ouve nesse bloco?


Uma música do Jacob e uma música do Valdir. Portanto, vamos ouvir primeiro a ginga do Mané, música do Jacob e do Bandolim, um choro rápido e ligeiro, que dizem ter sido composto para o grande Mané Garrincha, por ela ter uma melodia que sobe e desce como se fosse os dribles do Mané Garrincha, mas que eu já ouvi contradições a essa história, eu já ouvi falar que ele tinha sido feito em homenagem ao canhão da Paraíba, que também era chamado de sacristão, ele tinha esse apelido de sacristão, que o nome original da música seria Sacristão do Diabo, e quando ele viu que se assemelhava com o Mané Garrincha, com os dribles do Mané, ele mudou a música para comercializar ela também. Mas vamos ouvir, então, Jacob do Bandolim, cantar a ginga do Mané, e vamos ouvir uma música do Valdir Azevedo, chamada Uma Saudade. Você está ouvindo o tempo e o som na sua rádio eixo.


Uma Saudade Você acabou de ouvir aqui no Tempo e o Som Uma Saudade, do Valdir Azevedo, e, com Jacob do Bandolim, a ginga do Mané. Uma outra questão que a gente pode abordar aqui sobre o choro é justamente a interface que ele faz com a música erudita. Existe uma ideia que o choro é a música do entre, da mediação, entre o erudito, o popular, entre o Brasil e a Europa, o choro era uma maneira de se tocar a polca.


Por isso, entre o Brasil e a Europa, sendo que a polca é um gênero europeu. E, em alguns momentos da história do choro, a gente teve esse encontro entre a música de orquestra erudita e o choro. Por exemplo, nos anos 30, Pixinguinha tentou levar o choro para uma forma orquestral, gravando o Lamentos, gravando o Carinhoso.


O próprio Jacob do Bandolim também chegou a gravar com orquestra. E, inclusive, ele era o intérprete de referência do maestro Radamés Gnattali. Ao mesmo tempo, para a gente entender como essa orquestração estava chegando no choro, é bom a gente pensar nas rádios, que eram um dos principais laboratórios do choro nos anos 20, 30 e 40.


As rádios estavam saindo de um modelo de estúdios, de aquários, que eram espaços menores, onde cabiam os regionais. E as rádios maiores, mais comerciais, estavam abrindo, inclusive, auditórios para receber o público, e com espaços maiores também para mais músicos. E, a partir daí, foi se agregando um som orquestral.


Teve a orquestra do Radamés Gnattali, que fez muito bem essa ponte entre a música de concerto e a música popular. O Gnattali escrevia peças orquestrais para arranjos com bandolim, instrumentos de corda, ou seja, para os regionais. E uma das canções emblemáticas do Gnattali é justamente a Suite Retratos, na qual são homenageados os pioneiros do choro.


Então, ela é dividida em quatro partes. Uma parte homenageia o Ernesto de Nazaré, outra parte o Anacleto de Medeiros, a terceira, a Chiquinha de Gonzaga, e a outra, o Pixinguinha. O que a gente vê, basicamente, é um processo em que essa música erudita, essa música de concerto europeia, é sempre difícil precisar exatamente qual é a fronteira entre o erudito e o popular, ela começa a ganhar muita força dentro do universo da música brasileira.


Não só por uma escolha estética das rádios, mas também por um projeto político nacional. A gente viu o Getúlio Vargas estabelecendo um vínculo muito grande com o Villa-Lobos, a partir da década de 1930 e 40, final de 30 e 40, fazendo os grandes concertos de canto orfeônico no Estádio São João do Mar e tudo mais. Então, começou-se a pensar na música brasileira, se situando instrumentalmente ao redor da música erudita do mundo.


E grandes maestros surgiram como protagonistas desse processo. Maestro Léo Peracchi, maestro Lino Panicali, maestro Radamés Gnattali, maestro Guerra Peixe, Villa-Lobos, grandes nomes da música orquestral brasileira que tiveram uma disseminação muito grande. O próprio Villa-Lobos era grande admirador do choro, era violonista, grande admirador do Pixinguinha e tem vários choros famosos, numerados geralmente, choro número 1, 2, 3 e assim por diante, tocados ao violão, em que ele fez em homenagem a esse gênero na música brasileira.


O choro número 1 é um choro clássico para o universo do violão brasileiro. Também é muito importante a gente ressaltar a importância do maestro Radamés Gnattali, que era um maestro oriundo do Rio Grande do Sul, que vai tomar um papel de protagonista muito grande dentro desse universo do choro e das orquestras dentro do universo das rádios. Então na Rádio Nacional ele vai ter uma importância muito central.


