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Transcrição | O Tempo e o Som - 002 - Maxixe

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O Tempo e o Som - 002 - Maxixe

[Palestrante 2]

O Tempo e o Som, a história contada e cantada da música brasileira, com Gabriel Carneiro e Tiago Santos.


[Palestrante 1]

Alô alô pessoal, saudações musicais, está no ar a segunda edição do programa O Tempo e o Som, podcast que também é transmitido pela Rádio Eixo e que narra a história da música popular no Brasil. Meu nome é Tiago Santos e estou aqui com meu parceiro, historiador, músico, modelo, pai do Manuel, Gabriel Carneiro. Salve salve, isso que é currículo minha gente, é isso aí, fala de maxixe hoje, vamos nessa.


O Tempo e o Som é produzido com recursos do Fundo de Apoio à Cultura, o FAC, Programa do Governo do Distrito Federal de Incentivo à Cultura. O Tempo e o Som é fruto de um trabalho coletivo. A locução, pesquisa e roteiro são elaborados por Gabriel Carneiro e Tiago Santos.


A edição e sonoplastia, Miguel Hassan. A produção executiva, Cíntia Magalhães. Arte visual e designer, Gustavo Pozobon.


O Guilherme Bittencourt é o assessor de acessibilidade e a Milena Silva, a assessora de comunicação. É isso aí. Pessoal, então, para a gente começar a falar sobre o maxixe, é importante rebobinar a fita até meados do século XIX, mais ou menos ali cerca de 1850, quando diversos gêneros de dança estrangeiros foram difundidos no Brasil.


A valsa que veio da Áustria, a polca da República Tcheca, o tango da Espanha e a habaneira de Cuba foram algumas dessas danças que chegaram no Império Brasileiro. Bom, entre essas, a polca e a valsa, que eram dançadas de par, ou seja, a coreografia era executada em dupla, tiveram maior destaque no país e inclusive viraram febre. A valsa era mais lenta, criava certa intimidade entre os dançarinos, rolava de dar aquela paquera.


Já os passos da polca eram compostos por aqueles pulinhos rápidos na ponta do pé, com o par de mãos dadas ou abraçadas. O andamento da polca, o andamento é a velocidade que se toca um compasso na música, o andamento da dança na polca era rápido, um alegreto que a gente chama, e era justamente feito pra dançar. Pra vocês terem uma ideia, a polca era tão frenética que ela chegou a influenciar também o frevo.


Inclusive, a polca fez tanto sucesso no país que ela transitou entre os espaços sociais elitizados e populares. Nos segmentos sociais mais ricos, a polca era executada em piano e também foi favorecida pela aquela difusão de pianos do Rio de Janeiro, que a gente já mencionou aqui no programa passado, no século XIX, houve uma importação muito grande desse instrumento no país. E também abriram casas de edição musical, que vendiam partituras, inclusive partituras de polca.


Já nas camadas mais baixas, as polcas eram executadas por músicos que a gente chama de chorões, com arranjos que privilegiavam instrumentos mais populares, como o violão, o cavaquinho e a flauta. Bom, essas danças europeias foram recepcionadas e misturadas com as danças e músicas que já existiam por aqui, como o batuque e o lundu. Dessa fusão, vão nascer gêneros, como o maxixe e o choro.


O maxixe, na verdade, assim como o lundu, ele surgiu antes como uma dança e depois como um gênero musical, e foi justamente a maneira mais livre, sensual e mal comportada de dançar a polca que nasceu o maxixe. A coreografia do maxixe foi desenvolvida pelas camadas populares de negros e mestiços recém-libertos que residiam no bairro da Cidade Nova, que é um bairro periférico do centro do Rio de Janeiro, que nasceu do aterro dos mangues que compunham aquela região ali. Então, essa população da Cidade Nova adaptou o requebrado, a ginga dos batuques, das umbigadas e dos lundus, à marcação dos passos da polca.


E assim vai surgir o maxixe, que era uma dança de par, com uma coreografia quase erótica, com os corpos colados, se movimentando como se fosse um único corpo. Então, só pra gente ter uma ideia, os nomes dos passos do maxixe, né? Cobrinha, Parafuso, Balão Caindo, Urucubaca, Tangolomango, davam uma ideia dessa ginga do maxixe.


E o que chamava mais atenção na dança era justamente o encontro dos corpos. A gente tem que ressaltar também que a dança do maxixe tem certa atualidade, né? Foi apresentada em uma versão contemporânea da coreografia, em 2006, em 2008, no quadro Dança dos Famosos, do programa do Faustão, que era veiculado semanalmente na Rede Globo.


O Gabriel, daqui a pouquinho, vai falar um pouquinho sobre essa atualidade ainda do maxixe. E, por fim, pra entreter o público, a polca começou a ser executada pelos violões e pelas flautas dos chorões no ritmo da dança do maxixe, certo? Então a galera começou a pegar a música da polca e começou a executar no ritmo da dança do maxixe, né?


Se a gente for resumir, a música maxixe pode ser uma síntese entre a polca, o lundu e a habaneira. É como se a música fosse constituída do ritmo da habaneira misturado com o andamento da polca e com a síncope que caracterizava o lundu. Gabriel, você quer falar um pouco mais dessa parte musical do maxixe?


Vamos nessa. Então, o que eu acho interessante no maxixe é justamente essa síntese que você resumiu tão bem feito assim, da maneira como ela trazia elementos de diferentes gêneros musicais, tanto da polca, como da habaneira, como do lundu, o fato dela conseguir amalgamar diferentes matrizes culturais dentro de um só universo, de um só ritmo, de um só gênero musical. Então, de fato, quando eu olho pro maxixe e vejo como representação urbana, musical, esse maxixe colocado, o que eu penso é que é a primeira manifestação desse hibridismo dentro da cultura brasileira, de uma matriz europeia com uma matriz africana, com uma dança que estava muito vinculada às camadas mais pobres da população, mas também com uma música que trazia ainda elementos europeus.


