O Programa Clandestino de número 131 será dedicado à memoria do grande Toño García, o último grande gaitero, falecido dias atrás.
A seguir deixamos a transcrição das falas explicativas do Programa. Se perdeu a transmissão ao vivo do episodio na Rádio ainda é possível escutar a emissão na plataforma Soundcloud: https://on.soundcloud.com/Q7qddWNZJavxXJFM7
Nota1
Está começando na Rádio Eixo mais um programa Clandestino. Lembramos que esse projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do DF, FAC-DF.
Esse programa, como tem acontecido em outras ocasiões, vai ser infelizmente dedicado a um grande artista que, como diz Rubén Blades, foi morar no “bairro de cima”. No passado dia 21 de maio desse ano de 2024 faleceu o grandíssimo baluarte da música folclórica, entre aspas, da música tradicional, da música caribenha do norte da Colômbia, Tonho Garcia.
Tonho Garcia era o último representante de uma geração de artistas, de músicos, de compositores musicais tradicionais que representaram a parte talvez mais importante da Cumbia nos últimos tempos, na Colômbia, em Sulamérica e no mundo, e que nos deixaram um legado sem o qual, talvez, a identidade musical dos nossos países não seria a mesma. Talvez, inclusive o próprio programa Clandestino não existiria. Trata-se de Toño Garcia, que nos deixou aos 94 anos, ele que fazia parte do grupo Los Gaiteiros de San Jacinto, aos quais dedicaremos esse nosso espaço.
Los Gaiteiros de San Jacinto são uma agrupação fundamental formada lá nos anos 40 do século passado pelo importantíssimo, pelo grandíssimo, Tonio Fernández, que juntou um grupo de amigos e músicos de gaita e formaram esse grupo que conseguiu, apesar das adversidades, trazer até os nossos dias a tradição da música de gaita, da Cumbia, da região das savanas do norte da Colômbia, até os nossos dias. Eles cultuam e tocam o que é conhecido e reconhecido como música de gaita, também em alguns casos chamado como música cumbia, mas realmente a cumbia é só um dos ritmos que eles tocam e é pouco preciso falar que seja música de cumbia. É mais preciso também falar que a música de gaita envolve outros ritmos musicais, mas como a cumbia vem se espalhado por todo o continente, talvez é o ritmo mais reconhecido nessa região, vamos dizer que eles fazem também cumbia. Devemos lembrar que trata-se de um grupo de músicos, um grupo de pessoas que começou lá nos anos 40 quando o Antonio Fernandes iniciou o grupo e que teve várias formações, teve várias pessoas participaram, pessoas importantíssimas como Maia Mendoza, por exemplo, entre outros, Torregross, outros grandíssimos músicos como os irmãos Lara, enfim, toda uma série de superstars, digamos, um dream team da música tradicional.
Mas devemos lembrar que esse grupo se forma na pequena cidade, no pequeno povoado de San Jacinto, daí o nome, Gaiteros de San Jacinto, na região de savana, do norte da Colômbia, que é basicamente uma região rural. Então nesse começo, basicamente eles eram camponeses que também faziam música, eles misturavam os trabalhos do campo com a música Tanto assim que os instrumentos musicais são todos feitos na região, todos feitos com os materiais naturais que se encontram na região e muitas vezes, inclusive, a sonoridade da música deles acompanha ou imita a sonoridade na natureza, a sonoridade dos animais, dos pássaros, o ritmo de montar em um burrico, etc. Basicamente, os Gaieteros de San Jacinto mantêm um formato tradicional de cumbia que é composto por três tambores, a tambora, o tambora alegre e o llamador, e dois instrumentos de vento, as gaitas, gaita macho e gaita fêmea, a gaita fêmea que leva a melodia e a gaita macho que acompanha junto com as maracas. Tem outras variações de ritmos, aparecem talvez outros instrumentos, como a flauta de millo, que a gente vai escutar, mas, basicamente, essa é a formação tradicional que eles mantêm até hoje. Apesar das influências externas, apesar das gravadoras que em alguns discos tentaram e conseguiram botar um baixo elétrico porque achavam que estava vazio o som, deturpando realmente a proposta tradicional que se mantém até hoje. Vamos então começar esse programa escutando algumas músicas nesse formato tradicional das gravações clássicas do grupo Los Gayeterios de San Jacinto. Lembrando que a gente começou o nosso programa escutando uma música recente, uma música que é dedicada ao Toño Garcia, que é precisamente o personagem que estamos homenageando nesse nosso programa. A música se chama Maestro Toño Garcia e foi uma homenagem que ainda bem foi feita em vida ao grandíssimo Toño Garcia. Lembramos que ele é o último grande gaitero dessa geração, o último grande mestre. O último grande artista e músico dessa geração inicial de Los Gaiteros de San Jacinto. É como sempre aqui no programa Clandestino da Rádio Eixo.