E como você disse, acabou estabelecendo contatos, porque ele fazia uma música de concerto, chamada erudita popularmente, aquela música erudita com orquestra e tudo mais, e colocava muitas vezes um solista, que era um solista oriundo do choro. O próprio Garoto, que a gente citou, paulista, tinha uma vinculação muito forte com Radamés Gnattali. Isso fez com que o choro se modificasse e fez com que ele ganhasse características que fossem mais próximas à música chamada erudita.


A gente começou a ver um choro de harmonias mais simples e de música muito intuitiva, que existia nos regionais na década de 1920 e 1930, se transformar num choro com acordes mais complexos, com explorações harmônicas, tentando brincar, muitas vezes, com as harmonias que estavam colocadas, menos intuitivo e aumentando a sua complexidade. Então, o choro vai passar por um processo de até transformação e, se a gente pode dizer, até de eruditização. Ele se torna menos intuitivo e se torna mais estudado, se torna um pouco mais refletido, talvez, no sentido formal da palavra.


Então, o Radamés vai ser um dos protagonistas desse processo e vai ser uma forma do choro também, ao mesmo tempo, se enriquecer. Geralmente, as pessoas que enaltecem esse processo falam que o choro se enriqueceu. E os detratores falam exatamente o contrário.


O choro se elitizou, ficou menos popular, ficou menos compreensível, ficou cada vez mais autocentrado. Mas, bom, o Radamés, com essa centralidade, ele vai ser base de referência para o que virá posteriormente. Então, quando a gente chegar na década de 1970, o Radamés vai ser uma figura central na modificação do choro, principalmente no choro do Rio de Janeiro.


O choro do Rio de Janeiro vai passar por um processo de eruditização muito grande, coisa que o choro de outros lugares do Brasil não passou com tanta força. Então, ele vai ser um choro que vai se tornar, até certo ponto, um pouco menos popular dentro daquele universo carioca. A gente vê grupos, como o Camerata Carioca, por exemplo, que têm arranjos que são quase orquestrais.


O cavaquinho faz uma frase, o violão faz outra, e o violão vai... E que você não tem os instrumentos tocando, às vezes, simultaneamente. Arranjos que são complexos, em que você tem que ler a partitura mesmo, porque ele não é tocado facilmente de ouvido.


Então, são músicos que vão criar um arranjo centralizado por um arranjador mais complexo e tudo mais, que vai ser muito disseminado durante essa época. Agora, uma questão que vai ser interessante vai ser justamente a participação do Pixinguinha nesse processo. Porque o Pixinguinha, que era arranjador principal, figura central daquele choro dos regionais, ele vai ser sempre muito referenciado por esse pessoal que vai chegar.


Eu digo o pessoal do erudito. Todo mundo vai sempre falar do Pixinguinha como o maior, vai remeter ao Pixinguinha como figura central da música brasileira. Porém, até certo ponto, ele vai perder seu espaço.


Aquelas mesmas pessoas que enaltecem o Pixinguinha vão ser as mesmas que vão culpar o espaço que ele deixou. Então, tem muita gente que fala que o Pixinguinha foi museificado em vida. Então, ele ainda jovem, ele já não era uma figura velha nem nada do tipo, ainda produtivo, ainda capaz de fazer muita coisa, ele foi enaltecido, colocado numa prateleira como grande nome da música brasileira e não mais chamado para participar dessa música brasileira.


É como se a música dele tivesse se tornado uma referência de um passado, algo que ele não mais poderia participar, porque a música ia tomar novos rumos dali para frente. Então, essa ideia de um processo de enaltecimento que gera até um engessamento daquilo, uma mumificação, até certo ponto, do Pixinguinha, ela vai acontecer com vários compositores da música brasileira, em diversas épocas. A gente viu o mesmo fenômeno acontecer, por exemplo, com o próprio Luiz Gonzaga, que era uma figura, aliás, que teve um papel muito importante no universo do choro também.


Nessa época das rádios, vai ser uma figura central, tocando baião, tocando os diferentes ritmos do universo do forró e que, ainda produtivo, vai ser muito referenciado, mas vai deixar de ser ouvido. Então, vai passar por esse fenômeno. Boa parte da música brasileira, você vai ter diversos compositores que vão passar por isso.


Dorival Caymmi vai passar pelo mesmo processo também. Uma figura muito enaltecida, mas que não vai ser mais ouvida e nem chamada para participar da música brasileira. Então, o Pixinguinha, que, na minha modesta opinião, é o maior compositor da história da música brasileira, ele vai ter uma obra gigantesca, uma capacidade produtiva muito grande, ele vai ser reconhecido por isso sempre, ele é sempre citado como uma das principais bases da música brasileira, porém, ele vai deixar de ser chamado naquele momento.