Então esse choque, claro, cultural, vai acabar acontecendo e a gente vai ver isso no decorrer do programa. O que eu acho interessante falar desse maxixe é que muitas vezes a gente fala dessa importância dessa música e as pessoas tendem a pensar nele como algo muito distante da nossa vida atual, como se o maxixe fosse um ritmo que tivesse se perdido e não tivesse mais presente no dia de hoje, o que de fato não é verdade. A questão é que o maxixe vai passar por um processo de silenciamento até certo ponto, que vai fazer com que ele permaneça na música brasileira, mas que ao mesmo tempo não seja citado.


Ou seja, ele nunca vai dar nome a um gênero musical, mas ele vai continuar presente tanto no universo do choro, quanto no universo do forró, mas também no universo do samba. Então às vezes a gente vai numa roda de choro, ou a gente vai num show de samba, ou alguma coisa desse tipo, a gente vê e a gente ouve e a gente dança maxixe, só que a gente de fato não sabe que aquilo é um maxixe, porque a gente considera aquilo um samba, porque se amalgamou ao samba, ou se amalgamou ao choro. Então essa capacidade do maxixe de se ressignificar e de se colocar em par com outros gêneros musicais vai estar presente desde a origem dele.


Ou seja, vai ser um maxixe que vai vir como uma adaptação da polca e do lundu, uma trazida de uma cultura africana misturada com uma cultura europeia, ao mesmo tempo vai ser um maxixe que durante o tempo passar vai se amalgamar ao choro, vai ficar muito presente no universo do choro. Vários compositores de choro vão se dedicar bastante ao maxixe, entre eles Bonfiglio de Oliveira, entre eles Jacob do Bandolim, entre eles Ernesto Nazaré e muitos outros, e esses compositores vão deixar uma marca. E no universo do samba até os dias atuais a gente vê música do Dudu Nobre, música do Paulinho da Viola, música do Zeca Pagodinho, que também são sambas, mas que têm ritmicamente uma célula sincopada do maxixe que é muito interessante.


Então o maxixe vai trazer essa transformação e vai se adaptar a outros gêneros musicais de maneira muito intensa, o que vai acabar transformando a partir de então a música brasileira, porque o choro vai partir do maxixe, o samba vai partir do maxixe, ele vai ser a semente de uma novidade que vai acabar se ramificando para toda a música nacional. Então nesse ponto, músicas que a gente conhece do cancioneiro nacional, que são maxixes, mas que às vezes a gente não remete como maxixes, a gente pensou nesse primeiro bloco e vou colocar para vocês duas músicas que são clássicos da música nacional e que são maxixes. Então a primeira delas, Jura, e essa música Jura gravada recentemente pelo Zeca Pagodinho também, todo mundo conhece as gravações, mas é um maxixe, apesar das pessoas remeterem ao samba.


E a outra, ela até é alvo de certa polêmica, que é o Pelo Telefone, música do Donga. Essa música é considerada o primeiro samba, o primeiro samba gravado, mas quando a gente vai ouvir ela, ela ainda tem uma célula rítmica do maxixe muito presente. Então apesar de ser o primeiro samba, ela também pode ser o símbolo dessa transformação que vai passar do maxixe ao samba e vai trazer esse novo gênero para a música nacional.


Então Pelo Telefone ainda guarda muito de maxixe em si e por isso a gente escolheu essas duas músicas para esse primeiro bloco.



Você está ouvindo o Tempo e o Som, na sua Rádio Eixo.


[Palestrante 1]

Estamos de volta, meus amigos, aqui na Rádio Eixo, no nosso programa, o Tempo e o Som, com o Thiago Santos e o Gabriel Carneiro. Estamos aqui, vocês acabaram de ouvir, jura, o tempo e o som, essa música que era da década de 1920, composta pelo senhor, e gravada também pela primeira vez em 1928, pelo Mário Reis, e ouvimos também, pelo telefone, música do Donga, que é considerada o primeiro samba, de 1917. Vocês puderam perceber, aí, ouvindo as gravações, que essas músicas, elas ainda não têm uma qualidade de registro tão boa quanto as gravações mais atuais que a gente tem em contato.


Você ainda não tinha uma tecnologia de gravação de alta fidelidade, e nem outras tecnologias que vieram posteriormente, microfone elétrico e tudo mais. O que acaba acontecendo é que essa transformação tecnológica, ela também vai transformar a maneira como a gente consome a música. Então, por exemplo, em 1922, foi só em 1922, que você teve a fundação da primeira rádio brasileira, pelo Roquette Pinto, e só em 1928 que você teve o sistema elétrico de gravação, que vai transformar a maneira como a gente ouve.


Ou seja, o registro da música, nesse momento, ainda era um negócio muito incipiente. A gente não tinha como ouvir a música com a qualidade que a gente tinha quando a gente estava presente vendo aquela música. Então, a música, a de um século atrás, ou a mais de um século atrás, ela era eminentemente vivencial.


Era uma música que a gente vivia, ouvia, consumia visualmente e, ao mesmo tempo, sentia aquela música da maneira como ela estava sendo executada. A interação social ao redor da música era muito importante. Nesse ponto, na cidade do Rio de Janeiro, assim como a gente tem nas cidades do interior do Brasil até os dias de hoje, as bandas de música tinham destaque muito grande.


As bandas de música iam nas praças, tocavam, iam nos coretos, faziam eventos oficiais, faziam eventos cívicos e sempre tocavam para alegrar a população de uma maneira geral. Apesar de você ter música de câmara em alguns lugares específicos, então você tinha encontros em que as pessoas tocavam, dançavam, para você mobilizar uma grande massa de população, era sempre necessário você ter também uma grande massa sonora. Aqueles instrumentos que projetavam bastante som e que faziam com que a música chegasse no ouvido das pessoas.


Esse vai ser o caso do Maxixe, porque ele vai se destacar principalmente através das gravações das bandas de música e com destaque a uma figura muito importante, um maestro negro da banda do Corvo de Bombeiros do Rio de Janeiro, um sujeito chamado Anacleto de Medeiros, que foi conhecido até o dia de hoje, no universo do choro, principalmente, por duas músicas, uma música chamada Três Estrelinhas e uma música chamada O Boêmio, que ficaram no decorrer do tempo. Compositor muito celebrado no Brasil na primeira metade da década de 50.


