
ROTEIRO
VINHETA DE ABERTURA – campanhinha toca três vezes
VOZ DE ABERTURA – PAOLA – “A RÁDIO EIXO APRESENTA EIXOENCENA”
BG - “Mambembe” Chico Buarque (versão Chico e Roberta Sá) trilha sonora de fundo. Rubrica para o sonoplasta (Colocar o som da música tal como pano de fundo da voz do narrador... bem baixinha)
SONOPLASTIA – DUAS CAMPANHINHAS
KARLA
Narrador (rádio novela) – Olá ouvintes, este é o programa EIXOENCENA. Uma série de Rádio-Teatro que fará ao longo deste ano uma homenagem ao Teatro Brasileiro do séc. XIX e ao Teatro de Brasília. Eu sou KARLA CALASANS e o nosso dramaturgo deste mês é “JOSÉ DE ALENCAR”. O elenco do programa EIXOENCENA é formado por mim , pela atriz LÍLIAN ALENCAR, pelo ator TIAGO DE CARVALHO, e grande elenco. Neste quarto e último programa da série temos uma cena da peça: “O JESUÍTA”
BG – Ária 47 “A paixão segundo Matheus Bach”
Narrador (rádio novela) – O Jesuíta é a última peça escrita por José de Alencar, um drama histórico, fugindo da comédia e encomendada pelo ator João Caetano. João Caetano não gostou do que leu, quando a recebeu, e não quis representa-la. O ESPETÁCULO SÓ veio à baila em 1875 e provocou a pior sensação que um dramaturgo pode sentir, a do fracasso total. Falaremos mais disso. Na cena a seguir o Dr. Samuel que criara o menino Estevão e o tem como pupilo e adotivo debate com o filho a imposição da vocação religiosa:
SAMUEL (LÍLIAN) - Meu Deus.' Se o que eu acabo de fazer, é uma desgraça, perdoai-me, se é um crime, puni-me!
ESTEVÃO (TIAGO) - Estamos sós. Não me oculteis nada meu pai, tutor e senhor; tenho coragem para encarar a minha sorte, qualquer que seja ela... fui criado um cavaleiro por ti...
SAMUEL - Chegou o momento de te revelar um fato que decidiu sua vida meu filho, era necessário e tenho consciência de que praticando-o cumpri o dever que Deus me impôs quando te confiou a mim a sua criação. Procedi como pai, como amigo e tu não me julgarás.
ESTEVÃO - Eu vos escuto.
SAMUEL - Lembras-te do dia em que me prometeste abraçar a Vida religiosa e entrar no convento dos Jesuítas?
ESTEVÃO - É verdade que fiz então essa promessa, porém não previa que me seria impossível não cumprir, apareceu o amor, sabes o que é aparecer o amor a uma mulher? Te amo meu pai! Mas o sentimento espontâneo por essa mulher, esse sentimento irresistível, que Deus criou em minha alma, essa lei fatal da natureza que faz pulsar o coração do homem, tem mais força do que uma simples promessa.
SAMUEL - Mas essa promessa, feita nas minhas mãos, é um juramento, é mais do que um juramento: é um voto! Naquele momento tu professaste, Estevão !
ESTEVÃO – Eu!
SAMUEL - Era preciso que vivesses exclusivamente para a religião, e eu sacrifiquei a ela tua vida. Nas palavras que pronunciei então, e que não compreendeste, aceitei os teus votos, e te sagrei em nome do Senhor. Tu és o Jesuíta!
ESTEVÃO – Jesuíta?! Escarneceis de Deus, meu pai! Quem sois vós? E que poder tendes para assim decidir com uma simples palavra, o destino de um homem? E o meu destino?
SAMUEL - Quem sou eu?.. . Não sei, Estevão; talvez um fanático, um insensato, que corre atrás de uma sombra; talvez o autor de uma grande revolução e o arquiteto-obscuro de uma obra gloriosa. Cristo, o enviado de Deus, foi crucificado; Galileu, o mártir da ciência, queimado por herege; Colombo, o inventor do novo mundo, dado por charlatão. Como eles a posteridade dirá quem sou: se um apóstolo ou se um louco!
ESTEVÃO - Enfim, senhor, já ouvi o que desejava saber. Fostes dono da minha vida; salvou-me, era o vosso direito, porque até hoje me alimentastes com o vosso pão.
SAMUEL - Estevão! Não me trates assim, não sabes quanto é duro o que me acabas de dizer!
ESTÊVÃO - Confesso a verdade; era o vosso direito. Chegou o tempo, porém, de eu reassumir a minha liberdade. Renego os votos que fiz sem consciência ao Seminário; não serei um jesuíta, e hoje mesmo deixarei para sempre sua casa meu pai, e tocarei por minha conta a minha vida.
SAMUEL - Não! É impossível! Tu és meu filho !.. . Sim ! Que importa que a tua carne não seja a minha carne? Que o meu sangue não gire em tuas veias ? Que eu não tenha criado o teu corpo? Tu és o filho do meu espirito!... o embalei no berço da ciência, o iluminei com os raios de minha inteligência. Durante vinte anos verti no teu seio, parcela por parcela, centelha por centelha, toda a minha alma. E agora, que nada me resta, vais me abandonar?
ESTEVÃO - Sei que tenho para contigo uma dívida sagrada! Mas não me dissestes um dia que a todo homem pertence o seu próprio futuro? Meu futuro é o amor por uma mulher; ele nos separa.