Já na década de 1950 e 1960, ele vai ser essa referência, mas uma referência a quem não se recorre. Não se recorre mais ao Pixinguinha. Uma amostra disso é que, quando o Radamés Gnattali decide fazer sua bela suíte Retratos, que era uma peça orquestral para ser tocada junto com o Regional de Choro, ele vai chamar o Jacob do Bandolim, que para ele era o principal soprista do choro e, de fato, era um soprista importantíssimo, com muito cuidado, com muito esmero para tocar, e vai compor cada movimento da suíte Retratos em homenagem àqueles que ele via como grandes compositores da música brasileira. O primeiro dos movimentos era Pixinguinha, era o número um, primeiro Pixinguinha, depois Anacleto de Medeiros, depois Ernesto Nazaré e depois Chiquinha Gonzaga, compondo os quatro movimentos da famosa suíte Retratos, gravados em 1964 por Jacob do Bandolim e orquestra e compostos no final da década de 1950.


Então, para poder ilustrar esse momento do encontro do choro com a erudita, vamos ouvir na sequência a suíte Retratos, interpretada por Jacob do Bandolim em seu primeiro movimento, o movimento Pixinguinha. O movimento Pixinguinha O movimento Anacleto O movimento Retratos O movimento Pixinguinha O movimento Anacleto O movimento Retratos O movimento Anacleto O movimento Retratos O movimento Retratos O movimento Pixinguinha Você está ouvindo o tempo e o som na sua rádio-emissão. O movimento Anacleto O movimento Retratos Você acabou de ouvir aqui no Tempo no Som, na Rádio Eixo, duas interpretações diferentes da Suíte Retratos de Radamés Gnattali.


A primeira tocada com orquestra Jacob do Bandolim em Regional Época de Ouro, de 1964, e a outra já da década de 70, gravada pelo Camerata Carioca. O contraste estabelecido entre as duas diferentes gravações da Suíte Retratos permite a gente perceber a maneira como o choro vai se transformando no decorrer do tempo. Em um, a gente vê um choro um pouco mais tradicional, no outro, um choro em que as funções do regional são transformadas para que eles exerçam elementos diferentes de sonoridade que não seriam os elementos originais que eles exerceriam dentro de um regional comum.


Toda essa transformação também é retrato de uma mudança de época que vai trazer um divisor de águas muito relevante para a transformação do choro, que é a morte, no ano de 1969, de Jacob do Bandolim. Aquele que, até um certo momento, levantava a bandeira do tradicionalismo no choro e, até certo ponto, combatia as influências estrangeiras, representadas muitas vezes para ele pela participação da bossa nova ou por uma certa jazzificação da música brasileira, que tiraria dela os elementos originais dessa música. De fato, o quanto a presença do jazz foi ou não benéfica para o choro, a gente pode discutir.


Porém, o que a gente pode dizer ao certo é que, após a morte do Jacob do Bandolim, na década de 1970, o choro vai perder fortemente o seu protagonismo. Ele vai deixar de ter uma posição central no universo da música brasileira e vai perder esse lugar, muitas vezes, para uma música, para a canção mesmo. Não só o choro vai deixar de ocupar o seu lugar central, como a música instrumental em si também vai deixar de ter tanta importância na música brasileira.


Isso se dá por alguns fenômenos e um deles, que eu gosto sempre de ressaltar, é o apogeu da canção. A gente vai ter, na década de 1960, grandes cancionistas que vão aparecer e esses cancionistas vão trazer contribuições gigantescas para a música brasileira, figuras associadas àquela que vinha sendo chamada de MPB, já após a ditadura militar, o início da ditadura militar em 1964, quando você começa a ter os festivais ligados ao movimento artístico universitário e ligados a uma nova música e buscava até um certo hibridismo cultural em que você trazia coisas de fora, ressignificava, uma antropofagia um pouco mais contemporânea que vinha naquela época de 1960. Essa música vai tomar um destaque muito importante na música brasileira e a canção vai tomar um lugar muito forte.


Muito por conta também da grandeza das letras e dos grandes letristas que vão vir naquela época e vão tomar a frente do processo. Bacana, Gabriel. Só para deixar bem claro a definição de canção, você acabou de falar que é justamente a junção entre a letra e a música.


Agora, inclusive, até alguns choros foram produzidos inicialmente apenas instrumental como carinhoso e décadas depois ganharam uma letra e se tornaram canções. Perfeitamente. Essa geração mesmo, essa geração que vai vir com os festivais, a chamada MPB, que era um termo que não existia anteriormente, vale lembrar, essa música popular brasileira que virá a partir da década de 1960, meados da década de 1960, vai ser uma música popular brasileira que vai estar atenta ao choro também.