O Anacleto, como maestro da banda do Corvo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sempre tocava nos eventos cívicos. Então você tinha um evento oficial, recepção de embaixador, recepção de governador, de presidente de província, eventos oficiais em geral. Quem ia tocar era sempre a banda do Corvo de Bombeiros do Rio de Janeiro, considerada a melhor banda da cidade.


E o maestro Anacleto de Medeiros, como era um indivíduo negro também, se punha a fazer com que a banda dele ensaiasse esses maxixes, que eram algo que culturalmente remetia à vida dele. Então, nisso, ocorre um evento muito interessante, que é no ano de 1917, numa recepção em que vai estar presente também o embaixador da Alemanha, o maestro Anacleto de Medeiros vai tocar um maxixe de autoria dele com a banda do Corvo de Bombeiros, chamado Vem cá Mulata. Isso vai levar a uma proibição desse maxixe pelo Marechal Alves da Fonseca.


É, Gabriel, legal você falar isso, que mostra também que o maxixe, na verdade, ele tinha uma relevância social. Para ele ser proibido, ele estava incomodando as classes mais altas. Basicamente, era o maxixe proibidão.


Tem o funk proibidão, mas na época era o maxixe proibidão. Engraçado você comentar isso, Gabriel, que na lei que proíbe o maxixe, o texto ficou o seguinte, por ordem superior ordena-se, as bandas porão de lado as músicas que produzem tonteiras nas pernas do próximo. Exemplo único maxixe.


Então, justamente por esse elemento coreográfico da dança, originou essa questão da proibição. Agora, tem uma questão interessante também, em 1914 aconteceram dois fatos. A primeira, em complemento a essa proibição das bandas, a própria igreja se manifestou por meio do cardeal Arco Verde, que era o arcebispo do Rio de Janeiro, e também condenou o maxixe com uma dança indecente.


Fala-se até, existe um livro falando maxixe como um gado. Ou seja, a própria igreja considerava o maxixe também uma dança que não era associada aos bons costumes, aos valores cristãos. Pelo contrário.


Só que tem aquela história também que o mundo dá voltas. E o Hermes da Fonseca, que proibiu o maxixe enquanto era marechal da guerra, alguns anos depois virou presidente da República e acabou se casando com a Nair de Tefé, que ela tinha uma origem nobre. Ela era filha do Barão de Tefé, que foi o herói da Guerra do Paraguai.


Ela teve uma educação boa para a época dela, um pouco mais avançada. Vale a pena até para o pessoal que quiser ver, procurar a capa das revistas Fonfon, as revistas que foram desenhadas pela Nair de Tefé, toda art nouveau, é super bonito, o negócio todo ornamentado. Exatamente, Gabriel.


Eu ia comentar que ela foi a primeira mulher a publicar caricaturas no Brasil, só que como o país ainda era muito machista, ela publicava com pseudônimo masculino. Então, ao invés de Nair, ela assinava como Rian. Então, as revistas da Fonfon que o Gabriel mencionou, procurem pela assinatura do Rian, que era como ela assinava as caricaturas dela.


E a Nair de Tefé, influenciada um pouco pelo Catulo da paixão cearense, que falava que nas recepções oficiais na presidência da República só se tocava música estrangeira, resolveu, em 1914 também, durante uma recepção oficial no Palácio de Governo para o corpo diplomático para a elite carioca, executar ao violão, que já era um instrumento que não era muito bem visto pelas elites, era um instrumento considerado popular. Então, ela tocou no violão o maxixe gaúcho, que também era popularmente conhecido como corta jaca.


É interessante que essa música, na verdade, o maxixe tango, foi composto pela Chiquinha de Gonzaga, que era outra mulher que teve muito destaque nessa época também. Então, a partir do momento que a Nair de Tefé toca essa música na recepção oficial do corpo diplomático no Palácio de Governo do presidente da República, isso gera uma repercussão social na imprensa. O evento ficou conhecido como o Baile do Corta jaca.


Inclusive, tiveram algumas repercussões negativas nos jornais e até no Senado da República. Ficou muito conhecido um discurso que o senador Rui Barbosa fez ressaltando o caráter grosseiro e de baixo calão do maxixe. Ele vai falar que o maxixe é a mais baixa, mais chula e a mais grosseira de todas as danças selvagens do país.


Irmã gêmea do batuque, do cateretê e do samba. Bom, eu não sei se para vocês, mas para mim, como o Rui Barbosa descreveu a música, já me despertou a curiosidade de ouvi-la. Agora, Gabriel, você estava comentando que essa proibição do maxixe não era em virtude dos aspectos técnicos da música, né?


Pois é, fazendo um pouco o vínculo dessas duas questões que você tratou mesmo nesses dois blocos, leva a gente a pensar numa questão interessante. A dança era um negócio mal visto porque havia um contato entre os corpos. E ao mesmo tempo, por mais que ele gerasse uma certa polêmica, o próprio Marechal Hermes da Fonseca, em 1917, permite que a esposa dele toque ao violão o gaúcho corta-jaca da Chiquinha Gonzaga no baile no Palácio do Catete, mas em 1907 não permite que as pessoas dancem na rua.


Então, o que leva a gente a pensar que essa proibição talvez estivesse mais vinculada, de fato, à dança do que efetivamente à música em si. O fato das pessoas estarem se encontrando, se roçando, sendo vistos como algo vil, como algo chulo, como algo grosseiro, e todos os outros adjetivos que usou Hugo Barbosa, toda essa proibição talvez esteja mais vinculada à dança do que efetivamente à música. Então, a musicalidade em si talvez não fosse vista como algo pejorativo, mas sim as pessoas que dançavam, a maneira como dançavam, onde dançavam.


O que eu acho que demonstra um pouco dessa sociedade carioca do início do século XX. Vale lembrar que é uma época que a gente está tendo umas reformas urbanas muito importantes, né, Tiago? E essas reformas urbanas fazem com que a gente tenha uma interação muito grande entre cultura de elite e cultura de camadas mais populares da população.


Você tem os bondes, você tem o início das questões elétricas que estão sendo colocadas na cidade do Rio de Janeiro. Então, uma camada mais rica, mais abastada da população tem que conviver com uma camada mais pobre. Uma população mais branca tem que conviver com uma população mais negra.