Nota 3
Vamos dando continuidade ao nosso programa especial dedicado à memória do grandíssimo Toño Garcia, escutando um pouco de Los Gaiteiros de San Jacinto. Falando as coisas que falamos até agora e do jeito que estamos falando, os ouvintes talvez podem pensar que Los Gaiteiros de San Jacinto é um grupo super famoso, extremamente reconhecido, com muito reconhecimento, também econômico, muito famoso, que fazem grandes turnês. Na verdade, durante algum tempo (lembremos que o grupo foi formado em 1940 por Toño Fernandes, que quando não deixou, deixou o seu sobrinho único para substituir ele), realmente eles passaram por momentos bem difíceis, pois a música deles não era bem vista, inclusive em alguns casos na própria pequena cidade deles era vista como música de pessoas ignorantes ou música de camponeses, música que não era bem feita, que era informal. Que não tinha inclusive uma notação, música de pessoas que não sabiam realmente o que era a música de verdade, o que era a música culta, o que era a música respeitável. Isso, se juntando com as dificuldades econômicas de pessoas que, em quase todos os casos, são pessoas muito humildes, que viviam da terra em pequenas propriedades, eram, enfim, pessoas que passavam várias dificuldades.
E ainda assim, eles tinham que continuar lutando e fazendo a sua própria música. Tiveram uns anos bem complicados de pouquíssimo reconhecimento, onde tocavam praticamente só para os vizinhos, para os amigos, na solidão. Isso mudou em um momento dos anos 70 e 80, com a ajuda da Delia Zapata e Manuel Zapata Oliveira, pesquisadores do mundo das culturas africanas. Eles saem um pouco da sua região, vão para a Bogotá, para as grandes capitais, recebem um pouco de reconhecimento, viajam pelo mundo, e ainda assim se mantêm com um perfil, digamos, um pouco baixo, morando na sua pequena cidade e, às vezes, precisando um pouco mais de reconhecimento. Esse reconhecimento um pouco mais global, um pouco mais internacional, talvez, vamos dizer, que chega quando eles ganham um prêmio Grammy. Esse prêmio de 2007 pelo disco Fuego de Sangue Pura, gravado pelas Smithsonian Folkways. Então, uma gravadora estrangeira, como muitas vezes acontece com as nossas culturas, que para ser reconhecida tem que vir um gringo e gravar e difundir.
Esse prêmio Grammy deu um pouco de visibilidade internacional e algumas pessoas fora da Colômbia começam a entender que talvez a Cumbia, o ritmo mais difundido em América não existiria, não teria chegado a nós se não fosse por esse grupo de camponeses, por esse grupo de velhos teimosos que continuaram fazendo Cumbia ainda recebendo desprezo, ainda recebendo retaliações, ainda recebendo pouco reconhecimento. Eles se apresentam aquele dia nos Grammy junto com o grupo Calle 13. Isso dá um pouco de visibilidade, dá um pouco de reconhecimento internacional que eles precisavam. Mas ainda assim, não pensemos que eles ficam ricos e famosos. Eles continuam morando na cidade de San Jacinto em condições, às vezes, complicadas. Mas pelo menos tem um prêmio Grammy lá na prateleira e pelo menos o mundo já fica sabendo quem são os Gaiteros de San Jacinto e o lugar que eles ocupam na música tradicional, na música folclórica, entre aspas, dos nossos países. Vamos então, nesse nosso terceiro bloco, precisamente, escutar algumas músicas do disco Un Fuego de Sambre Pura, começando precisamente com a música que dá título ao disco e que é uma belíssima explicação do que é a Cumbia, do que é a música de gaita pra eles. Vamos continuar então escutando outras músicas desse importantíssimo disco que traz vários ritmos diferentes, também devemos lembrar que não é só Cumbia, vamos escutar outros ritmos diferentes nesse disco de 2007, que representou um premio Grammy para os Gaiteros de San Jacinto. É como sempre, o programa Clandestino da Rádio Eixo.
