Marília Panitz entre mestres, amigos, aprendizes
Toda trajetória tem um princípio, assim como todo pensamento parte de algum lugar. No caso de Marília Panitz, a peça número 01 de sua coleção de arte ode ser admirada desde a entrada do apartamento.
Espichando o olhar através do corredor: uma gravura de Rubens Gerchman, iluminada lateralmente pela janela da sala de estudo, ocupa a parede oposta do apartamento como um vórtex para onde tudo conflui ou um ponto germinal de onde tudo brota.
Gerchman, em meados dos anos 1970, já era figura proeminente da pop art nacional. E a jovem estudante de arte sabia o que estava fazendo ao despejar suas economias na galeria de Anna Maria Niemeyer, no Rio de Janeiro.
Aquela gravura seria considerada a primeira peça de sua coleção não apenas por ter sido concebida por autor consagrado. Mas por ter anunciado, à sua maneira, que pessoa sua proprietária gostaria de ser — que mundo gostaria de conhecer.
Marília Panitz, gaúcha de nascimento, percorre o mundo das artes a partir de Brasília. Um de seus primeiros trabalhos foi no Cresça (Centro de Realização
Educadora), com Ailema de Bem Bianchetti. Logo Marília passaria a frequentar o ateliê de Glênio Bianchetti na 305 Sul.
Um par de trabalhos de Bianchetti, na topografia particular de Marília, estão geográfica e historicamente próximos à gravura de Gerchman. Mais adiante,
completando o mesmo pensamento, azulejos de Athos Bulcão mantêm o sabor dos chás da tarde com o professor.
As paredes do apartamento, longe de confinar quem entre elas se encontra, na verdade se desdobram e se abrem num suceder de gerações. Os mestres com
quem ela aprendeu, os colegas com quem compartilha, os aprendizes a quem transmite o que recebe. Estão todos aqui morando com Marília Panitz.
Uma pintura de Elder Rocha. Colagens de Luciana Paiva. Um mapa mental de Gê Orthof. Desenhos de Leopoldo Wolf. (O coração de tricô, bordado por Ana
Miguel, precisa ser mantido à salvo dos gatos Ludovico e Stanislaw.)
E, assim, trabalhar atualmente com a família de Bianchetti e a fundação que cuida do legado de Bulcão, em mostras e catálogos, não é apenas consequência natural da intimidade de quem sempre se manteve por perto. É também o passo seguinte da aluna que se tornou professora. Tocando adiante a ancestral tradição oral, manual, visual que faz a arte permanecer viva.