E esses choques culturais e até a aversão à cultura do outro começam a existir com mais força. Então, existe um tensionamento social aí, vinculado ao machismo, que eu acho que está mais relacionado até à presença do corpo negro usufruindo aquela dança, do que efetivamente àquela música em si, né? Beleza, Gabriel.


E o que a gente vai ouvir agora? Bom, eu pensei pra esse bloco a gente colocar dois maxixes que são muito interessantes. São dois maxixes tocados pelo Zé da Velha e Silvério Pontes.


Zé da Velha e Silvério Pontes, pra quem não conhece, é um grupo atual formado por esses dois indivíduos. O Zé da Velha toca trombone, o Silvério Pontes toca trompete. E eles emulam essa sonoridade do maxixe, que é o maxixe de banda marcial, como a gente tinha falado.


Na banda marcial, você tinha o oficleide tocando, você tinha sempre muita percussão, porque você tinha que ter uma projeção sonora muito grande dessas bandas. Vale lembrar que, como eu falei pra vocês, você não tinha tecnologia de projeção de som, de amplificação de som e tudo mais. Então, de fato, pra você poder fazer uma parada militar ou pra você fazer uma festa popular que gerasse muita gente na rua, você tinha que ter uma projeção de som muito grande pra chegar até o ouvido das pessoas.


Então era sempre uma percussão muito rica, percussão com bumbo, com caixa, com zabumba e com outros instrumentos, e sempre instrumentos de sopro que projetavam muito som. Trompete, oficleide, bombardino, né? Pra dar aquele naipe de banda de música que a gente conhece.


Nesse caso do Zé da Velha e Silvério Pontes, o que a gente vai ter vai ser essa parte do sopro resumida a um trombone e um trompete, mas tocado divinamente por ambos, e selecionamos aqui duas músicas pessoal. A primeira chamada Flamengo e a segunda chamada Bom Filho à Casa Torna. Ambas as músicas são do Bom Filho de Oliveira, compositor de Guaratinguetá, que chegou a se juntar com os Batutas numa formação posterior da banda, que era trompetista.


Então o Flamengo ele fez pro bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, e o Bom Filho à Casa Torna ele fez um trocadilho com o próprio nome dele, que era Bom Filho de Oliveira ou Bom Filho à Casa Torna. As duas tocadas pelo Zé da Velha e Silvério Pontes.


[Palestrante 2]

E a segunda tocada pelo Zé da Velha. Você está ouvindo o tempo e o som na sua Rádio Eixo.


[Palestrante 1]

Olá minha gente, estamos de volta com o programa o tempo e o som e acabamos de ouvir duas músicas de autoria de bom filho de Oliveira, trompetista de Guaratinguetá, gravação de Zé da Velha e Silvério Pontes, essa dupla que está tão presente na música brasileira, tocando música instrumental, um trompetista e um trombonista. Mas nem apenas de instrumentos de sopro e de bandas musicais, vivia o maxixe. É importante ao falar do maxixe a gente falar também da contribuição dos pianistas ao estabelecimento dessa música, especialmente de um nome que para mim é muito caro que é Ernesto Nazaré.


Ernesto Nazaré ele talvez tenha sido um dos grandes mediadores culturais da maneira como esse maxixe saiu de um ritmo muito pejorativo, uma música que era proibida na música brasileira e se tornou um pouquinho mais aceita pela alta sociedade carioca. Era um pianista de mão cheia, porém nunca tinha conseguido o sucesso que ele almejava na carreira dele. O sonho do Ernesto Nazaré talvez tenha sido ser um Henrique Alves Mesquita, que era um pianista que tinha feito carreira durante um período e tinha ganhado até uma bolsa da família real para estudar na França como concertista.


O Nazaré, ao contrário do Henrique Alves Mesquita, ficou no Brasil e tocava na antessala do Cine Odeon no Rio de Janeiro. Vale lembrar que é uma época em que tinha pouquíssimos cinemas na cidade do Rio de Janeiro, você tinha a Cinelândia, onde estavam concentrados os cinemas, e o Cine Odeon, o mais importante deles, e a alta sociedade carioca ia lá e se vestia com suas vestidas, suas fracas, toda bonita, para poder ouvir o Ernesto Nazaré tocando ao piano, para poder ver o filme e muitas vezes ouvir o piano acompanhando o filme também.


O Ernesto Nazaré, nessa prática dele no Cine Odeon, ele sempre inseria ali no meio das músicas algo que aparece nas partículas dele como o tango brasileiro. Durante muito tempo as pessoas se questionaram o que seria esse tango brasileiro, ritmicamente, de que maneira esse negócio poderia ser compreendido dentro da nossa história, do nosso fio condutor cultural que a gente tem nessa época. Vale lembrar só uma questão, a palavra tango, hoje em dia, a gente remete muito ao tango argentino, porém, tango era como se fosse um sinônimo de batuque, você tinha um tango andaluz, que é um tango europeu, da Península Ibérica, que tinha vindo ao Brasil, que era um tipo de batuque que já existia.


E aqui no Brasil, esse ritmo que a gente não sabia nomear de fato, a gente chamava de tango brasileiro. Conforme o tempo foi passando, as pessoas foram analisando essa música do Ernesto Nazaré, foram começando a perceber as semelhanças que esse tango brasileiro guarda com o maxixe. Dizem que, inclusive, o próprio Ernesto Nazaré colocava muitos breques na música, muitas paradas, muitas interrupções no meio da música, justamente para que as pessoas não dançassem, por conta de tudo que havia de pejorativo em relação à dança, relacionada ao maxixe.


Dizem também que ele buscava colocar uma cela sincopada um pouco mais leve, buscando mais influência de ritmos europeus e menos influência de ritmos africanos na música, justamente para dar uma certa leveza nessa música. Buscava mais influência da habanera, buscava mais influência da polca e tirava um pouco mais essa influência rítmica do lundu da música. Se era intencional ou não, só perguntando para o próprio Nazaré, que aqui já não está mais.


