Novo álbum de Vavá Afiouni apresenta parceria entre ele e o filho, Bento, de 7 anos de idade.
Paola Antony
“Está Tudo Bento”, nome do recém lançado álbum do contrabaixista e compositor brasiliense Vavá Afiouni, revela o universo infantil de Bento a partir da observação sonora que o pai faz da vida do filho durante a primeira infância. Um trabalho de sensibilidade musical e afetiva que resultou em oito canções que alegram a vida de toda a família.
Sobre essa investigação sonora e amorosa, deste que é seu quinto álbum autoral, o próprio Vavá Afiouni é quem nos conta.
Paola Antony – Vavá, tenho escutado seu álbum e, como também te acompanho pelas redes sociais, percebo que você tem uma relação bem próxima com seu filho, a tal ponto de virar um disco. Conta pra gente: como foi que surgiu a ideia do álbum?
Vavá Afiouni _ Desde que ele nasceu eu já faço músicas com os barulhos que ele faz. Chorava, por exemplo, se eu achava legal, já gravava, fazia uma música. Então esse é um trabalho que vem sendo maturado e desenvolvido desde que ele nasceu. No começo era só música instrumental. Eu filmava, mas hoje como ele já fala algumas coisas eu consigo lembrar depois. Mas no começo eu tinha que filmar. Ele gemendo ou chorando ou tentando falar e eu filmava aquilo e quando achava interessante eu arranjava os instrumentos em cima daquela melodia, que ele tinha sugerido. Com o tempo, nos comunicando melhor, eu perguntava: Ah filho, como é que o Baixo faz? Aí ele fazia da cabeça dele, como era o som de baixo, e eu achei super legal. Coloquei no baixo o que ele estava cantando e produzi um material, uma música. Isso ele tinha um ano e meio.
Paola Antony_ Vavá, tem uma música do disco, que talvez seja uma das minhas preferidas, que é “Toda Criança”. Me deu a impressão de estar vendo a sua criança compondo aquela música. Eu acho que eu gostei disso (risos).
Vavá Afiouni_ Essa música traduz bem o que eram as nossas rotinas, porque as rotinas já se alteraram diversas vezes. Mas na época em que ela foi feita, era bem isso: acordar, colocar o moleque nas costas, sair para ver o sol ali fora. E ele tem uma fotofobia, mas que passa rapidinho. Ele entra no sol, começa a espirrar e de repente já está correndo. E isso sempre acontece com ele. Então tinha todo um processo as nossas manhãs. Sai, bota nas costas, espirra, encontra com o cachorro, depois com as galinhas e aí dá milho, aquela coisa bem chacareira. Essa música veio falando disso, dessa nossa rotina e daquilo que eu te falei agora a pouco de eu observar esse comportamento dele, como sendo o de toda criança. Por isso que eu falo: toda criança deve ser feliz assim, porque o Bento vive num estado de felicidade. Você olha pra ele e fica feliz na hora. Ele está sempre, sempre não, ele tem seus momentos, mas ele é um menino muito feliz, pelo menos ele aparenta isso, o que deixa a gente muito feliz também, saber que o filho está indo bem. E a gente fica falando que não faz nada demais. Tudo que a gente faz a gente gosta, de estar ali com ele, gosta de ensinar o que a gente sabe, gosta de aprender o que pode ser melhorado e tudo mais. E o simples fato de a gente fazer esse “nada demais”, o que deveria ser nada demais, deixa ele eufórico.
Paola Antony _ Você fez esse disco para que as crianças escutem, ou não necessariamente?
Vavá Afiouni_ Não necessariamente. Na verdade, ele veio vindo como todos os meus discos anteriores. Esse é o meu quinto disco solo. Começou como um disco normal, só que na medida em que as pessoas foram ouvindo, inclusive depois de lançado, vieram conversar comigo. Cara, isso é um disco infantil e bota pra frente como um disco infantil, porque tem umas mensagens muito legais. Nessa música mesmo que você falou, Toda Criança, tem uma frase que fala “O au au latiu feroz, porque ele pensa que tem que botar medo em quem não tem medo de nós”. Eu tenho um amigo músico que me ligou e falou: cara essa frase é sensacional! As crianças precisam ouvir e os pais também. Encheu minha cabeça com isso e eu acabei me abrindo para esse universo de trabalhos infantis. Eu até já tinha feito umas músicas para um disco infantil, mas de outra pessoa. Essa foi a primeira vez que a coisa bateu em mim de conversar com criança.
Paola Antony_ Eu, ouvindo o disco, percebo que a mensagem infantil é muito clara e muito lindinha.
Acho também que a forma como você constrói a música é complexa, você fez arranjos elaborados.
