Rodrigo Tremembé e sua arte de "vestir corpos e reflorestar mentes"
- Paola Antony
- 22 de abr.
- 5 min de leitura
Narayana Teles
No Ceará, o único povo indígena a possuir territórios homologados pela União é o Povo Tremembé, que está organizado em 26 aldeias, totalizando mais de 5 mil indígenas residentes nos municípios de Acaraú, Itarema e Itapipoca. A Aldeia Córrego João Pereira, localizada em Itarema-CE, foi regularizada em 6 de maio de 2003 e abrange uma área de 3.140 hectares. Nesta terra fértil e ancestral, habita Rodrigo Tremembé, um jovem de 28 anos, designer e estilista de Moda Indígena, que utiliza a arte como ativismo pelos direitos dos Povos Originários.

As produções de Rodrigo Tremembé envolvem o uso de pinturas e grafismos, próprias de seu Povo, cada uma tem uma simbologia, um significado. Segundo o relato do artista à Radio Eixo, sua memória mais remota, desde pequeno, é de estar desenhando no chão com o dedo, com o graveto, pintando a própria pele, que para os povos indígenas é também uma forma de se vestir.
A ideia de mexer com tecidos surgiu no ano de 2021, durante a pandemia de covid-19, ocasião em que Rodrigo Tremembé passou por um episódio de racismo, ao ser questionado por seu tom de pele, em uma rede social. Para ele, algo caracterizado pelas violências coloniais que aconteceram, principalmente, na região Nordeste, com o processo de colonização. “Pessoas não indígenas afirmando que eu não era indígena a partir de estereótipos existentes na cabeça delas sobre o que é ser um indígena. Essa ideia só reforça o estigma que devemos ter o cabelo liso, o olho puxado, um determinado tom de pele. Eu venho de uma aldeia, de um povo que tem uma tradição, uma cultura, uma etnicidade, e me deparo com esse tipo de situação. Percebe-se o quanto o sistema necessita de mudança”, afirma Rodrigo.
A arte é um bem comum entre os povos indígenas, presente em pinturas, grafismos, tipos de artesania, mas havia uma lacuna a ser preenchida, ainda não se tinha visto a moda representada por eles, foi assim que Rodrigo percebeu na moda a possibilidade de fazer desse espaço algo político, de falar sobre inquietações, sobre o futuro. Ao pensar na indústria da moda, o artista defende que ela seja circular, de modo a permitir que pessoas indígenas estejam em todos os campos dessa cadeia, não somente como uma representação em uma passarela, mas ter maquiadores, estilistas, pessoas compondo essa cadeia criativa. As vestimentas e desenhos croquis de Rodrigo Tremembé falam sobre diversidade, sobre trazer corpos reais, a moda é como um arco e flecha em que ele vive mirando em alvos assertivos, buscando melhorar a sociedade, que foi e continua adoecida pelo colonialismo, conforme declarou.
O trabalho autoral de Rodrigo Tremembé é direcionado para a cultura de seu Povo. Ele está desenvolvendo sua segunda coleção, Torém, que é uma dança realizada em círculo e acompanhada por cânticos na língua materna Tremembé. Os cânticos são sobre a fauna e a flora, por isso a coleção propõe referenciar cada cântico com uma vestimenta. Navura, sua primeira coleção, lançada em 2023, foi inspirada no momento do Torém, na parte da ritualística em que tomam o mokororó, bebida feita do caju, originalmente Tremembé, da qual a partilham dentro de uma cuia, ajoelhados, em uma roda, reverenciando os encantados (seres espirituais e ancestrais), para trazer limpeza e proteção espiritual. A coleção Navura foi composta por peças que trouxeram elementos como o caju, o cajueiro, a pesca; animais como a tartaruga, o tejo, o tatu, que fazem parte da cultura Tremembé e também da alimentação tradicional.
No ano de 2022, Rodrigo Tremembé teve sua arte exposta na sede da Unesco, em Paris. Uma grande conquista, tendo em vista que ele foi o único brasileiro escolhido entre os 70 artistas inscritos, de diversas nacionalidades. A exposição era sobre justiça climática, práticas de consumo consciente. O desenho de Rodrigo representava o correntão, uma prática de desmatamento ilegal em que dois tratores colocam uma enorme corrente e saem devastando todo um território, os animais que estão naquele ambiente não têm tempo de fugir, é algo muito cruel, e ele pôde fazer esse tipo de denúncia através do croqui de moda, de um desenho que também trazia referência de um indígena com os cabelos cacheados para mostrar essa diversidade que existe no Brasil.
O slow fashion, termo comum na língua inglesa, é entendido no Brasil como moda lenta, mais devagar, explica Rodrigo, e é o método escolhido e utilizado por ele em suas criações, já que suas roupas contam história: “Minha proposta é valorizar as pessoas que desenvolvem esse trabalho dando dignidade e respeito ao tempo de produção, se contrapondo a esse sistema capitalista e consumista, em que o modo de se vestir das pessoas é muito pautado em tendências que costumam ser passageiras. É uma produção que tem o cuidado com a forma de pensar vestimentas e também de executá-las. Então, nesse ponto, tem algo de sustentável, o respeito com as pessoas que produzem, o tempo e as histórias que essas vestimentas levam. Elas não são efêmeras, são feitas para durar”, pondera Rodrigo.

O uso de materiais em suas criações, por exemplo, é de maior qualidade, mais sustentáveis, evita-se o poliéster, dá-se preferência a tecidos que tragam uma base de algodão, e junto a isso elementos que fazem parte de sua cultura, como as sementes de bilro, utilizadas nos fechamentos das roupas. A partir da birreira, palmeira que produz o bilro, utilizam-se as sementes para o fechamento dos botões, e também acessórios, como argolas feitas para calças e o próprio linho da birreira, que serve para fazer crochê, renda. O trabalho de Rodrigo Tremembé é pautado na sustentabilidade e isso está relacionado até na forma de entrega de seus produtos. As embalagens são ecológicas, algumas reaproveitadas, evitando plásticos e fitas adesivas. O produto é pensado e produzido, levando em conta práticas sustentáveis, até o momento em que chega ao cliente, ou seja, existe todo um pensamento para se ter uma boa prática de consumo.
“Pensar sobre o futuro exige olhar bastante para o passado, é uma ponte ligada, passado, presente e futuro. Todos os meus processos criativos levam em conta a ancestralidade, aquilo que nos antecede é meio que uma flecha puxada pra nos lançar mais longe, a reverência, respeito pelos que me antecederam, nossos ancestrais, eu venho de uma linhagem de pessoas que tiveram uma resistência, uma luta muito grande para que eu pudesse hoje estar ocupando alguns espaços, e que não permitiram que nossa voz fosse silenciada totalmente”, explica Rodrigo.
Produzir moda indígena é algo ancestral. Pensar um futuro onde as novas gerações indígenas enxerguem a possibilidade de ocupar espaços, que antes eram inimagináveis por elas, é enxergar o indígena dentro de um contexto moderno: sua forma de existir, de pensar, de viver. As roupas criadas por Rodrigo nos contam histórias, suas vestimentas são parte de nossa identidade, ele acredita que sua arte “veste corpos e refloresta mentes”, conforme afirmou, defende que é preciso melhorar o mundo, adormecido e adoecido, que precisamos colocar mais o pé no chão, caminhar levemente e saber entender o tempo da terra e da natureza.
Para conhecer o trabalho de Rodrigo Tremembé, acesse: @rodrigo_tremembe
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