Nota 4
E vamos chegando ao final do nosso programa Clandestino em homenagem ao Toño Garcia, o último gaitero da Cumbia e da música de gaita colombiana, sul-americana e mundial. Ainda não sendo famosos, não sendo reconhecidos, digamos que a nova geração de gaiteros tem tomado a testemunha do importantíssimo legado dos Gaiteros de San Jacinto. Já falamos que Toño Garcia é o último da primeira geração, mas os Gaiteros de San Jacinto continuam. A música de gaita continua totalmente consolidada nessa região, na Colômbia e em alguns outros países da América. Hoje em dia, existem inúmeros festivais organizados pelas prefeituras, não só de San Jacinto, mas de outras cidades e povoados da região, e essa música participa de grandes eventos, festivais, dos carnavais, como o carnaval de Barranquilla. E nas grandes cidades, em grandes capitais, como por exemplo, Bogotá e Medellín, tem vários gaiteros tocando, tem vários grupos de gaita, inclusive, e isso é o mais interessante, inclusive de pessoas fora da região, pessoas de outros lugares do país, já começam a tocar.
Tem-se aberto também muito espaço para mulheres, coisa que no começo não era totalmente aceito, e chegam inclusive pessoas de outros países para interessar-se e para ir procurar, digamos, na raiz, no núcleo, no berço, como é que se faz para tocar, como é que se faz para interpretar de forma, digamos, entre aspas, correta a música de gaita. Em uma entrevista pessoal com Nico, o diretor, o diretor no momento do grupo dos Gaiteros, ele contava que chegavam frequentemente pessoas de vários lugares do mundo. Recentemente chegou um ônibus, inclusive, uma van talvez, desde a Argentina, de músicos que queriam ir lá e realmente beber da fonte da Cumbia, beber da fonte da música de gaita.
Então, digamos que não é um gênero rico, como o reggaeton, talvez, como outros ritmos mais comerciais, mas o gênero, a cultura está totalmente garantida, tem muitos herdeiros dos gaiteros tradicionais e o reconhecimento é, inclusive, internacional. Isso faz com que cheguem outras mudanças, cheguem outras influências e, como sempre, inevitavelmente, talvez de forma positiva, aconteçam várias misturas e acontecem várias experimentações.
É o que a gente vai escutar aqui, para finalizar o programa, vamos escutar duas músicas de um experimento bem interessante chamado Dub de Gaita, que é simplesmente uma remixagem das músicas Amanezco Bailando e Terra de Poetas, que pega um pouco do ritmo tradicional da cumbia, e mistura com o dub, coisa que não é original, já que basicamente o ritmo da cumbia e o ritmo do reggae tem em comum a importância do contratempo. E o dub é, desculpem os puristas, é primo do reggae, então a mistura de cumbia com reggae não é uma mistura original, mas misturar a cumbia, a música de gaita tradicional com reggae, sim que foi uma experimentação bem interessante e deu os seus frutos bem interessantes.
É isso que vamos terminar escutando, essas duas músicas de Gaita, para simbolizar um pouco que a Gaita não só conserva a tradição, não só conseguiu chegar no século XXI forte e poderosa, mas também consegue flertar, consegue se fazer ritmo contemporâneo, consegue experimentar com outros ritmos também eletrônicos como o dub. Esse é o nosso programa Clandestino em homenagem ao grandíssimo Antonio Garcia que nos deixou foi morar no “bairro de cima”, o último grande gaiteiro, aqui no programa Clandestino da Rádio Eixo.
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