Lição de botânica - Machado de Assis
- Paola Antony
- 16 de fev.
- 6 min de leitura

ROTEIRO
VINHETA DE ABERTURA – campanhinha toca três vezes
VOZ DE ABERTURA – PAOLA – “A RÁDIO EIXO APRESENTA EIXOENCENA”
BG - “Mambembe” Chico Buarque (versão Chico e Roberta Sá) trilha sonora de fundo. Rubrica para o sonoplasta (Colocar o som da música tal como pano de fundo da voz do narrador... bem baixinha)
SONOPLASTIA – DUAS CAMPANHINHAS
TIAGO
Narrador (rádio novela) – Olá ouvintes, este é o programa EIXOENCENA. Uma série de Rádio-Teatro que fará ao longo deste ano, uma homenagem ao Teatro Brasileiro do séc. XIX e ao Teatro de Brasília. Eu sou TIAGO DE CARVALHO e o nosso dramaturgo deste mês é “MACHADO DE ASSIS”. O elenco do programa EIXOENCENA é formado por mim, pela atriz KARLA CALASANS, pela atriz LÍLIAN ALENCAR, e grande elenco. Neste TERCEIRO programa temos uma cena da peça: “LIÇÃO DE BOTÂNICA”. Agradecemos em especial neste episódio a participação da atriz KARINA CURY.
BG. “Estão voltando as flores” com Dalva de Oliveira começa a toca
Narrador (rádio novela) –A peça “Lição de Botânica” traz as personagens femininas de Dona Helena e Dona Cecília, esta última sobrinha de uma senhora dama da corte D. Leonor. Elas falam de um Henrique que é um bom e belo tipo jovem também sobrinho, mas de um Barão especialista em ciência botânica. Helena está em sua sala conversando com Cecília sobre o tal Henrique:
SONOPLASTIA – UMA CAMPANHINHA
D. Helena (LÍLIAN) – Cecília, não me agradece?
D. Cecília (KARLA) — O quê?
D. Helena — Sonsa! Pois não adivinhas o que vem cá fazer o Barão?
D. Cecília — Não estou entendendo Helena.
D. Helena — Vem pedir a tua mão para o sobrinho.
D. Cecília — Helena!!!!!
D. Helena (imitando-a) — Helena!!!!!!!
D. Cecília — Juro...
D. Helena — Que não o amas? Não gosta dele?
D. Cecília — Não é isso.
D. Helena — Então o amas?
D. Cecília — Também não.
D. Helena — Não entendo! Alguma coisa há de ser. Porta neste caso é coração. O teu coração há de estar fechado ou aberto?...
D. Cecília — Perdi a chave.
D. Helena (rindo) — E não o podes fechar outra vez? São assim todos os corações ao pé de todos os Henriques. O teu Henrique viu a porta aberta, e tomou posse do lugar. Não escolheu mal, é muito bonito!
Sonoplastia - põe sons de grilos cri cri
D. Cecília — Oh! Uns olhos!
D. Helena — Azuis.
D. Cecília — Como o céu.
D. Helena — Louro...
D. Cecília — Elegante...
D. Helena — Espirituoso...
D. Cecília — E bom...
D. Helena — Uma pérola... (Suspira). Ah!
D. Cecília — Suspiras?
D. Helena — Que há de fazer uma viúva falando... De uma pérola?
D. Cecília — Oh! Tens naturalmente em vista algum diamante de primeira grandeza.
D. Helena — Não tenho, não; meu coração já não quer jóias.
D. Cecília — Mas as jóias querem o teu coração.
D. Helena — Tanto pior para elas: hão de ficar em casa do joalheiro.
D. Cecília — Veremos isso. (Sobe). Ah! Tenho minhas dúvidas...
D. Helena — Que é?
D. Cecília - Um homem desconhecido está vindo, há de ser o Barão.
D. Helena - Vou avisar titia. (Sai pelo fundo, à esquerda).
Narrador – Entra o Barão e Dona Leonor acredita que este vai requerer a mão de Cecília para Henrique. O mesmo fará questão de mostrar seu conhecimento da ciência botânica. Ouçamos esta conversa...
Leonor (KARLA) – Senhor Barão pode se sentar
Barão (KARINA) — Senhora Dona Leonor, muito prazer! Sou o Barão Sigismundo de Kernoberg, seu vizinho, botânico de vocação, profissão e tradição, membro da Academia de Stockholmo e comissionado pelo governo da Suécia para estudar a flora brasileira, sul americana, dispensas a minha biografia?
D. Leonor – Ora se dispenso, claro. Não precisa destas coisinhas de títulos.
Barão - Direi somente que o tio de meu tio foi botânico, meu tio, botânico, eu botânico, e meu sobrinho, Henrique, há de ser botânico. Todos somos botânicos de tios a sobrinhos. Biólogos Botânicos...
Sonoplastia põe sons de grilos cri cri
D. Leonor — Oh! O meu jardim é composto de plantas vulgares.
Barão (gracioso) — É porque as melhores flores estão sempre dentro de casa. Mas engana-se; madame, não venho pedir nada do seu jardim.
Sonoplastia põe sons de grilos cri cri cri....
D. Leonor — Ah! Então tens outra intensão aqui?!
Barão — Venho pedir-lhe uma coisa que lhe há de parecer singular.
D. Leonor — Fale. Já imagino...
Barão — Senhora, o padre desposa a igreja; eu desposei a ciência. Casei-me com a ciência, durmo com ela. O Saber é o meu estado conjugal; os livros são a minha família. Numa palavra: celibato...
D. Leonor — Não se casou então. Solteirão...
Barão — Justamente. Mas, a senhora compreende que, sendo para mim ponto de fé, a ciência, esta não se dá bem com o matrimônio.
