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AS DOUTORAS - França Júnior

Paola Antony

Atualizado: 16 de fev.





ROTEIRO


  • VINHETA DE ABERTURA – campanhinha toca três vezes

  • VOZ DE ABERTURA – PAOLA – “A RÁDIO EIXO APRESENTA EIXOENCENA”

  • BG -  “Mambembe” Chico Buarque (versão Chico e Roberta Sá)  trilha sonora de fundo. Rubrica para o sonoplasta (Colocar o som da música tal como pano de  fundo da voz do narrador...  bem baixinha)

  • SONOPLASTIA – DUAS CAMPANHINHAS


TIAGO

Narrador (rádio novela) – Olá ouvintes, este é o programa EIXOENCENA. Uma série de Rádio-Teatro que fará ao longo deste ano, uma homenagem ao Teatro Brasileiro do séc. XIX e ao Teatro de Brasília. Eu sou TIAGO DE CARVALHO e o nosso dramaturgo deste mês é “FRANÇA JÚNIOR”. O elenco do programa EIXOENCENA é formado por mim, pela atriz LÍLIAN ALENCAR, pelo atriz KARLA CALASANS, e grande elenco. Neste TERCEIRO programa temos uma cena da peça: “AS DOUTORAS”


BG: Mulher (sexo frágil) com Erasmo Carlos começa a tocar  e depois o narrador começa a cena...


Narrador (rádio novela) – A peça “As Doutoras” é a primeira obra de nossa dramaturgia que trata das questões feministas. Neste primeiro diálogo vamos ver a senhora Maria Praxedes e sua filha recém doutora em medicina Luísa o que nos dá uma demonstração desse embate entre um passado que começava a ser criticado sobre a posição da mulher submissa ao patriardcado e um futuro das discussões sobre as liberdades necessárias às mulheres. 


SONOPLASTIA: UMA CAMPANHINHA


LUÍSA (KARLA) (Entrando.) — Bom dia, minha mãe!

MARIA (LÍLIAN) — Luísa, há uma semana que não me apareces, vim vê-la

LUÍSA — Não tenho um minuto de que possa dispor minha mãe, esta vida de médica não é uma brincadeira...

MARIA — Quando se quer ver uma mãe, minha filha... se arranja tempo

LUÍSA — É que a mamãe não imagina, nem pode imaginar o que é a vida da médica, já te disse.  Estou visitando doentes desde as seis horas da manhã. Olha esta lista e veja a via-sacra que tenho de percorrer ainda hoje.

MARIA — És na verdade muito feliz na tua clínica!

LUÍSA — Estou formada há um ano e quatro meses, posso dizer com orgulho que neste curto espaço de tempo tenho feito mais que todos os meus colegas juntos.

MARIA — Pena é, entretanto... que

LUÍSA — Já sei a que vai se referir. Às lutas que se dão aqui nesta casa entre mim e meu marido. O que quer a senhora? Tenho eu porventura a culpa de que ele procure por todos os meios prejudicar os meus interesses, tomando doentes que são meus, exclusivamente meus?

MARIA — Mas minha filha, há porventura, meu e teu num casal que se estima?

LUÍSA — Há, sim senhora; quando esse meu e teu representa o esforço de cada um. Eu não sou uma mulher vulgar que veio colocar-se pelo fato do casamento sob a proteção de um homem. As coisas estão mundando Sra Praxedes e posso dizer que em  breve mulheres dominarão o mundo. A minha posição no casal é igual, perfeitamente igual à de meu marido sob o ponto de vista do trabalho, ele não é mais médico por ser homem. Mas acima desse ponto de vista há ainda outra coisa que a senhora não quer compreender. Sabe qual é?

MARIA – Ignoro minha filha, fale!

LUÍSA — É a minha personalidade científica, a minha autonomia médica que meu marido tem tentado ofuscar, esconder, não deixar aparecer; mas que eu hei de obrigá-lo a reconhecer, custe o que custar. Custe o que custar, ouviu minha mãe?

MARIA – Ouvintes, vocês ouviram isso? Meu Deus! Mas, Luísa, vocês então não se amam?

LUÍSA — Nos amamos sim, minha mãe, nos amamos muito. É preciso porém que cada um se conserve no seu posto; que as nossas posições se definam; ou por outra, é preciso que meu marido se convença de que eu posso ganhar perfeitamente a minha vida sozinha e de que ele não é mais inteligente do que eu!