SAMUEL - Não, Estevão, Deus nos uniu; nem o mundo, nem as suas paixões, podem separar-nos. Meu filho, escuta-me. Quando uma noite, há vinte anos, a mão desconhecida de um mercenário te colocou na minha porta, e o colocou à luz da lâmpada que tinha alumiado a minha vigília vi-te e estendendo-me os braços a sorrir, senti-me renascer! Recebi você, uma criança, como um anjo do Senhor, que vinha proferir a palavra do profeta e bradar-me: — Avante! Sim, nessa noite, pela primeira vez, a dúvida entrara em meu espírito e entorpecera-me a coragem. Eu estava pronto a desistir da vida. Mas que momento não é a vida da criatura na rotação do mundo? Que valem anos para as grandes revoluções que marcam uma época? Sentia-me já velho, via o túmulo abrir-se diante de mim... Não temia a morte! Mas a alma?... A ideia?... A só lembrança de que ela ia de novo voltar ao nada? Foi n'esse momento que te recebi em meus braços. Reanimei-me... Pareceu-me que Deus dava-me o teu corpo infantil para que eu inoculasse nele a minha alma, quando o meu de velho e cansado já não pudesse carregá-la. Um herdeiro. Cumpri a vontade de Deus, na educação dada a ti, e na condição de ser eu passado e você o futuro.
ESTEVÃO – Suas palavras me comovem meu pai, porque Deus não me arranca do peito este coração com o sentimento que esta mulher me trouxe?.. Então este amor não se apoderaria dele, e eu daria a ti o que mereces, e iria servir com clérigo entre os jesuítas! Agora?.. . É tarde !.. Exige de mim todos os sacrifícios, mas o meu amor, não; esse não posso dar-vos... É dela!.... Unicamente dela!!!!!!
SAMUEL - Pois bem! Já que assim é preciso, faça-se a tua vontade, meu filho : ama essa mulher!
ESTEVÃO – (pasmo) Como?!.. . O que dizes? Vós mesmo queria agora que eu renunciasse a esse amor...
SAMUEL - Quero tudo, contanto que não me abandones nunca. Não abandones a este velho que o tem com filho do coração.
ESTEVÃO - Oh!. Então meu velho reúno em uma só adoração as duas grandes afeições de minha vida, tu meu pai e ela meu amor, é a ventura suprema!.. Parece-me um sonho! Mas e Essa promessa feita em vossas mãos ?
SAMUEL - Tranquiliza-te. O poder que cria não seria poder se não destruísse.
ESTEVÃO - Assim?
SAMUEL- És livre!
ESTEVÃO - Ah! Permite que eu dê esta boa notícia a Constança?
SAMUEL - Podes ir vê-la. Não me oponho.
ESTEVÃO - Obrigado!
SAMUEL - Depois vem ter comigo; quero hoje mesmo confiar-te o segredo de minha vida.
ESTEVÃO - Sim, meu pai!
BG – Ária 47 “A paixão segundo Matheus Bach”
KARLA
Misto de nacionalismo, amor, liberdade, busca pelo homem moderno. O que fez do “Jesuíta” um fracasso de público e provocou uma profunda melancolia em Alencar? Como a tentativa de um drama a la Shakespeare não vinga no teatro brasileiro? A linguagem rebuscada, a busca do refinamento filosófico, como relatou Nabuco, que era um crítico contumaz da peça, contudo reconheceu que o público brasileiro da época só queria o teatro das brincadeiras cômicas idiotizadas e não um texto denso e existencial. Como ainda compreender o enredo de “O Jesuíta”, ouvinte? Qual o segredo tem Dr. Samuel a nos contar, leiam leiam...
LÍLIAN
Alencar sonhava com uma sociedade de homens nobres e inteligentes, uma nação com independência consciente, mas tinha em mãos o Brasil do Segundo Império entre a deposição futura do Rei, e o surgimento da República. O Brasil ainda mergulhava entre o sertão que ele mesmo descreveu em obras e a imposição da vida urbana no litoral.
TIAGO
O Rio de Janeiro desta época, era a reprodução da cidade que imitaria nas décadas seguintes o sentido mais francês da Belle Epoque: moda, teatro, tavernas cheias, cafés e chás de intelectuais, nos palácios, um quadro de Debret ou Rugendas expunha ainda os mistos de escravos, poucos índios e a sociedade pós colonial entre o cidadão português de herança nobre radicado no Brasil e o brasileiro médio que já se fundia no cafuzo, no mameluco, no mulato, um país pulsante que na capital estava entre a missa da Candelária e as rodas de samba e macumba que começavam a tomar os arredores das antigas senzalas, berço das futuras favelas...
LÍLIAN
E assim encerramos o QUARTO e último episódio da nossa série: o Teatro de JOSÉ DE ALENCAR. No próximo mês estaremos na programação da Rádio Eixo com o teatro de França Júnior. Agradecemos a paciência da querida e do querido ouvinte por terem se colocado com atenção no nosso programa EIXOENCENA.
KARLA
O programa EIXOENCENA é parte do projeto RÁDIO TEATRO, OS FUNDADORES DO TEATRO BRASILEIRO E O TEATRO DE BRASÍLIA realizado com recursos do FUNDO DE APOIO À CULTURA DO DISTRITO FEDERAL e como se diz no bom e velho teatro fiquem bem e
OS TRÊS ATORES JUNTOS: “MERDA PRA TODOS”
VOZ DA RÁDIO – PAOLA – “ A RÁDIO EIXO APRESENTOU EIXOENCENA”
BG - Volta “Mambembe” de Chico Buarque na versão original para encerrar o programa
Para ouvir o episódio acesse: https://soundcloud.com/radioeixo/jose-de-alencar-pgr-04-o-jesuita?in=radioeixo/sets/eixoencena
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