Mas existem detratores e existem exaltadores da obra do Nazaré. Existe gente que olha para a obra dele e fala que ele tinha preconceito com aquilo que ele mesmo fazia, que ele não gostava daquele maxixe, mas que ele pegava essas influências do maxixe. Existe gente que diz que, na verdade, esse era apenas um subterfúgio do Ernesto Nazaré para poder manter e tocar aquele ritmo.


O fato é que aquilo que a gente chama de tango brasileiro, aquilo que a gente vê nas partituras como tango brasileiro, na obra do Ernesto Nazaré, hoje a gente toca como maxixe e está presente como maxixe dentro dos ritmos nacionais. Então é encarado como sinônimo dentro da musicalidade, apesar de a gente ter pequenas diferenças, pequenos nuances, diferenças entre um ritmo e outro. Sendo assim, o Ernesto Nazaré vai ter uma importância muito grande dentro da formação do maxixe e do estabelecimento dele.


E a gente vai ver, junto com o Ernesto Nazaré, a importância muito grande dos pianistas como um todo e figuras que vão acabar deixando o seu nome muito marcado ao redor do Nazaré, como é o caso da Chiquinha Gonzaga, que o Tiago citou no bloco passado. A música dela que vai ser tocada pela Nair de Tefé e que vai ser muito importante dentro da musicalidade nacional e dentro do próprio estabelecimento para o maxixe. É isso aí, né, Gabriel?


A Chiquinha Gonzaga e o Ernesto Nazaré, eles foram considerados expoentes do maxixe tocado no piano, que era conhecido como tango, né? E é importante ressaltar também que eles atuaram num contexto histórico entre o final do Império e o início da República. Só retomando uma fala sua ali também, né, Gabriel, uma descrição que eu vi da possível diferença entre o tango brasileiro e o maxixe.


Ambos os gêneros, eles tinham influência da habanera, tinham influência da polca e tinham influência do lundu. Porém, você ressaltou um pouco isso, né? No tango, a dosagem de habanera ali e polca talvez fosse um pouco maior.


E no maxixe, o peso do lundu talvez estivesse um pouco mais presente ali, né? Até uma questão interessante, né, que é importante a gente levantar, que é um questionamento sobre aquilo que a gente entende como música e aquilo que a gente entende como gênero musical, né? Porque, de fato, assim, se a gente for pensar que o maxixe dançado tem uma simbologia e o maxixe ouvido na antessala do cinema ou no palácio do catete tem outra simbologia, a maneira como as pessoas gostam da música, usufruem dessa música ou apreciam aquela música, seja dançando, seja apenas ouvindo, ela vai ser muito importante para caracterizar a intenção do gênero, a intencionalidade do compositor. Então, pode-se considerar musicalmente, em termos de elementos musicais, o tango e o maxixe como algo semelhante ou até às vezes algo igual? Pode, mas temos sempre que ressaltar que a maneira como as pessoas usufruem dessa música, então o fato das pessoas ouvirem ou dançarem vai servir para transformar o que aquela música simboliza.


Então, o maxixe, ele talvez pudesse ser mais caracterizado pela dança, pelas pessoas estarem se encostando, pelas pessoas estarem usufruindo de uma maneira muito mais livre daquela música, enquanto o tango brasileiro era feito para ser ouvido, contemplado e não dançado. E só essa intencionalidade do compositor já representa uma transformação na intenção do gênero também. É isso aí.


Inclusive, né, Gabriel, a gente vai ver em muitas ocasiões eram compostos maxixes, porém na hora de lançamento, divulgação, essa música ela era denominada, chamada de tango, justamente para conseguir circular em outros ambientes. Recorda-se que gradualmente o maxixe passou a ser tolerado um pouco pela classe média carioca, a partir da inserção dele nos teatros de revista, nos bailes de carnaval e a Chiquinha Gonzaga compunha muitos tangos maxixes para os teatros de revistas, né. Teatro de revista era uma modalidade, teatro que veio lá da França, no século XIX, em que ela misturava, né, os acontecimentos mais importantes, sociais e políticos que estavam ocorrendo ali na sociedade, com um pouco de humor, dança, nudez.


Então, era uma peça que falava sobre a realidade brasileira, mas sempre nesse caráter um pouco humorístico. E a dança do maxixe, a coreografia, a maneira como dançava, a ginga, trazia um pouco esse elemento cômico também para o teatro de revista, né. E a gente já comentou também que um dos principais sucessos da Chiquinha Gonzaga, o tango gaúcho, que também era conhecido como corta-jaca, ele explodiu, ele fez muito sucesso nos teatros de revista, né.


Como o Gabriel já comentou também das tecnologias, nesse período não existia a difusão do rádio, as músicas ainda não eram gravadas em discos, né. Então, a circularidade da música acontecia muito isso no teatro, nas salas de cinema, como ele citou o Ernesto Nazareth tocando no Sino Odeon também. A gente já falou um pouco da importância da Anahí de ter fé aqui, e uma outra mulher que teve muito destaque aqui também, que a gente já citou, foi a Chiquinha Gonzaga, né.


A Chiquinha Gonzaga, ela é considerada a primeira maestrina e compositora a se destacar no país, ela deixou cerca de 300 composições, e claro, além do tango corta-jaca, ela teve outra música que fez muito sucesso, que é considerada a primeira marcha carnavalesca, a primeira música a ser feita diretamente para o carnaval, né, que é aquela música O Abre Alas, que foi composta em 1899, né. E aí também é importante só falar um pouquinho da vida da Chiquinha Gonzaga, né, que no final do século 19, o que a sociedade esperava de uma mulher? Que ela assumisse os papéis de esposa, de mãe, de dona de casa, e bom, não foi essa mulher que a Francisca Gonzaga, a Chiquinha, se tornou.


Ela era uma mulher de vanguarda para a época dela, né, ela era da Boemia, saia muito na noite, chegou a se separar de dois maridos, lembrando que nesse período, até por conta da questão religiosa, da igreja, que o casamento era para sempre, você se separar de um marido era considerado um absurdo, e ela fez isso duas vezes, né. Também, quando ela tinha cerca de 52 anos, ela pegou um novinho de 16 e apresentava para os outros como se fosse um filho adotivo, né. E a vida profissional dela se iniciou ali mais ou menos com 30 anos, ela compunha para o teatro de revista, vendia partituras de suas composições, dava aula de piano, tocava em bailes, ou seja, ela conseguiu viver profissionalmente da música e abriu esse caminho também para que outras mulheres conseguissem trilhar.