Vavá Afiouni_ Sim, sim. Olha, se você pensar, as músicas infantis que a gente gostou e gosta são muitíssimo elaboradas. A gente está falando de Chico Buarque, de Vinícius de Moraes, né? Na verdade, eles tinham muito mais paciência do que se tem hoje em dia para elaborar uma canção, músicas com orquestra. A minha referência são as músicas que eu ouvia. Não são as músicas que as crianças ouvem e nem são essas músicas que tocam lá em casa. A gente não bota nenhuma pressão para que seja assim. É uma coisa bem natural. Eu tenho as músicas que eu gosto de ouvir, a Suzana tem as dela, o Bento tem a playlist dele que é meio que um somatório do que o pai escuta, com o que a mãe escuta, sabe? Não tem música mais comercial para ouvir. A gente nem sabe quais são as que estão na moda. E nem ele. Na escola parece que ainda não pegou essa coisa de música. Então ele escuta as mesmas músicas que a gente escutava, eu coloco pra ele Arca de Noé, Saltimbancos que é maravilhoso.
Paola Antony – Outra coisa que percebi é que algumas músicas não são muito infantis. Impressão minha? O que vc acha disso?
Vavá Afiouni _ Sim, com certeza. Até porque tiveram duas músicas que eu fiz inteiras, pensando no trabalho, outra pensando no próprio Bento. Uma que se chama “ Meu Pai”, que é um blues. Fiz pensando no meu pai, em mim enquanto pai, no Bento enquanto filho, numa coisa de apego. Estávamos só nós dois em casa e ele brincando com as coisas dele, mas toda vez que eu pegava o violão ele vinha pra cima, com ciúmes do violão. Então eu propus uma troca: depois eu vou brincar contigo, mas enquanto a ideia estiver na minha cabeça você compõe comigo e me ajuda a fazer uma letra e com a música. E aí esta filmado isso. A gente fica lá até sair uma música completa. E ficou lindo. Tem referência do meu pai também. A música começa com um chiadinho de vinil que é uma memória afetiva que eu tenho do lance com meu pai, ele tem um quartinho do som, e tal. E uma outra música, que chama “Cantiga de Acordar” que é mais uma coisa de pai assim: Ah filho está tudo legal, tudo bonitão, mas eu tenho que te falar que não é esse oba oba, não. Vamos lá. E aí a música é bem em cima disso. Então são duas músicas que não partiram dele e sim de mim, para ele.
Paola Antony_ Vavá, a música que abre o disco chama-se Dinossauros e você fez inclusive um clipe com ela, não foi?
É, Dinossauros é a que mais pegou do disco. Acho que é pela roupagem da música, que lembra Baiana System, então tá bem em voga. Para mim, ela é uma síntese bem interessante do trabalho, tanto que ela abre o disco e começa com o Bento tocando e termina com o Bento tocando na gravação que a gente fez. Ela, eu acho muito legal, porque a letra é bem dele mesmo. Eu deixei, sem querer, ele assistir o jornal na TV, comigo. Cheio de acidentes, trevas e não sei o que lá. Aquela coisa. E ele: papai está todo mundo triste na televisão. Chorando, tem briga. E eu falei: pois é filho, o mundo é doidão mesmo. E não sei te explicar porque está acontecendo isso. Pô você não devia nem estar assistindo isso. E aí passa um tempinho, ele está na varanda, do lado de fora falando “planeta terra, dinossauros já morreram e vocês aí de boca aberta”. Na hora que ele falou isso eu interpretei dessa maneira que eu coloquei na música algo como a tanta coisa já aconteceu e esse povo não consegue aprender. O disco é todo baseado nessa onda de tipo ele fala uma coisa ou canta e eu fico impressionado, pai babão – meu filho é um filósofo! (risos). E ele é deficiente auditivo assim como eu. Então várias dessas coisas eu consigo entender com um pouco mais de clareza. Porque ele tem essa parada de ficar mais no cantinho dele, viajando, principalmente se tiver muita gente perto, que é a mesma coisa que eu fazia. Você não consegue se comunicar diretamente com muita facilidade e aí você acaba criando universos. Comigo deu certo, para composição e acho que ele está indo nesse caminho também.
Paola Antony – Vavá, a capa do Tá Tudo Bento tá uma graça. Que linda!
Vavá Afiouni_ Aquela capa foi produzida pela Flávia Motta que é uma aquarelista daqui e ela é muito cabulosa, pelo amor de Deus. Depois você entra na rede dela. Ela tem muitos trabalhos. Ela expõe e ela pinta demais! É um trem de doido. E a capa partiu de uma foto que eu tirei com minha câmera. O Bento estava na minha corcunda e eu tentando tocar baixo. Aquele mesmo processo daquela outra música que eu te falei. Ah você não vai me deixar estudar então vem tirar uma foto comigo, vamos tocar juntos. Aí tiramos uma foto que é essa do desenho. E a foto ficou muito legal. Ela é tosca, uma foto de telefone, mal tirada, mas mesmo assim ficou linda. A Suzana quando viu, deixou cair outra lágrima. E aí mandamos ela pra Flávia e ela fez a ilustração. Uma curiosidade é que o pijama do Bento, ela fez com lupa. Os monstrinhos não existiam no pijama original e ela falou: eu preciso colocar alguma coisa nesse pijama e desenhou monstrinhos minúsculos com lupa. Muito doido. É um trabalho de muita precisão, muito detalhe. Tá louco. Fazer música é fácil demais. Mas eu tenho esse orgulho também, de que todas as capas dos meus discos solo, eu acho incríveis. Sempre dei a sorte de ter pessoas muito boas por perto.
