Cantora e compositora brasiliense, Ana Reis tem um CD lançado, de nome Quisera Eu, e um DVD, Toda em Si, este lançado em 2017, para comemorar seus 10 anos de carreira.
Gravado ao vivo, o álbum tem Paulo André Tavares e Rodrigo Bezerra, outros dois grandes músicos de Brasília, na produção musical, e direção de vídeo de Ivan 13P. O DVD é uma homenagem a Brasília e sua pluralidade. Apresenta-nos uma mistura sonora com influência de diversos ritmos, como samba, xote, guarânia, maracatu e fado. Além disso, o trabalho destaca o lado compositora de Ana Reis, que assina 8 das 14 faixas.
Já o CD, Quisera Eu, é um disco dedicado ao samba, com músicas autorais e releituras de sambas de nomes consagrados, como Noel Rosa e Geraldo Pereira.
Paola Antony – Ana, como está sua vida nesse momento de pandemia, sua vida e seu trabalho musical?
Ana Reis – Só tenho ideias, e elas não saíram do papel ainda. Bem, maternidade... Eu trabalho como farmacêutica, é meu ganha-pão. Trabalho em hospital, então, eu não parei, minha vida na verdade não teve muita mudança na pandemia. Eu tive a ideia de fazer um disco depois que eu me tornei mãe, mas ainda não consegui executar alguma coisa, sabe?
Paola Antony – Sei. Você não conseguiu em função desse puxadão que é filho pequeno?
Ana Reis – Eu acho que é. Eu mergulhei muito na maternidade. Eu nem gosto de falar, parece que ele vira culpado, na verdade, sou eu mesma, eu dei uma mergulhada e ainda não consegui me ver cantora, transformada, ainda estou me transformando.
Paola Antony – Eu estava assistindo ao seu DVD e observando sua performance no palco — toda linda, toda em si (risos). Você parece muito espontânea, é isso mesmo?
Ana Reis – É um pouco, sim. Na verdade, tive uma professora de canto que era muito rígida, digamos assim, muito disciplinada, austríaca. A Cris Pereira também teve aulas com ela. Ela, um dia, falou para mim: "Vamos ensaiar um pouco mais, porque eu acho você espontânea demais". Na verdade, foi uma coisa negativa que ela apontou na época, porque era uma falta de organização mesmo. Eu tinha um roteiro, mas saía totalmente do roteiro, deixava lá só para ter umas ideias de vez em quando, mas eu sou um pouco mais solta mesmo no palco.
Paola Antony – Pois é, eu a estava vendo e você é muito fluida, muito solta, canta com uma facilidade!
Ana Reis – O contexto do DVD foi bem isso, havia um palco só para mim, não havia muitos adereços comigo, era só eu e os músicos, então, ficou bem isso mesmo, um palco livre. Como não é uma música muito dançante e eu também não sou muito dançarina de palco, tive de fazer aquele vestidão, né? Aquela presença parada, que é um desafio de palco.
Paola Antony – Imagino. Interessante que, quando penso em você, penso no samba, e o samba é outra coisa, que talvez a austríaca não entenda bem.
Ana Reis – Exatamente. Na época eu estava no samba, mergulhada no samba, que foi a minha porta de entrada aqui em Brasília. O samba me abraçou, e muito pela pessoa da Cris Pereira, pois foi ela que me apresentou para muita gente. Nós nos conhecemos no curso de verão da Escola de Música, e a Cris é uma pessoa muito influente no meio em que ela vive, até por conta da posição social dela. Ela é ativista do movimento negro, do canto, do samba. Onde ela está é referência. Ela me abraçou e me apresentou às pessoas do samba que ela conhecia. É uma amizade que abriu muitas portas, eu tenho uma gratidão imensa! O samba tem esses frutos maravilhosos, uns encontros que foram imprescindíveis para mim aqui em Brasília.