Por fim, politicamente, é importante dizer também que a Chiquinha Gonzaga, que tinha um certo destaque cultural e social nesse cenário da sociedade carioca, aderiu às causas republicanas e também a abolicionistas, né. Ou seja, ela teve esse papel de difusora de ideologias também. Além disso, ela fundou uma associação para o recolhimento de direitos autorais no país, foi a primeira associação que recolhia direitos autorais para os artistas, né.


Basicamente, era o bisavô do ECAD. E por fim, só comentando aí, eu não sei se você concorda com isso, né Gabriel, você pode até falar, mas a Chiquinha Gonzaga, os tangos que ela compunha o maxixe, ela tinha um caráter um pouco mais popular, com letras para serem cantadas, do que os tangos do Ernesto de Nazaré. Perfeito, é isso mesmo.


A Chiquinha Gonzaga, ela vai ter esse caráter um pouco mais, essa busca, né, essa vontade de atuar mais socialmente, vai ser uma pessoa que vai ser muito ideologizada mesmo e que vai ter um papel não só para uma socialização de uma cultura que era uma cultura considerada mais vil, uma cultura da população mais pobre, mais negra, né, da população brasileira, menos recursos financeiros e também para a emancipação feminina, né. Até hoje em dia, né, isso é muito mais claro na nossa sociedade, mas a gente tem que pensar que a gente tá falando de um século atrás, quer dizer, é muito tempo atrás e isso é totalmente diferente, né, da época da Chiquinha Gonzaga com relação aos dias de hoje.


E ela como maestrina ou maestra, né, assim, tem até, hoje em dia existe um certo movimento das maestrinas para se chamarem maestras, porque acho que maestrina é um diminutivo, né, que talvez seja mais ofensivo, né, que iria reduzir a participação delas. Então a Chiquinha Gonzaga como maestrina ou maestra, como quiserem, ela vai ter uma importância muito grande porque ela vai se colocar como uma mulher numa posição de protagonismo, tocando uma música que vai ter um grande sucesso popular, mas que ao mesmo tempo também vai ter um respeito dentro de um caráter mais erudito. Então, nesse ponto, eu acho interessante a gente conseguir representar a obra de ambos esses compositores que a gente trouxe nesse bloco.


Por isso a gente escolheu o maxixe do Ernesto Nazareth, o Escorregando, interpretado por Arthur Moreira Lima e também escolhemos o Corta Jaca da Chiquinha Gonzaga.


[Palestrante 2]

Você está ouvindo o Tempo e o Som, na sua Rádio Eixo.


[Palestrante 1]

Bem-vinda de volta, minha gente. Estamos aqui retomando para esse quarto bloco do nosso programa sobre maxixe, o Tempo e o Som, aqui com o Tiago Santos, com o Gabriel Carneiro, falando um pouco sobre esse gênero que às vezes é um pouco esquecido da música brasileira, apesar de estar tão presente. Ouvimos anteriormente aqui dois maxixes tocados ao piano, primeiramente Arthur Moreira Lima, tocando Escorregando, pianista consagrado internacionalmente, e depois ouvimos Corta Jaca da Chiquinha Gonzaga, tocada por um pianista atual, o grande Hércules Gomes, pianista do Espírito Santo, que traz um pouco a ideia de como a música da Chiquinha Gonzaga, apesar de ter mais de um século de vida, ainda soa contemporânea tocada ao piano de um compositor dos dias atuais.


Tratando especificamente disso, da maneira como esse maxixe vai acabar perdurando durante o tempo e chegando nos dias atuais, é interessante a gente entender a maneira como esse maxixe vai ganhar uma sonoridade própria vinculada aos regionais de choro. Para quem não conhece os regionais, os regionais são basicamente grupos musicais que foram formados ao redor das rádios brasileiras, e eram usados para acompanhar todo e qualquer cantor, compositor, cantora, compositora que fosse na rádio tocar, ele sempre era acompanhado pelo regional da rádio, então eram grupamentos musicais que basicamente estavam estruturados ao redor das rádios, como grupo base, banda base, para tudo aquilo que estava sendo tocado naquele universo. Esses regionais geralmente eram divididos da seguinte maneira, você tinha um cavaquinho fazendo um centro rítmico e ao mesmo tempo fazendo harmonia, um pandeiro fazendo a parte rítmica mais intensa, sendo o único instrumento puramente percussivo do regional, você tinha um violão de seis cordas que fazia o meio campo harmônico entre o cavaquinho e os sete cordas que viriam na sequência, e os sete cordas que fariam aquela linha de baixos bem caminhada, muito própria do choro, que a gente chama de baixaria também no universo do choro, e para fechar o regional, geralmente um solista, que poderia ser uma flauta, que poderia ser um bandolim, que poderia ser um cavaquinho, que poderia ser uma sanfona, um clarinete, o importante é que esse grupamento musical, com pandeiro, cavaquinho, seis cordas, sete cordas e solista, foi a base e vai se tornar a base da música brasileira a partir da década de 1930.


Todas as grandes gravações, todos os grandes compositores e cantores e cantoras que a gente vai ter no país, vão acabar sendo acompanhados pelos regionais, o mais famoso deles, o regional do canhoto, que é um regional que foi formado para acompanhar o solista Benedito Lacerda, que era o principal solista da Rádio Nacional, fundado no ano de 1936, mas nesse universo dos regionais, o grande responsável por fazer a ponte entre a música o maxixe e os regionais em si, vai ser um sujeito chamado Jacob do Bandolim. Jacob do Bandolim era fascinado pela música do Nazaré, por todas as suas composições, suas resoluções harmônicas e melódicas, e também pela parte rítmica, a maneira como soava a música do Ernesto de Nazaré.


E ele vai ser um dos grandes responsáveis por fazer essa tradução da música do Nazaré do piano para o regional. O que ele vai fazer basicamente? Aquilo que diz respeito à mão grave, ele vai passar para o violão de sete cordas.