A própria figura do Garoto, que foi uma figura que a gente falou com sua importância, vai trazer para a música brasileira o Gente Humilde, que é uma música que o Garoto compôs lá na década de 1950, o Garoto morre em 1955, e ela vai ganhar letra já na década de 1970 através da participação do Vinícius de Moraes e do Chico Buarque. Então, choros, por exemplo, Lamentos, do Pixinguinha, também vai ser um choro que vai ganhar uma letra do Vinícius de Moraes, carinhoso, talvez não fosse a música que é, não fosse a letra do Braguinha, do saudoso João de Barra. Então, boa parte das canções que são feitas a partir da música-choro vai ser algo que vai popularizar a música, vai popularizar esse choro, vai fazer com que o choro se torne mais acessível às pessoas.


E, de fato, existe uma discussão dentro do universo do próprio choro, do quanto esse choro cantado seria, de fato, choro ou seria uma usurpação da característica original do choro, como música, instrumental, etc. Você teve alguns cantores que se destacaram cantando choro, e aí o maior exemplo é a Ademilde Fonseca, uma grande cantora que cantava muito bem choro, a Elisete Cardoso fez gravações de alguns choros, porém, em geral, o choro, por ter um processo melódico de sobe e desce muito intenso e de ter notas muito picotadas, principalmente quando o choro vai se acelerando em termos de velocidade, ele acaba perdendo a sua característica mais cantável, ele vai ficando um pouco menos fácil de se interpretar ou em voz e fica se tornando quase que uma briga com as notas, por serem muitas notas sendo tocadas ao mesmo tempo. Agora, essa interface e essa referência dos cancionistas, desses grandes compositores, aí eu falo de Chico Buarque, de Gilberto Gil, Caetano Veloso, João Bosco, toda essa geração que vem a partir da década de 1960, essa referência do choro vai existir na musicalidade deles.


Eles vão gostar de choro, vão ouvir choro, se a gente for ouvir uma gravação, por exemplo, de Sampa, é uma gravação feita pelo Caetano Veloso com um regional de choro, porém, de fato, eles vão tomar esse protagonismo e isso, dentro do espaço musical, vai gerar a decadência desse choro também, o choro vai deixar de ter essa visibilidade dentro da música brasileira e vai passar a quase que assessorar, muitas vezes, os cantores. Mais do que isso, quando a gente chega na década de 1970, a gente começa a ter a influência da música mais eletrônica na música brasileira, então a gente começa a ter a influência da guitarra elétrica, em cima dos elétricos primeiro, e quando chega no final lá da década você começa a ter a utilização de Minimoog, outros instrumentos eletrônicos que vão acabar influenciando a música brasileira e, até certo ponto, o timbre dos instrumentos acústicos vai perder protagonismo na construção da música nacional e os instrumentos elétricos e eletrônicos vão se tornar cada vez mais os protagonistas disso.


Nesse contexto, o choro vive uma decadência, uma decadência em que a sonoridade que ele traz é vista como antiquada e não mais aquela sonoridade dos tempos modernos, que eram os tempos mais elétricos, eletrônicos e tudo mais. Então por conta disso a gente consegue ver o quanto a década de 70 representa essa decadência do choro. Legal, Gabriel, você levantar isso, agora, mesmo decadente, isso que você tá falando, o choro tava ali em um segundo plano, sobre isso que você tava comentando, das guitarras elétricas já irem sendo misturadas também com o MPB e tudo, por exemplo, tem o Novos Baianos, que os caras tocavam choros e, ao mesmo tempo, tinham rocks, e até hoje em dia, por exemplo, o Pepeu Gomes, que era um dos guitarristas e cavaquinistas lá da banda, continua tocando nos clubes de choro aqui de Brasília, já fez discos de choro recentemente, continua também sendo um guitarrista aí de alto calibre.


Perfeito, e a gente tem até diversos músicos que se amalgamaram com essa sonoridade elétrica e sonoridade eletrônica e que vão, também, não vão tirar o pé do choro. É o caso do Armandinho Macedo, por exemplo, que vai ser uma figura muito importante na década de 70. Então a gente vai ter nomes que vão exaltar o choro dentro desse processo.


Uma figura central desse universo, por exemplo, é o Paulinho da Viola, que vai ser alguém que nunca vai abandonar o choro, até porque o pai dele, César Farias, era violonista do Época de Ouro, era violonista do Jacob do Bandolim. Então ele vai lançar, na década de 70, um disco chamado Memórias Chorando, que vai vir junto de um disco dele chamado Memórias Cantando, então ele vai fazer um disco de canções e um disco de choros, que era pra ser um álbum duplo, mas acaba pela gravadora sendo dividido em dois álbuns, porque eles sabiam que uma ia ter muito menos vendagem do que a outra, então separam dois álbuns distintos. Mas você vai ter nomes da música instrumental que vão surgir nessa época e que vão ser muito importantes, ou que vão tomar destaque nessa época e que vão ser muito importantes.