Paola Antony – Ana Reis, há uma questão relacionada à composição feita por mulheres, que é o fato de a gente conhecer poucas compositoras. Um histórico de repressão à mulher, que, claro, já melhorou muitíssimo, daí a gente conhecer mais compositoras do que antes. Eu tenho conversado com algumas mulheres aqui no Cumbuca e comecei a prestar mais atenção nisso. E aí, não custa perguntar: você sentiu alguma dificuldade?
Ana Reis – Eu, na verdade, não sinto isso, que as mulheres precisam de aceitação, mas, com certeza, era mais difícil. Eu acho que o que acontecia era que a gente sempre compôs, mas não era vista ou a gente não tinha coragem de mostrar. Acho que não é uma coisa que está começando, mas, sim, é agora que a gente está tendo visibilidade.
Há um ponto de vista com que eu não me sinto confortável, que é o espanto com a mulher compositora. Eu conheço tantas mulheres que compõem, que isso para mim é uma coisa muito natural. É claro que a gente não vê muitas gravações dessas composições por aí, isso é verdade, agora que está ficando mais abundante, mas o fato de ser compositora, não sinto um diferencial por isso. Na verdade, nem me considero compositora, porque os compositores que eu conheço, por exemplo, Clodo Ferreira, que é alguém com quem convivi de perto, para ele é um ofício mesmo. Ele senta e tenta fazer uma composição todos os dias, ou toda semana. Existe um ritual de ofício mesmo, sabe? Eu, na verdade, as minhas composições foram inspirações, foram coisas meio transcendentes. Eu não me sinto uma compositora de ofício, eu me sinto uma compositora de inspirações.
Paola Antony – Deixa eu lhe falar uma coisa em relação à história da composição. Hoje é isso que você está falando, as coisas mudaram muito, mas historicamente não foi sempre assim. Por exemplo, você sabia que Dona Ivone Lara não podia levar as músicas dela para as rodas de samba? Ela escrevia, e o primo, Mestre Fuleiro, levava como se fossem dele, ou seja, ele assinava.
Ana Reis – Não sabia disso. É, com certeza, a gente tem de ser sempre grata, porque eu não tive problema nenhum em mostrar minhas músicas. Isso não quer dizer que sempre foi assim. Para eu chegar aqui, outras tiveram de lutar e sofrer bastante, por isso que digo isso, não era falta de compositoras, era falta de oportunidade para mostrar. Aquele machismo que a gente nem precisa tocar no assunto.
Paola Antony – Não precisa. Até porque a gente tem um DVD lindo de que falar, a começar com a música que dá nome ao DVD, Toda em Si, que é linda demais.
Ana Reis – A letra dela é de Álvaro Cueva e a música é da Marina Tavares com o Augusto Teixeira. A Marina é filha do Clésio Ferreira e tem um talento com as palavras incrível, com certeza foi herança do pai. Ela fez a música nesse caso. Essa música é muito especial. A primeira vez em que eu a ouvi foi num show, quando ela pediu para alguns intérpretes cantarem músicas dela e pediu para eu cantar essa música. Eu me apaixonei na hora.
Paola Antony – Que outra música você destacaria entre as que você gravou, Ana?
Ana Reis – Uma música do Sérgio Magalhães, que é um grande compositor daqui de Brasília. Ele é carioca, mas mora aqui há muitos anos; a gente o considera o nosso Cartola. É uma música maravilhosa, chama-se Só Nós Dois. Sobre essa música, ele falou: "Eu quero que você grave". Ele que veio falando isso. E eu: "Nossa, uma música dessa, que presente! E há outra música, do Geraldo Pereira, que foi uma homenagem que eu fiz à bagagem que o Felipe me trouxe para eu estar no samba, que é Golpe Errado. É uma música engraçadinha, bem da história do samba, da década de 30. Geraldo Pereira é antigo. Eu gosto muito dessa gravação e desse registro como gratidão pelo samba, pelo samba ter chegado à minha vida e aberto tantas portas.
A entrevista completa de Ana Reis para o Cumbuca está em áudio, com uma seleção musical que percorre sua carreira e que pode ser conferida no SoundCloud da Rádio Eixo.
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