Aquilo que diz respeito ao solo, a melodia da música, que é a outra mão, ele vai passar para o bandolim, ele vai tocar no bandolim. Então ele vai pegar basicamente toda a faixa de som abarcado pelo piano do Nazaré e vai dividir entre os instrumentos do regional de choro. E com isso ele vai criar várias interpretações das músicas do Néstor Nazaré que vão ficar para a posteridade.


Então ele vai ser um grande difusor da música do Nazaré. Inclusive o Jacob fez até uma grande pesquisa sobre a vida do Nazaré. O Nazaré que não fez um grande sucesso durante a sua vida, acabou sendo taxado de louco naquele movimento manicomial que a gente tinha no início do século XX.


Ele foi internado num sanatório na Serra do Rio de Janeiro. Lá acabou morrendo e existem várias especulações sobre isso. Tem gente que diz que ele se matou, tem gente que diz que ele foi fugir e acabou morrendo, caindo.


Tem gente que diz que ele ficou louco e tirou a própria vida. Mas o Jacob, como adorador do Nazaré, ele defendia a tese de que o Nazaré, vendo que estava louco, teve um arroubo de lucidez e achou melhor morrer. E aí tirou a própria vida para poder não manchar a obra genial que seria a obra do Nazaré.


E de fato é uma obra de importância muito grande dentro da música brasileira. Então o Jacob, a partir da atuação dele, gravando muitas músicas do Nazaré, ele vai fazer essa ponte da música do Nazaré para os regionais do dia de hoje, do choro, que existe até os dias atuais. Então no universo do choro, o Nazaré é um compositor muito tocado e em boa parte isso se deve à contribuição do Jacob do Bandolim.


Agora no universo do piano, o Nazaré também não era tão lembrado assim. E aí vem a importância tão grande de um sujeito chamado Arthur Moreira Lima. O Arthur Moreira Lima vai se prestar a gravar diversos discos tocando obras de Nazaré e revisitando todo o trabalho do artista para o piano.


E o Arthur Moreira Lima, como era um pianista de projeção internacional, ele conseguiu fazer com que a música do Nazaré saísse desse microcosmo brasileiro e acabasse atingindo novas fronteiras, chegando em novos lugares e internacionalizando a obra desse artista. Então até nos dias atuais a gente vê alguns compositores que não são do Brasil tocando obras de Nazaré e fazendo com que ele acabasse permanecendo na música brasileira de uma maneira muito mais enaltecida do que foi quando ele viveu. Então o sucesso do Nazaré foi atingido em vida, não foi atingido após a morte.


Mas essa internacionalização é muito importante ser lembrada e aí a gente tem uma ideia de como essa música pode criar novas fronteiras, né Tiago? É isso mesmo, né Gabriel? Antes da Garota de Ipanema e Tico-Tico no Fubá fazerem sucesso no exterior, teve o maxixe dengoso do Ernesto de Nazaré, que ele teve várias partituras e teve várias interpretações feitas na gringa, principalmente na França.


Mas é legal a gente pensar isso, que o maxixe se originou nos quintais e nas festas da Cidade Nova, aquele bairro popular do Rio de Janeiro, foi popularizado nos bailes de carnaval, nos teatros de revista aqui no país e foi internacionalizado também por um dançarino, o baiano Duque, que levou essa dança, ele já era radicado na Europa, o Duque, porém ele levou essa dança brasileira e começou a apresentar nos salões das diversas cidades da Europa, como Paris, Londres, Berlim. O Duque, pra você ver a importância do maxixe lá fora, ele chegou a performar a dança para o presidente da França, para o rei da Inglaterra e até para o Papa, em 1913. Basicamente depois disso ele virou um professor de dança do maxixe para os franceses, claro que o maxixe um pouco mais adaptado, estilizado para a cultura europeia.


O maxixe inclusive atravessou o Atlântico e foi para lá nos Estados Unidos, então ele foi representado tanto na Broadway, que enfim tem peças de dança musicais, quanto em Hollywood também. Aquele casal do cinema famoso norte-americano, Ginger Rogers e o Fred Astor, chegaram a gravar filmes dançando maxixe. Aquele escritor norte-americano famoso também, Scott Fitzgerald, também escreveu e citou o maxixe em vários textos dele.


Então isso ajuda a revelar um pouco da importância cultural e social do maxixe, não só no país, mas no mundo. Essa participação até da Ginger Rogers e do Fred Astor dançando maxixe, ela vai ser muito importante, vai ser um negócio relevante e até hoje é visto como um negócio meio sub gênero. É um negócio que surpreende o nosso olhar, pensar que essa música alcançou fronteiras tão distantes.


As músicas que a gente lembra com mais importância, mais relevância geralmente do universo do maxixe instrumental é o Corta Jaca da Chiquinha Gonzaga, o Odeon do Ernesto Nazareth e o Apanhei de Cavaquinho. São músicas que acabaram ficando um pouco mais, mas mesmo assim dentro de um nicho específico. Agora a gente entender que, na verdade, já na década de 1910, o Duque conseguiu fazer esse trânsito e levar isso para a Europa e ser muito aclamado.


Que a gente vê também o Fred Astor e a Ginger Rogers, talvez a dupla dançarina mais famosa do cinema norte-americano, dançando essa música. E a gente vê a maneira como ela vai permeando a cultura, a gente entende um pouco esse caráter meio sorrateiro, talvez dizendo, do maxixe. Ele vai entrando em outros gêneros musicais, vai entrando em outros universos, mas ao mesmo tempo ele não é lembrado nisso.


Como se ele estivesse ao mesmo tempo se escondendo, ao mesmo tempo que se manifestando. E é algo interessante que é muito particular dessa música. Mas, sobre o maxixe nos dias atuais, sobre as gravações de maxixe, a gente escolheu aqui para vocês um terceiro bloco.


Duas gravações, uma do Jacob do Bandolim, para ilustrar essa questão do regional. O Jacob do Bandolim tocando com seu grande regional época de ouro, a música Atlântico, do Ernesto Nazareth. E o maxixe atual, composição do cavaquinista de Brasília, Léo Benon.


Grande cavaquinista da cidade de Brasília, gravada pelo grupo Choro pra 5, do qual eu faço parte. Eu toco pandeiro aí nessa gravação. Uma música chamada Comendo Sagu, do disco do Choro pra 5, um disco um pouco mais atual.