Mesmo tendo menos exposição, virão figuras que vão trazer e vão levantar a bandeira do choro num momento em que é muito difícil de levantar. Então a gente pode dizer, por exemplo, o Paulinho da Viola é uma figura com uma exposição muito grande, uma figura muito referenciada na música brasileira, mas que não tinha uma exposição tão grande quanto a de um Chico Buarque, quanto a de um Humberto Gil, de um Caetano Veloso, era uma figura que, apesar de usar muito choro, não colocava o choro numa centralidade tão grande, por ele não ser tão central na música brasileira quanto esses outros compositores que viam na época. Agora, no final da década de 70, salvo engano, estava surgindo ali também um dos grandes violonistas do choro da próxima década, que era o Rafael Rabelo. Perfeito!


É justamente nesse ponto que a gente tem que chegar. O surgimento do Rafael Rabelo vai ser uma peça fundamental, porque vai ser um indivíduo jovem que vai ouvir muito aquelas músicas antigas, aqueles choros antigos e até aquelas canções antigas que o Dino costumava acompanhar no seu violão 7 cordas e vai se tornar um grande violonista e referência pra música nessa década. Enquanto você vai ter alguns nomes que vão ser muito importantes e que às vezes são pouco lembrados no universo da música brasileira, que é o caso do Zé da Velha, por exemplo, é o caso do Rafael Rabelo, é o caso do pernambucano Rossini Ferreira, que chegou a ser contemporâneo do Jacob, mas que seguiu a sua carreira, as suas principais gravações, a partir da década de 70.


Então, vários nomes vão existir nessa época, vão ser muito importantes, porém não vão ter exposição tão grande. O Rafael Rabelo, ele vai ser um poço de talento tão grande, vai ser um indivíduo que o talento dele vai transbordar de maneira tão intensa ao próprio gênero que ele toca, que ele vai ser protagonista, mesmo o choro não sendo tão exposto assim. Então vai gravar disco com a Eliseth Cardoso, por exemplo, e nunca vai abandonar até certo ponto aquela estética do choro que ele tanto gostava, que ele tanto referenciava.


Então pra representar essa década, a gente escolheu aqui pra você, ouvinte do Tempo e do Som, na Rádio Eixo, duas músicas de compositores que exerceram sua carreira nessa década de 1970. O primeiro deles, já citado aqui pelo Thiago, Lamentos do Morro, tocado pelo Rafael Rabelo, uma composição do garoto, grande violonista, uma composição um pouco mais moderna, o garoto era um cara que se arvorava a ir pra um lado um pouco mais moderno. E a segunda, uma composição do Rossini Ferreira, essa aí pouquíssima ouvida, pouquíssima lembrada, não é fácil de encontrar essa em mídias sociais, você não encontra por aí, só aqui na nossa Rádio Eixo, chamada Pé de Boi, de Rossini Ferreira, compositor pernambucano e bandolinista.


Você está ouvindo o Tempo e o Som na sua Radio eixo. Você acaba de ouvir aqui em o Tempo e o Som na Rádio eixo, Pé de Boi, música de Rossini Ferreira, executado pelo mesmo, e seu regional, e Lamentos do Morro, antes, né, música de garoto, tocada por Rafael Rabelo, grande violonista, protagonista da cena musical do choro brasileiro, na década de 1970. E bom, como a gente vinha falando, essa é uma década de decadência, né, é uma década em que a exposição do choro é muito menor.


O mesmo acontece, contraditoriamente, em relação ao samba, porque com a força da MPB, com o fortalecimento até dessa música estrangeira, dentro do Brasil, a exposição midiática do samba, ela acaba diminuindo, o que é contraditório, porque, de fato, você tem grandes discos de samba que foram gravados na década de 1970. Então, ele é menos exposto, apesar de você ter mais material, mais gravação e coisas do tipo. Essa decadência desses gêneros, que são muito, tipicamente, tradicionais e nacionais, ela acaba remetendo a um processo de tentativa de fortalecimento, que vai ser feito por parte de músicos que são muito arraigados com aqueles ritmos, né, que gostam muito daqueles ritmos, que querem ter aqueles ritmos muito presentes na música brasileira.


Então, não à toa, por exemplo, no final da década de 1970, a gente tem lá no Rio de Janeiro, a fundação do Clube do Samba, com o protagonismo do João Nogueira, né, que até rendeu um LP do João Nogueira, chamado Clube do Samba. Então, a ideia de você juntar os sambistas para fazer um lugar de resistência, onde aquele samba fosse tocado, para que as pessoas que gostavam de samba pudessem procurar aquele lugar. Agora, paralelamente a isso, também ocorre a fundação de diversos clubes do choro pelo Brasil.


Então, de várias cidades vão ser fundados durante a década de 1970. Agora, dentro desse experimento todo que está ocorrendo, o interessante é que a década de 1970 vai trazer um clube do choro que vai ser um pouco diferente dos outros. Brasília, por ter sido uma capital recém-fundada e por ser um ponto de encontro de pessoas de diferentes lugares do Brasil, ela vai, até certo ponto, capitanear um clube do choro que vai poder ser institucionalizado.


