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Paola Antony

Larissa Umaytá


Larissa tem uma história com a percussão desde o berço, uma história bem bonita. Ela nasceu e cresceu em torno de pessoas importantes para a nossa cidade e que fizeram e fazem muito pela cultura popular de Brasília.

Larissa Umaytá – A minha história começa por causa da percussão em si. Eu não sei se você sabe, mas meu avô é o Seu Teodoro Freire, que trouxe o Bumba-meu-boi do Maranhão para cá, para Brasília. Então, a gente — e quando eu falo a gente, falo eu, minha família, meus primos — cresceu nesse universo da percussão popular, da cultura popular em si. Nos ensaios do Boi, a gente sempre estava e todas essas tradições mais famosas do Maranhão estavam ali, naquele meio, no Bumba, que é o Centro de Tradições Populares. A gente teve muito contato com o tambor de crioula, com o Bumba-meu-boi, com o cacuriá, que também é uma tradição maranhense, e muito contato com as tradições religiosas maranhenses, como as ladainhas, os festejos de São João, de São Sebastião, todos esses movimentos, todas essas festas eram sempre muito movidas a percussão.

A maioria desses grupos tradicionais é formada só por percussão e voz, geralmente não há instrumentos harmônicos ou melódicos. Existem grupos que têm, mas a maioria não tem. A gente cresceu nesse universo e recebia muitas visitas, apresentações de outros grupos, como de maracatu, Seu Estrelo visitava muito o Boi, havia muita quadrilha, muito forró, muita coisa e, fora isso, como eu falei, meu pai, como meu primeiro professor, que eu considero, tocou muito tempo na noite, e a minha família também gostava muito de samba, de pagode, e as festas eram sempre muito regadas a roda de samba, então cresci realmente nesse universo da percussão. As pessoas perguntam, quando que a música entrou na sua vida? E eu digo que, na verdade, eu entrei na música, eu entrei na vida da música, a música sempre esteve ali e eu só nasci ali. Eu falo que tive muita sorte, realmente é um privilégio muito grande ter nascido nesse universo da cultura popular, da música popular brasileira.

Paola Antony – E como foi a sua expansão? Você é muito ligada ao pessoal do Clube do Choro, por exemplo. Como você foi abrindo caminhos?

Larissa Umaytá – Na minha adolescência, mais ou menos com 16 anos (hoje eu tenho 29), cheguei a tocar num grupo de pagode de Sobradinho chamado Samba 10, tenho muita gratidão pelo Samba 10. Foi meu primo que saiu do grupo e me indicou e fiquei nesse grupo até os 19 anos, por aí.

Terminei o ensino médio e entrei na universidade para Artes Visuais, porque, por incrível que pareça, eu não queria viver da música, não entendia que a música, um dia, poderia ser minha profissão. Eu entrei e tocava ao mesmo tempo, e o universo do pagode, do samba, é sempre na noite, né? E a noite é sempre desgastante, ela suga muito da gente e, como eu tinha esse objetivo de fazer a faculdade, a noite me atrapalhava e eu tive de fazer uma escolha e acabei saindo do grupo e, o mais louco, como naquela idade a gente não sabe muito o que quer, acabei saindo da faculdade também.

Tempos depois, já trabalhando como caixa de banco, esse mesmo primo me chamou para tocar com o grupo Maracangalha, num bar chamado Maracanã, que ficava na 207 norte, e, a partir desse dia, não parei mais de tocar. A diferença é que no grupo anterior eu não recebia nada para tocar e nesse passei a receber cachê, a conhecer pessoas da música, principalmente ali do Plano Piloto, lugar que rola esse movimento da música como profissão, uma valorização maior do músico. Observando esse movimento, me dei conta de que precisava estudar, porque eu não sabia ler partitura, por exemplo. Não podia acompanhar outros músicos como eles faziam. Conversei com alguns desses amigos para saber qual seria a solução e eles falaram: "Vai para o Clube do Choro, vai para a Escola de Choro", e aí foi a mudança, mudou minha vida. Eu entrei em 2012, fui bolsista da escola e lá deparei com o pandeiro de couro, que hoje é o meu instrumento, que eu amo de paixão, que é o instrumento que mais pesquiso, mais estudo. O Clube do Choro foi o divisor de águas, foi ali que dei início à minha trajetória profissional e enxerguei que, sim, eu poderia viver da música, trabalhar com música, que a música era tudo que eu imaginava que não pudesse ser.

Paola Antony – Larissa, e o fato de você ser mulher, mulher e instrumentista? Eu tenho gostado de saber um pouco sobre as dificuldades ou não de uma mulher no mundo da música, em especial se ela não é cantora, porque para a cantora a gente sabe que o cenário é mais favorável, mas e para a instrumentista, para a percussionista, para você?