D. Leonor — Coisa nenhuma. Matrimônio e ciência água e óleo...
Barão — Cheguei no meu sobrinho Henri, que anda estudando comigo os elementos da Botânica. Tem talento, há de vir a ser um luminar da ciência. Se o casamos, está perdido.
D. Leonor — Mas... E essa sua visita?
Sonoplastia põe sons de grilos cri cri
Barão - Ouvintes, ela não entendeu? Para Leonor Sou obrigado a ser mais franco, direto, minha senhora. Henrique anda apaixonado por uma de suas sobrinhas. Impus a ele que não voltasse a esta casa; ele resistiu-me. Só me resta um meio: é que a senhora lhe feche a porta.
Leonor — Senhor Barão! Fechar a porta ao jovem apaixonado?
Barão — Está admirada do pedido? Creio que não é polido nem conveniente. Mas é necessário, minha senhora, é indispensável. Este jovem é a ciência. A mulher e o matrimônio afastam a sua condição de extrema necessidade de concentração a ciência exige muita concentração. A Botânica, então, exige devoção
D. Leonor — Não sei se devo sorrir do vosso pedido...
Barão — Deve sorrir, sorrir e fechar a porta para aquele arsenal de espermatozoides que carrega meu sobrinho. Serei demasiado grato.
D. Leonor — Não é preciso tanto; posso fechá-la de graça.
Barão — Justo. O verdadeiro benefício é gratuito.
D. Leonor — Antes, porém, de nos despedirmos, desejava dizer uma coisa e perguntar outra ao senhor
Barão – Me curvo a senhora, pergunte?
D. Leonor – Direi, primeiramente que ignoro se há tal paixão da parte de seu sobrinho; e se minha sobrinha caminha nesta paixão, em segundo lugar, perguntarei: Na Suécia estes pedidos são usuais?
Sonoplastia põe sons de grilos cri cri
Barão — Na geografia intelectual não há Suécia nem Brasil; os países são outros: Astronomia, Geologia, Matemáticas; na Botânica são obrigatórios.
D. Leonor — Todavia, à força de andar com flores... Deviam os botânicos trazê-las consigo.
Barão — Ficam sempre no gabinete, as deixamos lá...
D. Leonor — Trazem os espinhos somente, tomei até uma espetada.
Barão — A senhora tem espírito. Compreendo a afeição de Henrique a esta casa, mulheres sedutoras. (Levanta-se). Promete-me então?
D. Leonor — Que faria o senhor Barão no meu caso?
Barão — Recusava.
D. Leonor — Com prejuízo da ciência?
Barão — Não, porque nesse caso a ciência mudaria de acampamento, isto é, o vizinho prejudicado escolheria outro bairro para seus estudos.
D. Leonor — Tenho uma última coisa a dizer ao senhor, já vi muita gente pedir a mão de uma criatura para o casamento, mas uma visita em que se pede que se impeça um casamento em prol da ciência, o mundo deve estar muito mudado.
BG. “Estão voltando as flores” com Dalva de Oliveira começa a tocar e o narrador inicia...
TIAGO
A segunda metade do séc. XIX foi dominada pelo cientificismo e Machado de Assis vai brincar na sua obra com a crise humana entre o avanço da ciência e a necessidade ilusória da vida religiosa e amorosa. Você deve estar se perguntando se a mão da menina será cedida ao jovem Henrique? Qual a preocupação com a Botânica no séc. XIX? O que quer Machado de Assis com este teatro de mexericos, fofocas? Leiam queridos ouvintes leiammmmmmmmmmmmmmmmmm
KARINA
Duas curiosidades que tomam a trajetória histórica e política de Machado de Assis são: ser ele o fundador da ideia e da própria Academia Brasileira de Letras, cujo papel se enraizou na História Social e Cultural do Brasil. E a outra curiosidade é essa relação do escritor com as personagens femininas, ora ingênuas, ora dissimuladas como ele mesmo fez entoar na sua famosa Capitu, por meio do narrador Bentinho no romance “Dom Casmurro”.
KARLA
Ainda sobre a mulher, Machado fez um belíssimo poema para sua amada Dona Carolina, que foi tornada música nas vozes do importante conjunto musical brasileiro Boca Livre, ouçamos um poquinho de “Quando ela Fala” poema do Bruxo do Cosme Velho:
Sonoplastia coloca “Quando ela fala” com Boca Livre 1 MINUTO
LILIAN
Era um apaixonado esse senhor Machado de Assis com a fama turrona de crítico da realidade, suas mulheres personagens exalavam paixão, mistério, dor, amor, loucura, imposição, são as Capitus, Helenas, Sofias, Marcelas, Virgínias...
KARINA
E assim encerramos o TERCEIRO episódio da nossa série: “O Teatro de Machado de Assis”. Na próxima semana teremos a quarta e última cena, com a peça: “O BOTE DE RAPÉ”. Agradecemos a paciência da querida e do querido ouvinte por terem se colocado com atenção no nosso programa EIXOENCENA.
TIAGO
O programa EIXOENCENA é parte do projeto RÁDIO TEATRO, OS FUNDADORES DO TEATRO BRASILEIRO E O TEATRO DE BRASÍLIA realizado com recursos do FUNDO DE APOIO À CULTURA DO DISTRITO FEDERAL e como se diz no bom e velho teatro fiquem bem e
OS QUATRO ATORES JUNTOS: “MERDA PRA TODOS”
VOZ DA RÁDIO – PAOLA – A RÁDIO EIXO APRESENTOU EIXOENCENA
BG – Volta “Mambembe” de Chico Buarque na versão original para encerrar o programa
留言