
Hoje, no Cumbuca, duas mulheres incríveis vêm conversar com a gente, Eliana e Naira Carneiro, mãe e filha. Atrizes, bailarinas, cantoras. Eliana, a mãe, fundadora da Cia Os Buriti – teatro de dança.
Eliana é uma diva dos palcos de Brasília desde os anos 80, quando chegou por aqui, vinda de uma trajetória de premiados solos de dança e mudou nosso jeito de olhar para essa arte, abriu nossa cabeça.
Naira, sua filha, desde que nasceu a acompanha e rapidinho achou seu lugar também no palco. As duas, com os talentosos músicos Daniel Pitanga, Jorge Brasil, André Togni, Carlos Frazão, Marília Carvalho e Diogo Vanelli, formam hoje uma trupe cênica e musical sensacional, Os Buriti. Com mãe e filha em cena, a trupe busca criar e encenar espetáculos de teatro, dança e música voltados para todas as idades.
Os Buriti, em seus espetáculos, fundem diferentes linguagens artísticas e têm como tônica de trabalho o gesto e o movimento desenvolvidos a partir de histórias autorais baseadas na tradição popular de diferentes culturas e sempre acompanhados de trilhas sonoras originais executadas ao vivo.
São 14 espetáculos autorais apresentados dentro e fora do Brasil e algumas dessas trilhas viraram discos. São elas: Cantos de Encontro, Kalo – Filhos do Vento, e ainda Os Buriti Contam Histórias. Uma experiência diferente, porque, além da qualidade musical, há toda uma atmosfera teatral.
Paola Antony – A proposta hoje é falar sobre Os Buriti, conhecer histórias e músicas que envolvem essa cia incrível. Antes, eu gostaria de saber da Eliana como foi a entrada no universo das artes. Nós somos da mesma geração e preciso confessar como foi incrível conhecer o trabalho da sua mãe nos anos 80. Eliana, lindíssima, nos apresentava espetáculos de dança contemporânea que eu nunca tinha visto. Eu gostaria que Eliana nos contasse desse início, desse momento dos solos, da chegada a Brasília.
Eliana Carneiro – Foi em criança, em São Paulo, onde morava, apesar de ter nascido no Rio de Janeiro e participado de uma escola experimental muito integradora das artes quando criança. Isso foi fantástico, porque até hoje fico transitando nessas áreas do teatro, da dança, do desenho, nessa integração, e sempre uma coisa entrando na outra. Eu acho que corpo, movimento, sempre foi uma coisa que me moveu mais, porque eu era tímida, mais introspectiva e sentia que conseguia me comunicar pelo movimento. Vindo para Brasília, na efervescência dos anos 70 e 80, foi muito incrível. Os espaços da 508, Galpão e Galpãozinho, os movimentos do teatro amador, eu, já adolescente, estava no meio desses grupos. Nessa solidão de querer me descobrir na dança, tendo feito inúmeras aulas, sempre buscando, comecei uma trajetória solo e queria que meu movimento fosse mais orgânico, mais autêntico, mais transcendental. Queria que o teatro e a dança tivessem essa transcendência, então, comecei a fazer esse trabalho, que me assustou também. Era um pouco assustador para mim.
Eu acho que só mudou essa coisa intensa, visceral, da minha dança com a maternidade. Eu sempre nessa busca do corpo feminino. A maternidade foi outra revelação do feminino, de uma fisicalidade, de um prazer, de uma alegria que era uma coisa única. Comecei a trabalhar com o humor, com a infância. Nairinha, com seis anos, já queria entrar em cena, aí foi tudo mudando, foi sem pensar. Foi muito a partir da vida mesmo, foi fluindo, tanto que Naira, aos 6 anos, resolveu entrar em cena e não saiu nunca mais.
Paola Antony – Você se lembra, Naira, de como foi seu desejo na infância, desse episódio?
Naira Carneiro – Quando eu penso sobre isso, acho que foi uma coisa muito natural. Minha mãe tinha uns ensaios, meu pai também era cenógrafo e eu estava convivendo com isso o tempo todo. Durante os ensaios desse primeiro espetáculo, que a gente intitula como espetáculo dos Buriti, por eu estar em cena junto, eu estava sempre ali, vivenciando com os atores, participando dos processos, e minha mãe conta que foi comprar os tecidos para fazer os figurinos e eu estava com ela obviamente. Eu peguei os tecidos que queria para os meus figurinos e entreguei a ela e foi aí que ela se deu conta de que eu realmente considerava que estava dentro, que era parte daquilo, que precisava ser levada a sério, que tinha de ter um figurino (risos).