Larissa Umaytá – Eu acredito que exista um movimento muito forte de mulheres buscando a profissionalização, a música. Na época em que entrei no Clube do Choro, havia muitas mulheres, mas muitas também desistiram no meio do caminho. Acho que essa falta de mulheres é também falta de incentivo de fora, de elas não se sentirem tão incentivadas a tocar, a estar na rua, na noite e, quando eu entrei na escola, senti isso, não vou mentir. Eu fui uma vítima do machismo, do questionamento. "Será que ela toca mesmo? Vamos chamar a Larissa? Mas ela é mulher, será que ela toca?". Já ouvi isso. Meus parceiros já me falaram isso. "Larissa, a gente ia te chamar para fazer tal coisa e as pessoas perguntavam: 'Ah, mas será que ela toca'"? E eles falavam: "Véi, ela toca!".

É que a gente, enquanto mulher, é vista em lugares que as pessoas querem que a gente esteja. A gente, artisticamente. é vista em cima do palco, cantando, segurando o microfone, tocando flauta. Isso rola muito, tanto que, quando eu chegava a algum lugar para tocar, as pessoas me perguntavam: "Você é cantora?"; "Ah, você está acompanhando alguém?". "Não. Eu vou tocar, eu sou percussionista". "Percussionista? Uma mulher percussionista? Não, nada contra". E aí eu ficava sem saber, isso é o quê? É um elogio? Então, a gente é vista, muitas vezes, onde estão acostumados a ver a gente.

Mesmo lá, no Bumba-meu-boi do Seu Teodoro, quando eu era criança e meu avô era o dono do grupo, as pessoas não me deixavam tocar, porque eu era mulher, mas eu entendia que eu ia tocar, sim, porque eu queria e me sentia capaz e tive de lutar para chegar e tocar naquele grupo que era da minha família. As pessoas falavam: "Não, você é mulher, você tem de dançar, e não tocar". Isso acontece. Então, hoje, como uma mulher percussionista, eu falo que não aceito só ter os homens nos livros de história da música. Eu vou trabalhar para estar lá também e, mais que tudo, mostrar para minhas amigas, minhas parceiras, para quem me admira, que é possível, sim. E isso não é mais uma questão pessoal, é uma questão maior.

Paola Antony – Larissa, e daí para o disco Um Pandeiro Mais Um, como você pensou e chegou a ele?

Larissa Umaytá – O Um Pandeiro Mais Um era um projeto audiovisual que esteve no ar no ano de 2019, em que eu queria mostrar que o pandeiro é um instrumento capaz de tocar todos os ritmos. Chamei meu parceiro e amigo Rodrigo Bezerra, que, além de músico, trabalha com audiovisual, e falei para ele que queria chamar as pessoas que eu admiro. Todas as pessoas que eu chamei para participar do disco são meus ídolos. São pessoas que eu ouvia antes de ter a oportunidade de trabalhar e, como eu sou muito sortuda e privilegiada, eles toparam. Quando terminou, pensei em colocar as músicas nas plataformas e coloquei, deu certo.

Paola Antony – Larissa, além do disco Um Pandeiro Mais Um, você tem uma série de parcerias com outros artistas. Quais são elas ou, pelo menos, quais você destaca?

Larissa Umaytá – Há o disco com o próprio Rodrigo Bezerra, que é o Duo Umbê. A gente gravou um disco em 2019. Há o disco da Letícia Fialho e a Orquestra da Rua, que foi o primeiro disco que eu gravei com a Letícia. Há discos de fora, como o disco da Marina Iris, que é uma cantora do Rio de Janeiro que me convidou para participar. O Marcus Moraes, que acabou de lançar seu último disco, que se chama Música para Bebês, me chamou para gravar duas faixas, e o último trabalho que tive oportunidade de gravar, de que fiz também a direção musical, que é o disco do Bumba-meu-boi do Seu Teodoro, que se chama O Legado do Sonho de uma Criança, que a gente gravou no ano passado com a parceria da Rosa dos Ventos.

Paola Antony – Larissa, querida, muito obrigada por esse encontro, por essa conversa maravilhosa, superinspiradora.

Digo que, a partir de agora, sua música estará sempre em nossa programação, a sua e a desses artistas maravilhosos que eu venho encontrando, para que a Rádio Eixo seja cada vez mais um espaço para o artista independente e de Brasília, ou seja, um espaço de apresentação de vocês.

O Cumbuca tem os trabalhos técnicos de Santana Sam e o patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura – FAC.


A entrevista completa de Larissa Umaytá para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.




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