Narrador (rádio novela) – Neste momento Luísa sente uma vertigem, e quase cai...


MARIA — O que tens Luísa minha filha?

LUÍSA — Nada, Sra. Praxedes minha mãe...

MARIA – Me dê seu pulso, olha isto. tu estás em suores frios.

LUÍSA — Estou-me sentindo um pouco enjoada... Mas já passou! Já passou!

MARIA — É fraqueza talvez, minha filha. Saíste de manhã tão cedo, sem comer nada.

LUÍSA — Comi ovos, pão e tomei uma bela xícara de café.

MARIA — Não é bastante. Vou ver se há lá dentro alguma coisa para você comer

LUÍSA — Não é preciso. Me deixe agora minha mãe, diga a Eulália, a secretaria e que mande entrar os doentes lá embaixo. Veja que coisa, estou percorrendo todo o Rio de Janeiro para atender os enfermos, Rua das Marrecas, já fui; Praça do Rocio Pequeno, Largo do Machado... 


SONOPLASTIA:  coloca os gritos de uma passeata feminista e gritos de ordem


Narrador (rádio novela) – Logo após esta cena de Luísa uma outra mulher potente, mais uma doutora, a Dra em direito Carlota adentra a casa dos Praxedes. A mesma chega e explicita a condição das mulheres na sociedade brasileira e compara o Brasil aos EUA. Vamos ouvir Carlota


CARLOTA (LÍLIAN) – Senhora e Senhor Praxedes eu entrei subrepticiamente sem me fazer anunciar. Peço Desculpas!

PRAXEDES (TIAGO)– Entre Sra Doutora, me soou estranho a reverência a sra Praxedes primeiro, mas é muito bem-vinda...

CARLOTA - Minha senhora Dona Maria Praxedes, a curvatura de meus respeitos, caro senhor Praxedes. Este é o modelo agora Sr. Praxedes se acostume.

PRAXEDES - Sinceros parabéns pelos triunfos alcançados anteontem no júri. Li em todos os jornais a notícia da sua brilhante defesa. Agora temos mulheres brilhando no direito.

CARLOTA - Foi um debate homérico; com réplica e tréplica, em que derroquei à luz da aurora bruxoleante do Direito moderno, os castelos carcomidos da vetusta legislação, crivados de teorias incongruentes e obsoletas. DATA VENIA, DATA MÁXIMA VENIA, INTERNA CóRPORIS

PRAXEDES - E tratava-se de um caso completamente novo.

CARLOTA - A esposa que surpreende o marido com a amante e que resolve a situação trucidando e matando os dois.  Mas deixemos o júri, a minha defesa, os meus triunfos. O que me traz aqui é um motivo de ordem grandíloqua, elevada e arquicivilizadora. Senhor Manuel Praxedes, apresento-me candidata à Deputação Geral, pelo Município Neutro.

PRAXEDES - Bravo! Bravo! Muito bem! Na política, as mulheres? E deixarão a senhora entrar?

CARLOTA – Tomaremos todos os espaços que um dia a máscula humana acreditou ser somente deles


Narrador (rádio novela) – Maria Praxedes ficou espantada com a petulância da advogada e perguntou assombrada


MARIA (LÍLIAN) - Pois as senhoras querem também ser deputadas? 

PRAXEDES - Por que não? Nos Estados Unidos, as mulheres são caixeiras, empregadas nos telégrafos, nas estradas de ferro, nos correios... são até capitães de navios.

MARIA – Perguntei a ela Praxedes, estou atônita...

CARLOTA - Até bombeiras minha senhora. Amanhã sairá em todas as folhas a minha circular. Nesta peça estereotipo o programa das reformas sociológicas femininas de que pretendo dotar o meu país. Vai ver, fica a mulher equiparada ao homem em tudo por tudo. SERÁ uma revolução.

PRAXEDES – E QUE REVOLUÇÃO, POSSO CRER

CARLOTA - O Brasil está atrasadíssimo na ciência do Direito. Basta considerar que esta ciência não corresponde às aspirações grandíloquas condóricas se é que posso exprimir-me assim...

PRAXEDES - Perfeitamente.

CARLOTA - Do nosso progresso material. O telefone invade tudo, o telefone leva o pensamento às mais longínquas distâncias e entretanto ainda não temos o Direito Telegramático, a Jurisprudência Telefonética.

PRAXEDES - O telefone podia ter acabado com as precatórias...

CARLOTA - Justo. Entrou perfeitamente no âmago do meu pensamento.