Paola Antony – Como é mesmo o nome desse espetáculo de estreia?
Eliana Carneiro – Os Buriti Dançam Bambu, que foi para o primeiro Cena Contemporânea de Brasília, você acredita? Foi a história dessa tribo, Os Buriti, que era uma tribo que fazia uma série de rituais e estava sempre em busca da água, sempre peregrinando, com uma relação forte com os pássaros mágicos. Esse trabalho acabou nomeando a companhia, Os Buriti mesmo. Foi em 1995 e, nessa época, o André Togni entrou para o grupo. Ele estava chegando dos Estados Unidos, fazendo várias experimentações jazzísticas e teve a maior dedicação em trabalhar com a gente as percussões ao vivo e, nessa cadência, nessa busca que a gente tinha, a gente criou uma língua imaginária. Foi por isso que escrevi o primeiro libreto com os desenhos que contavam a história, porque as pessoas não entendiam o que a gente estava falando. Pensei: foi fazer um libreto como nas óperas, só que eu fiz um libreto ilustrado e isso virou marca registrada nossa, assim como a música ao vivo sempre foi uma marca nossa. Dez anos depois, veio o Guian, meu filho, que também começou a entrar em cena e já com paixão pela palhaçaria, e aí são outras histórias, mas já começou a participar dos trabalhos.
Paola Antony – Como se não bastasse tudo que vocês já fazem, surgiu a ideia de gravar um CD. O primeiro deles, Cantos de Encontro, certo?
Naira Carneiro – Sim. O primeiro trabalho que se transformou em CD foi o Cantos de Encontro, que é um espetáculo que estreou em 2012, e o CD foi gravado em 2016. A partir da minha interação com a música, fiquei com vontade de trazer a música para a primeiro plano e surgiu o espetáculo Cantos de Encontro, que é um show com muitos elementos cênicos. Trouxe três músicos para trabalhar com a gente e falei: "Vocês vão estar em cena, encenando comigo, e eu vou tocar com vocês. A gente vai brincar de inverter papéis e vamos trabalhar essas canções autorais com letras". A gente circulou muito com esse espetáculo, e as pessoas pediram muito esse CD. Há composições minhas, além da direção e atuação, e a direção musical é do Daniel Pitanga, mais Marilia Carvalho e Diogo Vanelli, que vieram integrar, desde essa época, Os Buriti.
Depois, com essa sensação maravilhosa de ter gravado e de poder distribuir e criar esse produto paralelo, que pode ser curtido em casa, de formas diferentes, e com a resposta tão maravilhosa que a gente teve do público, a gente começou a querer gravar outros trabalhos da companhia. Veio, então, o CD Os Buriti Contam Histórias, onde a gente buscou fazer uma coletânea de histórias contadas nesses 25 anos de companhia, com a direção musical de Jorge Brasil, que é outro companheiro, músico, compositor de muitos anos de Os Buriti, e Daniel e André Togni, que foram citados aqui.
Eliana Carneiro – No de histórias, inclusive, há a participação especial do Mateus Aleluia contando uma história africana, história linda. Nesse CD há também a participação especial da minha mãe narrando uma história, que é a história da velha e da lua, uma história muito louca de uma velha que se transforma, porque se apaixona pelo homem lua. A história é linda!
Paola Antony – Meninas, Eliana e Naira, há ainda um CD musical que vocês estão para lançar, é isso?
Nayra Carneiro – O CD Os Buriti Contam Histórias, a gente acabou de lançar nas plataformas digitais e agora a gente lança o CD do espetáculo Kalo – Filhos do Vento, que é uma trilha totalmente instrumental e que a gente falou assim, "A gente também quer gravar uma trilha instrumental e que talvez não tenha essa pegada tão voltada para a infância", porque a gente reverencia muito a música dentro do nosso trabalho, é uma forma de colocar essas músicas e os músicos, que são parceiros de muitos anos, que são família para gente, em outro patamar.
Como forma de lançamento também a gente está fazendo uns vídeos, que são umas cápsulas de histórias populares ciganas, que fazem parte do espetáculo que a gente vai lançar. São histórias curtinhas, de um minuto, minuto e meio, com uma nova roupagem, uma nova visão, mas extraídas do espetáculo. Vale a penas conferir nas nossas redes.
Paola Antony – Gente, há tanta coisa ainda para falar sobre essa trupe. Eu sugiro uma visita ao site deles, osburiti.com.br, onde há muita coisa legal, vai dar para entender melhor, matar saudades, vai lá.
A entrevista completa com Os Buriti para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
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