Para quem não conhece Brasília, pessoal que não é daqui, dentro da formação da cidade, vários clubes vão sendo fundados. Então, o Clube da Associação de Servidores do Banco do Brasil, do Senado, da Câmara, e coisa desse tipo. E a cidade é cheia de clubes que são meio que nichos institucionais de encontros entre as pessoas que trabalham dentro do mesmo ambiente.


E, bom, não à toa, esse clube do choro vai conseguir ser institucionalizado nessa cidade. Vai conseguir uma Benesse do Poder Público, que é uma sede fixa com um lugar bonitinho, todo construído e tudo mais. Então, ele vai ter uma facilitação por estar muito próximo da estrutura de poder que está estabelecida na cidade.


Então, em 1977, em Brasília, vai ser fundado o Clube do Choro de Brasília. E a outra coisa interessante que vai resultar dessa fundação é porque, por ser uma capital nova, ela gerou uma migração de pessoas de diferentes áreas do Brasil para essa cidade. Então, você vai ter gente que vem do Nordeste ao Sul do Brasil, do Leste ao Oeste do Brasil.


Todas as regiões nacionais vão ter pessoas migrando para Brasília. E, como choro era uma música nacional, é como a gente falou anteriormente, uma música que ganhou um sotaque diferente em cada região, você vai ter aqui uma confluência de pessoas que tocam o choro, cada qual com o seu sotaque diferente, porque cada qual é oriundo de uma região diferente em que esse choro se amalgamou com determinado ritmo musical. Então, o produto disso vai ser um choro diferente daquele choro que existia em outros lugares.


Então, você vai ter um choro que vai ter uma diversidade rítmica maior, vai ter um choro que vai se possibilitar fazer interfaces com outros ritmos que não vão estar presentes em outros choros que você vai ver pelo Brasil. Isso vai gerar uma renovação muito interessante. Então, imediatamente, na década de 1970, Brasília não toma esse protagonismo, mas vai ser um processo em que você vai começar a ver uma presença cada vez maior do choro em Brasília.


Ainda antes dessa fundação desse clube do choro, em 1968, você tem um áudio do Jacob do Bandolim, ainda aqui em Brasília, tocando com a dona Neusa França na casa da dona Neusa França, onde eram realizados os encontros. Você teve músicos protagonistas de encontros musicais muito interessantes. Então, por exemplo, para Brasília veio o Avena de Castro, um citarista, sobre o qual inclusive foi minha tese de mestrado, um citarista que é importante, que vai acompanhar diversos cantores, vai ser solista da Rádio Marim Que Veiga, vai ser solista da Rádio Nacional em Brasília, vai ser o primeiro presidente do clube do choro em Brasília.


O Pernambuco do Pandeiro, que tem um disco de choro tocado com o nome dele na frente, Pernambuco do Pandeiro, em seu regional, cujo solista é Hermeto Pascoal. É interessantíssimo também, é uma figura que vai ser muito importante na cena musical de Brasília. O Dr. Assis, o cavaquinista de seis dedos, né?


Também conhecido como Six, que tocava com seus seis dedos, os seis dedos móveis e tal, que vai incentivar bastante a música. Não à toa, o Carlos Poiares também vai passar por Brasília durante muito tempo e vai ter um disco, uma chorada na casa do Six. Rossini Ferreira vai ter um disco, um alô para o Six também.


São compositores que não são de Brasília, nem o Rossini Ferreira, que é pernambucano, nem o Carlos Poiares, que é do Espírito Santo, mas que tem esse vínculo com Brasília e que acabaram passando por aqui, por ter essa institucionalização muito bem estabelecida na cidade, relacionada a esse clube do choro. Então, esse processo vai acabar sendo um processo interessante por fortalecimento desse choro na cidade e um certo protagonismo na retomada do choro que virá na sequência. Só complementando, Gabriel, outros nomes que passaram pela cidade também são nomes de peso.


O próprio Valdir de Azevedo morou por aqui por um tempo e fortaleceu a roda de choro, frequentou o clube do choro também. Bide da Flauta também é outro nome, Hamilton da Costa. Enfim, quando você comentou que a sede do clube do choro era bonitinha, tudo, né?


Só lembrando que em 77, a sede do clube do choro, quando foi fundada ali, ela ainda era o vestiário do centro de convenções, daquele espaço subterrâneo. E depois, se não me engano, em 93, o Reco assumindo, noventa e poucos, foi dando uma melhorada, mas até ali a estrutura ainda era bem precária, havia muita reclamação do pessoal. Depois dos anos 90, aí o pessoal realmente começou a melhorar a infraestrutura, a questão de acústica ali de baixo e atualmente você sabe que eles inclusive mudaram o local dos shows, passaram para o solo e não mais no subsolo.