MARIA – Ouvintes esta menina conversa como um homem...

PRAXEDES - Quando houvesse necessidade de deprecar de um juízo para outro, para uma avaliação por exemplo...

CARLOTA - O juiz a quo ia ao telefone, o ad quem ouvia...

MARIA – Ouvintes, esta senhora já fala como um deputado, um homem, Deus meu...

PRAXEDES – Grande avaliação menina, você me entusiama...

MARIA – Ouvintes, esta mulher é um general, é um Czar...

CARLOTA - E gritava pelo telefone: está cumprida a diligência. Quanta economia de tempo...

PRAXEDES – E se abolirá papel e burocracia

MARIA – Ouvintes, a mulher não nasceu mais para ser a dona de casa?


SONOPLASTIA:  coloca os gritos de “NÃO” repetidas vezes


CARLOTA – Apoiado senhor Praxedes! Aqui tem já meu cartão para distribuir pelos seus amigos. Peça o voto em mim. Peço-lhe, minha senhora, que advogue também a minha causa; vai nela hasteada a flâmula da emancipação feminina, que hei de defender até a morte com o gládio incandescente do meu humilde verbo!

MARIA – Ouvintes, estamos perdidos?


SONOPLASTIA:  coloca os gritos de “NÃO” repetidas vezes


PRAXEDES (Lendo os cartões) - "Para Deputado Geral pelo Primeiro Distrito da Corte: Bacharela Carlota Sinfrônia de Aguiar, advogada. - Telefone 20282028." Muito bem!

CARLOTA – Deputado não senhor Praxedes, DEPUTADA!

MARIA – Ouvintes, É ISTO MESMO?


SONOPLASTIA:  coloca os gritos de “SIM” repetidas vezes


PRAXEDES – SENHORA DOUTORA ADVOGADA DEPUTADA CARLOTA SINFRÔNIA DE AGUIAR

MARIA – JÁ NÃO SEREMOS MAIS O SEXO FRÁGIL QUE PENA!


BG: Mulher (sexo frágil) com Erasmo Carlos começa a tocar e depois o narrador começa a cena..


LÍLIAN

A peça “As Doutoras” é uma sátira cênica, considerada a grande obra prima DE França Júnior em que aborda supreendentemente uma leitura dialética da posição da mulher na sociedade brasileira do séc. XIX entre a submissão natural ao regime patriarcal e o surgimento das primeiras profissionais formadas e colocadas no mercado de trabalho.  Estamos diante de um espetáculo, considerado por grande parte da crítica o mais  memorável do Teatro Brasileiro do séc. XIX .


KARLA

A peça gira em torno destas duas mulheres Luísa Médica, e Carlota Advogada, doutoras, estudadas, enfrentando o mundo masculino. Quais acontecimentos ainda serão marcantes com estas duas doutoras na peça de França Júnior? O ouvinte poderá ler e descobrir por sua própria conta. LeiammMMMM


TIAGO

Em 1791, a revolucionária Olímpia de Gouges compôs uma célebre declaração, proclamando que a mulher possuía direitos naturais idênticos aos dos homens e que, por essa razão, tinha o direito a participar, direta ou indiretamente, da formulação das leis e da política em geral. Em 25 de março de 1911 um incêndio atingiu a fábrica de roupas Triangle Shirtwaist, nos Estados Unidos. Foi o mais mortal acidente industrial da cidade de Nova York, matou 146 pessoas; 23 homens e 123 mulheres, este mais um marco da luta pelos direitos da trabalhadoras. Dois fatos que nos trazem à tona a atualidade da peça de França Júnior.


LÍLIAN

E assim encerramos o  TERCEIRO  episódio da nossa série: O Teatro de França Júnior  Na próxima  semana teremos  a QUARTA E ÚLTIMA cena, com a peça: “O TIPO BRASILEIRO”. Agradecemos a paciência da querida e do querido ouvinte por terem se colocado com atenção no nosso programa EIXOENCENA.


KARLA

O programa EIXOENCENA é parte do projeto RÁDIO TEATRO, OS FUNDADORES  DO TEATRO BRASILEIRO E O TEATRO DE BRASÍLIA realizado com recursos do FUNDO DE APOIO À CULTURA DO DISTRITO FEDERAL  e como se diz no bom e velho teatro fiquem bem e 

OS TRÊS ATORES JUNTOS: “MERDA PRA TODOS”


BG – Volta “Mambembe” de Chico Buarque na versão original para encerrar o programa



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