Paola Antony_ Altiplano é linda também. É um sol, não é?
Vavá Afiouni_ Altiplano quem fez foi um artista que é meu irmão. André Santangêlo. Eu sou fanzoca dele. Ele é maravilhoso. Sensacional.
Paola Antony_ Vavá, falando nisso, você lançou o Altiplano ano passado, não foi? Você mora lá, né? E eu achei legal porque nele você trouxe muitos parceiros para cantar com você, pra tocar...
Vavá Afiouni _ O “Altiplano” já veio daquela onda da pandemia. Foi um disco produzido durante a pandemia. A gente nem podia se encontrar. Foi um disco produzido a distância. Engraçado é que ele talvez seja convergente com aquilo que falei a pouco, do deficiente auditivo mais no cantinho, meio isolado. Porque diante daquele pandemônio que foi a epidemia, o isolamento fez com que a cabeça girasse mais. Mais rápido, talvez. Eu estava numa explosão de criatividade, pensando muita coisa, querendo fazer muita coisa, não podendo fazer a maioria delas e esse disco veio nesse contexto. Tanto que é um disco muito difícil de tocar. Tem que ensaiar muito com a banda. As músicas são complexas. Tem ritmos muito complicados no disco. Então ele foi bem isso, eu gastei tudo que tinha na minha cabeça naquele momento. Porque no Tá tudo Bento, por exemplo, mesmo você falando da complexidade dos arranjos, eu tomei todo cuidado pra ele ficar mais leve, que é um pouco avesso a minha personalidade. Em todos os meus discos tem muita informação. As vezes tem uma letra super complicada, com um arranjo super complicado no fundo e ninguém entende nada e é isso mesmo. Eu tinha que fazer daquele jeito. E o Altiplano é bem assim.
Paola Antony_ Vavá tem alguma música desse disco, Altiplano, que você goste mais ?
Vavá Afiouni _Na verdade várias delas, porque como que disse, foi uma “gastação” neurológica absurda fazer esse disco. Eu tive que estudar muito para executar e tive que conversar muito com as pessoas. Mas a primeira música que chama “Quando se Despede o Sol”, com participação do Samuel Mota do Munchako e do Tiago Cunho na batera. Somos só nós três e acontece muita coisa nela. Pra mim ela é meio gospel, tem aquela coisa do rei leão quando sobe a montanha, aquela apoteose. (risos)
Paola Antony_ Agora é colocar o disco pra frente.
Vavá Afiouni_ É. Teve um lançamento no COMA que foi super legal. Já tem o próximo marcado e estamos vendo várias outras coisas, inclusive várias delas relacionadas ao universo infantil mesmo, de tocar em esquemas para crianças, famílias. É um álbum de família, produzido por padrinhos, pai, mãe, tem avô, tio, um monte de primos cantando em uma das músicas também. Então é isso, colocar esse álbum de família pra frente.
Paola Antony_ Nossa Vavá você falou isso, álbum de família e caiu a ficha. É isso esse álbum. É um disco que você pode ouvir, pode a criança ouvir. Você criou uma música que agrada a família, inclui a família.
Vavá Afiouni_ É bem por aí. É como eu estava falando antes, tem muita música infantil ruim, né? Desculpa, não queria falar que tem música ruim, mas músicas em que os pais não se identificam da mesma maneira que os filhos e se você tem uma que agrada os pais, e os filhos, estabelece uma conexão entre eles e aprimora o processo. Fica muito melhor do que falar de universos distintos. A gente está querendo é costurar, aproximar, se entender. Eu chamo o Bento de professor não à toa, é ele me ensina essas coisas. Eu estou aprendendo com ele. Às vezes na marra, às vezes de um jeito mais sutil, mas ele está sempre me ensinando.
Paola Antony_ Adorei! Vavá, que delícia conversar com você. Fico feliz de ver coisas boas sendo produzidas. Obrigada por aceitar o convite de vir aqui, conversar com a gente. Muito sucesso sempre! Conte com a gente, com a Rádio Eixo.
Vavá Afiouni_ Já conto. Obrigada Paola. Valeu demais!
A entrevista em áudio com Vavá Afiouni e músicas dos álbuns Tá tudo Bento e Altiplano estarão no Programa Cumbuca do dia 30 de agosto, a partir das 18h.
Também podem ser ouvidas no link :https://soundcloud.com/radioeixo/ta-tudo-bento
O álbum “Tá Tudo Bento” está em todas as plataformas de streaming.
A Rádio Eixo conta com o patrocínio do FAC – Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal
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