Moara, brasiliense, 27 anos, filha de artistas que também são de Brasília e que irá nos contar, de um jeito muito particular, sua trajetória na música. Acho que mais do que isso. Moara vem nos contar como fez de alguns momentos de sua vida música.
Moara tem 2 EPs lançados. EP, como li outro dia, é o filho do meio, pois está entre o single e o álbum ou o disco. Os EPs de Moara têm, por exemplo, 5 e 6 canções respectivamente. São eles: De Peito Aberto, lançado em 2018, e Do Começo ao Fim, de 2019.
Paola Antony – Moara, a ideia do Cumbuca é conversar sobre você: a Moara artista, pessoa, mulher, e também dar uma passeada pelo seu trabalho, suas canções, suas invenções e, ao juntar conversa e música, conhecer um pouquinho de você, nos aproximarmos da sua criação, saber quem é a Moara.
Moara – Eu sou cantora e compositora, mas, antes da música, eu já trabalhava com produção. Comecei aos 17 anos, como voluntária, e fui conhecendo a parte de trás. Antes de tudo isso, eu sou filha de uma atriz e de um fotógrafo. Meu pai, tudo que ele puder ser ele é. É um leitor apaixonado e tudo que vem disso ele é. O meio das artes sempre esteve perto, talvez perto demais, a ponto de eu ter um certo medo no começo e não querer.
Paola Antony – Como você superou esse medo, Moara, e passou a se dedicar às artes, à música? Do ambiente familiar favorável para a música, como aconteceu?
Moara – Eu fugi por um tempão e conheci a música quando estava estudando para o vestibular da UnB e precisava de alguma coisa que acalmasse um pouco a minha cabeça. Estava tudo muito intenso naquela época. Foram 6 meses de cursinho e, junto, comecei a fazer canto para me acalmar, relaxar, e gostei. A aprovação na UnB em Administração chegou com meu entendimento sobre a música. Pensei: "Putz, tanto tempo fugindo para descobrir que gosto bem na hora que entrei pra UnB. E agora?".
Paola Antony – O canto acabou pesando mais na balança, foi isso?
Moara – Basicamente cantar me fazia bem. Eu acho que era muito mais sobre isso. Eu tinha mil paranoias. Quando você é criança, adolescente, e mesmo adulta, fora do padrão, sempre há um monte de coisas na nossa cabeça que não para de fervilhar. Acho que qualquer coisa que o faça se sentir menos diante da sociedade faz com que sua cabeça não pare. Minha cabeça não parava, nunca. E, quando eu cantava, parava. Não era: vou cantar para as pessoas me ouvirem, era: vou cantar para minha cabeça ficar em silêncio.
Paola Antony – Moara, você se incomoda em me disser o que a fazia se sentir fora do padrão naquela fase da juventude a que você se referiu?
Moara – Eu sempre me senti deslocada por ser gorda. Nem sempre por ser vista como uma pessoa não branca, até então, mas, um dia, uma coisa específica reverberou na minha cabeça como uma grande confusão, quando fui apresentada para uma pessoa e ela me chamou de encardida. Ali surgiu uma questão: o meu lugar como uma pessoa não branca. Eu me declaro negra, porque assim é que eu me vejo. E a questão do corpo gordo no mundo. Para mim sempre foi. Eu olho para as minhas fotos antigas e vejo que nem sempre fui gorda, olho e penso: "Putz, se alguém tivesse me dito". Então, no fim das contas, eu sempre me vi como uma pessoa gorda, e isso me fazia não ter coragem de falar, não ter coragem de sair, de me expressar. Ia para as festas, via as pessoas dançarem, mas não dançava, e essa é uma dificuldade que tenho até hoje. Coisas que me impediam como se fossem amarras invisíveis e silenciosas. Nem sempre estava explícito, mas eu ficava com essa paranoia. Alguém fazia alguma coisa errada e eu pensava: não vou desaprovar essa pessoa, porque, se eu falar, ele pode responder, mas você é gorda.
No fim das contas, era tão surreal, não tinha sentido nenhum me agarrar nesse único fato. Acho que, de todas as minhas percepções do mundo, esse problema com meu corpo sempre foi o que mais me paralisou.
Paola Antony – Moara, e a composição, de onde vem?
Moara – Eu tinha coisas na cabeça. Eu tive uma professora bem maluquinha. O nome dela é Diana de Carvalho. Ela falava assim: "Cara você é tão doida que, se eu consigo ver essa loucura toda na sua voz, com certeza, há alguma coisa muito doida na sua cabeça". E eu ficava nessa: "Que será que eu tenho de dizer?". E aí eu me apaixonei e, apaixonada, as coisas fluem. Eu pensava: de repente vou conseguir conquistar essa garota com essa música. Não consegui, mas fiz minha primeira música (risos). Ela é uma carta à capela, vou dizer assim, nunca foi musicada e, quando percebi que não ia conseguir conquistá-la, fiz um trechinho assim: “Diz do que me serve ser tudo que te faria feliz, se tudo que sou não basta pra ti. Por que não basta, por que não basta, me diz”.
Paola Antony – Moara, como foi a decisão ou o processo de gravação do seu primeiro EP, o De Peito Aberto?
Moara – Eu me sabotei por um bom tempo, mas, quando decidi, decidi, e eu estava focada. A gente ensaiava e foram grandes parcerias, foram pessoas que acreditaram. Eu não contratei minha banda, nós somos parceiros, porque eu não tinha como pagar para ensaiar, o dinheiro que eu tinha era para gravar o EP. Essas pessoas acreditaram em mim e nós fomos juntos, não tem outra. Quando um baixava, o outro puxava, "vamos, vamos", e foi um processo muito intenso e rendeu frutos muito legais para todos. O EP acabou parando na Folha de São Paulo.
Paola Antony – Quem são eles, Moara?
Moara – Paulo Chaves, Isabella Pina, Vitor Barbosa, Pedro Barbosa, Tufas, Gabriel Migão.
Paola Antony – E a pegada do segundo EP, Do Começo ao Fim, como é que você chegou nele?
Moara – Eu acho que esse segundo EP é pura e simplesmente sobre mim. Eu não sabia se faria ou não o disco, porque foi preciso ter confiança, coragem, para gravar um disco todo no meu quarto, com equipamento caseiro, gravado com meu irmão e um amigo. No fim das contas, foi isso, sinto que Do Começo ao Fim não era o esperado, também não era o esperado por mim, mas ele continua fiel e surpreende, porque é basicamente o que eu sou. Não teria como ser fiel, porque a minha proposta é ser verdadeira comigo.
Eu não sabia até que ponto queria compartilhar minha vida assim, pois o disco é muito íntimo, em todos os aspectos, da capa aos arranjos que foram feitos por nós três, dentro do meu quarto, num processo só nosso. Mixagem e masterização não foram para um estúdio gringo, foi meu irmão quem produziu e que também está tocando e, mesmo nunca tendo masterizado e mixado, falou: "Eu vou dar conta, não vai sair daqui e a gente vai manter essa ideia de que é nosso. Se você precisa se curar disso, a gente vai se curar junto".
A entrevista completa de Moara para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no Soundcloud da Rádio Eixo.
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