E também, comenta um pouquinho se você puder, porque assim, todo esse movimento do clube do choro, né tinha uma roda de choro, que era na casa da flautista, né, da Odete Ernst Dias, dessa dinâmica também da roda, que a roda ela é também uma roda no choro, tem no samba, tem na capoeira, mas ela é um elemento importantíssimo para o choro na rua e na questão da performance também, né? Cara, perfeito, eu acho que você tocou em dois pontos muito importantes. Realmente houve uma melhoria e a melhoria gradual, eu cheguei a dar aula no clube do choro antigo e dou aula no clube do choro atual, então realmente as salas melhoraram muito, o espaço e tudo mais, e aquele espaço que era destinado a seu vestiário, ele é um espaço clássico, lá eu vi o Paulo Moura, vi o Sivuca tocando, vi grandes músicos se apresentando ali naquele ambiente.


E a outra questão que você falou, que eu acho que é importante falar e que a gente ainda não tratou aqui, é da importância do local e do contexto social, da dinâmica social que se dá em relação a um produto musical qualquer, assim, em um show de heavy metal você espera que as pessoas se comportem de uma maneira específica, numa orquestra sinfônica, no teatro você espera que as pessoas se comportem de uma maneira específica.


O choro, ele tem um contexto de execução no qual a roda é muito presente e eu gostei do fato de você ter citado justamente a roda de samba, roda de capoeira e tudo mais, até mesmo se a gente for pensar nos rituais de religiões afro-brasileiras também, todos feitos em roda, né, e tudo mais, essa ideia de que você entra dentro de uma roda, você se expõe numa roda, você se põe naquele lugar, naquele contexto, você está exposto a levar uma rasteira, você está exposto a quebrar a cara, você está exposto a, de repente, ser glorificado e fazer um negócio muito bonito. Esse contexto até de desafio técnico que a roda de choro promove, ela faz com que uma roda seja muito diferente de uma gravação.


Numa gravação, às vezes, você escolhe exatamente qual interpretação você vai fazer, você escolhe a nota, você erra o que você quer fazer de novo, esse tipo de contexto que se dá numa gravação, que é o que a gente está apreciando aqui, ele não consegue retratar, de fato, o que é uma roda de choro. Assim, a roda de choro é um ambiente efervescente, de interação contínua entre os músicos, em que um olha para o outro, o outro olha para o um, de repente, decide fazer um arranjo diferente na hora, de repente, decide ir para um caminho diferente, então é um universo muito dinâmico. Eu conheço gente que não gosta de ouvir discos de choro, mas que gosta de assistir o choro dentro de uma roda, porque acha que a roda é onde, de fato, o choro existe, aquele contexto, de fato, aquele contexto de existência dele, e é algo muito importante.


Então, na fundação do Clube do Choro de Brasília, tinha dois eventos que aconteciam semanalmente, uma feijoada, que era comandada pelo Valci, e um sarapatel, que era comandado pelo Pernambuco do Pandeiro, e aí as pessoas se encontravam lá, comiam o sarapatel do Pernambuco e tocavam, comiam feijoada, então essas rodas eram muito importantes, e dentro dessas rodas começaram a acontecer interações muito grandes.


Então, por exemplo, você citou, a gente falou do Avena de Cassio e do Hamilton Costa, foi uma dupla que se apresentou pela cidade o tempo inteiro, passou pelas escolas públicas, tocando e tudo mais. A figura da Odete é neste dia, uma figura central também, muito importante, porque era na casa dela que se abrigavam algumas das rodas de choro, mas não só delas também, foi na casa do Celso Cruz também, clarinetista, na casa da dona Neuza da França, também aconteciam alguns encontros. Então, as pessoas abriam as suas casas e, semanalmente, cada vez na casa de um, faziam esses encontros, e esses encontros foram gerando o estabelecimento de um choro novo, como a capital era nova, novo assim como a capital, com um contexto diferente, que era esse contexto do choro de Brasília.


Então, de fato, interessante, porque o choro vivia uma decadência, ele não estava exposto, e enquanto essa decadência existia, gestava-se um novo choro que viria a acontecer logo na frente, e é um choro de encontros. Eu acho muito sintomático que, na década de 90, quando o Hamilton de Holanda e o Fernando César, do Dois de Ouro, resolvem gravar aqui em Brasília o primeiro disco deles, na verdade é o segundo disco deles, eles põem a nova cara do velho choro como título, e a ideia, você ouve o disco e você vê que tem uns arranjos meio pop no meio, assim, não é um negócio tão chorístico mesmo. Dá a sensação de que eles estão procurando renovar a identidade, mas ainda não encontraram o caminho.