Espero que vocês gostem.


[Palestrante 2]

Você está ouvindo O Tempo e o Som Na sua Rádio Eixo


[Palestrante 1]

De volta aqui na Rádio Eixo Esse é o podcast O Tempo e o Som Esse é o programa sobre o maxixe É importante né A gente lembrar que o maxixe Retomando algumas coisas que a gente falou aí durante o programa O maxixe ele tem Um acompanhamento musical similar Ao da Polca E ele de certa forma Substitui o Lundu como dança Mestiça nacional No imaginário que a gente tem do país Na nossa cultura Então essa linha musical Batuque, Lundu Polca maxixe, Choro Que era veiculado nos sarais domésticos Nos teatros de revista Nas ruas, nos pagodes Nas senzalas Essa linha cultural Ela representa de certa forma Uma cena social E uma cena cultural popular Também da cidade do Rio de Janeiro E embora Nesses primeiros programas Parece que a gente esteja falando de coisas Muito antigas e distantes da nossa realidade Canções que eram do século 18 e 19 Como a modinha Luar do Sertão e a Marcha Ou Abre Alas Esses dois exemplos Eles ainda estão presentes No nosso imaginário popular Na cultura musical do país até hoje Quem é que não sabe cantarolar Os refrões Não há a gente Ou não Luar como esse do Sertão Ou Gostei de ver, gostei de ver Bonito, soltou a voz Eu canto mal, essa parte deveria ser com o Gabriel Não, você está mandando bem Ou outro refrão Abre alas que eu quero passar Então quantas vezes Essas frases já não apareceram Como músicas incidentais Como citações E estão sempre sendo veiculadas No nosso imaginário popular Então não é à toa Que uma dessas músicas Tem o caráter mais sertanejo Que é o Luar o Sertão E a outra tem o caráter mais carnavalesco São dois elementos importantes A música sertanejo e o carnaval São dois elementos culturais importantes E que compõem A nossa identidade nacional Até hoje Então pode parecer que todo nosso papo aqui Foi sobre o nosso passado Mas é importante Ressaltar também que a gente está falando Sobre a nossa cultura atual E que esses gêneros E que esses personagens que a gente vem falando por aqui Têm relevância até hoje E estão no DNA De cada música brasileira também Inclusive o Luar o Sertão Que você escutou Foi a primeira música tocada na rádio brasileira A primeira transmissão de rádio no Brasil Tocou o Luar do o Sertão Do Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco Que na verdade é um tema folclórico Que acabou sendo atribuído a esses dois autores E o maxixe ele começa A ter um declínio ali Como gênero musical e dança A partir de 1930 Vão chegando alguns ritmos americanos Como o fox, o charleston E o samba também Começa a parecer se fortalecer Muito na década de 30 Então o maxixe vem perdendo um pouquinho De espaço para a concorrência estrangeira E para o samba Porém ele continua Como um grande eixo Da formação cultural brasileira E musical também Tanto com resíduos Nos passos de gafieira Nas marchas de carnaval E no próprio samba Pois é Tiago, é justamente isso que acaba acontecendo O maxixe ele vai perdendo Sua relevância por uma influência de músicas estrangeiras E até por músicas nacionais Que vão tomando o protagonismo dentro da cena Porém ele nunca deixa De estar até certo ponto presente Ele vai acabar permeando a música brasileira como um todo O tipo de síncope Que é o tipo de divisão rítmica do maxixe Que é essa ideia de Esse tipo de célula rítmica Que está presente no maxixe Ela vai acabar ficando na música brasileira Durante muito tempo E no universo do samba ela está amalgamada também Então a gente falou aqui nesse nosso belo programa Aqui sobre o maxixe Sobre o maxixe vinculado às bandas de música Falamos sobre o maxixe vinculado aos pianistas Dentro dos regionais de choro Como ele está presente também Mas uma coisa que a gente não falou é como ele está presente Na cultura da música popular brasileira atual, contemporânea Como no universo dos compositores Que estão presentes nos dias de hoje tocando A gente vai ter esse maxixe como parte do repertório Então por conta disso A gente achou por bem selecionar Aqui para vocês, ouvintes Do Tempo e o Som Duas músicas que sintetizariam Até certo ponto a maneira como esses maxixe s estão presentes Dentro da música brasileira Até os dias atuais E aí escolhemos aqui Memórias Conjugais Música do Paulinho da Viola Que é uma música Que está gravada no último disco do Paulinho da Viola O último disco de originais do Paulinho da Viola Que é de 1996 É o disco Beba do Samba Música de autoria dele em homenagem ao samba E a gente selecionou também O Samba para as Moças É uma música do Roque Ferreira Que foi gravada pelo Zeca Pagodinho Também no final da década de 1990 E que ficou muito conhecida Inclusive interessante nessa música Na letra do Roque Ferreira Consagrada pelo Zeca Pagodinho Você tem uma citação da umbigada Meu amor na roda Me dá um charme Cada umbigada E a umbigada é justamente o principal passo Da polêmica do maxixe O principal passo da dança do machista Que gerava todo esse conflito Que levou à proibição dele No ano de 1907 E que acaba gerando repercussões Nos anos posteriores Essa umbigada vai estar presente nos dias de hoje Na música gravada pelo Zeca Pagodinho do Roque Ferreira Então ele está presente Está na música brasileira As pessoas ouvem, as pessoas dançam As pessoas consomem Porém nem sempre sabem que o fazem Então eu acho que é um tema muito pertinente Da gente levantar aqui, Tiago Justamente por a gente ter a oportunidade de trazer luz A essa faceta da música brasileira Que muitas vezes é esquecida Pois é, muito legal Gabriel, vamos ficar com essas músicas aí E a gente vai se despedindo por aqui Muito obrigado pela audiência de todo mundo Próximo programa é sobre o choro Vai ficar muito legal também Gabriel é experto nisso E é isso aí pessoal, um beijo, um abraço Muito obrigado gente Um grande beijo e abraço a todos É sempre um prazer falar com vocês E nos vemos na próxima oportunidade, no próximo programa



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