E, de fato, se a gente for pensar no Hamilton de Holanda, por exemplo, é uma das figuras de renovação desse choro que é muito importante. O mesmo a gente poderia falar de uma figura como a Yamandu Costa, que não é de Brasília, que é do Rio Grande do Sul, mas que também tem esse papel central da renovação desse choro. Figuras virtuosas que tocam da sua maneira e que releiam as músicas sempre utilizando de toda a técnica possível.


Essa característica da técnica, do virtuosismo, ela é algo que está muito presente no contexto brasiliense, e que a gente pode dizer que talvez seja algo que marque, assim, com mais firmeza esse choro de Brasília. Para fechar essa questão, dois pontos aí. Um, o Gabriel comentou aqui da importância de Brasília receber imigrantes de várias partes do país, então da mistura, do encontro, do hibridismo, mas também não dá para ignorar que Brasília, na verdade, recebeu as sedes da capital do Rio de Janeiro.


Então vieram muitos cariocas para cá. Então a verve do choro aqui, ela sempre teve uma importância, porque o choro era importante no Rio também. Então os cariocas acabaram trazendo um pouco dessa bagagem.


E para quem não é de Brasília, só para ter uma dimensão do que o Clube do Choro representa para a cidade hoje, no ano passado, o ex-Beatle Paul McCartney veio fazer um show aqui no estádio, uma nega rincha para, enfim, milhares de pessoas, e acho que foi no mesmo dia, ou num dia anterior, na verdade, ele fez um pequeno show no Clube do Choro, um show reservado para cerca de 200 pessoas. Então o Clube do Choro, durante todos esses anos, ele foi se fortalecendo e hoje, sem dúvida nenhuma, constitui um elemento forte, acho que, da identidade da cidade. Com certeza, a gente vê isso na prática, assim, o fato do Paul McCartney ter que falar, eu acho que é, você matou aí a charada, é isso mesmo.


Ele procurava, o que eu ouvi falar do pessoal que participou da organização, que ele procurava um lugar que fosse tradicional, característico e representasse a cidade. Então as pessoas diziam, ah, vai no Clube do Choro, claro. Então foi um lugar meio óbvio.


E uma outra questão que você levantou, desses diferentes locais e desse carioquismo também do choro que vai acontecer. O que é verdade, né, de fato o Avena de Castro é carioca, né, e tudo mais, mas você também tem pessoas, muitos nordestinos, o Hamilton Costa, por exemplo, eu não sei se ele é nordestino exatamente, mas depois ele foi morar, se eu não me engano, em Alagoas, quando ele saiu de Brasília. O Alan Carr, Sete Cordas, figura importantíssima do Choro de Brasília, talvez uma das figuras mais centrais do Choro de Brasília, era, né, natural do Ceará.


Então você tem pessoas de diferentes locais que vão acabar chegando e claro que o Rio de Janeiro, por ser a capital, vai ser o mais importante. Até me lembrei que você falou do Valdir Azevedo, né, e o Valdir Azevedo passou por aqui. O Valdir tem a velha história de que ele perdeu o dedo em Brasília.


Ele mexendo no cortador de grama, ele perdeu o mindinho, no cortador de grama, e aí ficou sem o mindinho, chegou no hospital, pô, perdeu e tal, você vai ouvir o que ele faz. O médico falou, uai, mas cadê o mindinho? Aí voltaram em casa, pegaram o mindinho, levaram lá e ele conseguiu reimplantar o mindinho do Valdir Azevedo.


E ele voltou a tocar, inclusive fez uma música em homenagem a isso, chamada Minhas Mãos no Cavaquinho, em que ele toca uma ave maria no final, em homenagem ao seu dedo recomposto. Excelente história. Mas bom, eu queria fazer aqui, e aí eu fiquei pensando, o que que eu ponho, o que que a gente põe pra gente fazer em homenagem ao Choro de Brasília, o que que a gente vai ouvir?


Mas bom, eu peguei o conjunto mais tradicional do Choro de Brasília, que talvez seja aquele que melhor represente o Choro de Brasília, tocando Choro Livre, com o Fernando César no violão de sete cordas, com o Américo no violão de seis cordas, com o Alencar tocando também o violão de sete cordas. Na verdade, o Fernando César nessa gravação toca seis, mas com o Reco do bandolim, do bandolim, o Choro Livre tocando O Que Querias, que é uma música do Avena de Castro, que foi o primeiro presidente do clube do Choro de Brasília. Então essa foi a escolha primeira.


E a segunda, eu escolhi um compositor que é pouco lembrado, compositor no destino, que veio pra Brasília, se estabeleceu aqui, Cicinato do Bandolim, uma música linda, de um disco chamado Chorando Calado, que foi gravado no Memorial JK, em Brasília, ao vivo, com o Alencar, também no violão de sete cordas. É o Cicinato do Bandolim tocando uma música de autoria dele, chamada Marangá.

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