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Paola Antony

Caatinga: a única floresta 100% brasileira a passos largos da desertificação

Narayana Teles




 “A Caatinga é retratada como um ambiente que só tem o cacto, o calango, o solo rachado, famílias caminhando léguas e léguas atrás de água, é óbvio que essa face da Caatinga existe, mas existe uma outra face da Caatinga: rica em biodiversidade, em cultura, rica em pessoas ávidas a ter uma vida melhor, ávidas a ter um bem-estar social”.

Daniel Fernandes

 


A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, ocupa cerca de 11% do território nacional. Embora seja um ambiente rico em biodiversidade, 13% da Caatinga encontra-se em estágio avançado de desertificação. Um dado preocupante que afeta a floresta considerada 100% brasileira, portanto, única, tendo em vista que os demais biomas do Brasil ocorrem em outros países da América do Sul, exceto a Caatinga, a floresta que é a cara do Brasil.


Em apenas um parágrafo, trouxemos várias informações relevantes sobre um bioma fundamental, mas, extremamente vulnerável por não ser valorizado e preservado. A fim de desmistificar a ideia errônea de que a Caatinga é um ambiente pobre e hostil, conversamos com Daniel Fernandes, coordenador-geral da Associação Caatinga, uma associação da sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em outubro de 1998, com a missão de conservar a Caatinga, difundir suas riquezas e estimular a conservação do bioma, de modo a gerar oportunidades para quem nele vive.


Narayana Teles_ Daniel, qual a importância da Caatinga enquanto bioma?


Daniel Fernandes_ A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, englobando nove estados da Federação, dos quais 8 da região Nordeste e o norte do estado de Minas Gerais. É a única floresta 100% brasileira, que é a cara do Brasil, sem nenhum demérito aos outros biomas, que são extremamente importantes e que prestam seus serviços ambientais, ecossistêmicos para toda a sociedade, sem os quais não estaríamos numa condição de sobrevivência adequada no Planeta Terra. É uma região que abrange cerca de 28 milhões de pessoas, e quando comparada com outras regiões semiáridas do mundo, é a que tem o maior conjunto, a maior riqueza de biodiversidade, seja de fauna ou de flora, mas também é a mais populosa, portanto, são cerca de 28 milhões de pessoas demandando diariamente os recursos naturais da Caatinga, como água e solo. É de suma importância que a Caatinga seja cada vez mais valorizada por ser um bioma único, por oferecer uma série de oportunidades para quem vive no semiárido, contudo, historicamente, ela vem passando por um processo de degradação, e é um dos biomas mais vulneráveis a mudanças climáticas. Cerca de 13% da Caatinga já está em estágio avançado de desertificação. A desertificação traz prejuízos não só ambientais, a partir da perda de biodiversidade, a partir da diminuição do fluxo de serviços ecossistêmicos, que são oferecidos pela floresta em pé, como por exemplo, a fertilidade do solo, a segurança hídrica, o sequestro e estoque de carbono, mas também traz prejuízos econômicos e sociais porque as famílias acabam sendo impedidas de ter uma geração de renda a partir de uma agricultura de subsistência porque o solo perde sua fertilidade. Então, são problemas sérios que agravam esse processo de degradação e também de vulnerabilidade socioeconômica de parte da população que vive no bioma Caatinga. Por isso é fundamental fomentar o desenvolvimento local sustentável para que os recursos naturais da Caatinga sejam utilizados de modo racional, inteligente, para que a gente promova o bem-estar das presentes e futuras gerações.


Narayana Teles_ Você mencionou a desertificação como um dos fatores que assolam a Caatinga, e que já está em estágio avançado. Quais os grandes desafios em preservar a Caatinga?


Daniel Fernandes_ São desafios extremamente complexos, que precisam de soluções muito bem elaboradas envolvendo o poder público, a sociedade civil organizada e a iniciativa privada, bem como, Universidades, para que possamos encontrar soluções eficientes para preservar o bioma. Ele é um dos biomas menos protegidos por meio de Unidades de Conservação, que são áreas legalmente protegidas, que salvaguardam toda biodiversidade da Caatinga, contribuem para a manutenção de fluxos de serviços ecossistêmicos, segurança hídrica, fertilidade do solo, sequestra estoque de carbono, mas quando analisamos os dados quantitativos de Unidades de Conservação, ainda é muito baixo. Apenas 9% da Caatinga está protegida por meio de Unidades de Conservação, e apenas 2% são Unidades de Conservação de proteção integral, que são aquelas áreas que têm um rigor maior na sua proteção. Um dos desafios a serem superados é aumentar a quantidade de Unidades de Conservação dessas áreas legalmente protegidas, outro desafio é frear o processo de desmatamento da Caatinga. Neste ano, foi publicado o relatório anual de desmatamento pelo MapBiomas e a Caatinga ficou entre os três biomas mais desmatados de 2022 a 2023, houve um incremento de um ano para o outro de 43% de desmatamento da Caatinga. Os estados do Ceará e Bahia foram os campeões de desmatamento da Caatinga. Ainda se utiliza lenha como matriz energética, atividades econômicas que concorrem, que ajudam a degradar a Caatinga, como por exemplo a carcinicultura, que é criar camarão em cativeiro; empreendimentos imobiliários que desmatam a Caatinga; indústrias de cerâmica; polo gesseiro... É necessário que haja uma transição energética levando em consideração o potencial para a geração de energias renováveis que o Nordeste tem, mas que ocorra de modo justo e que traga dividendos, riqueza, que ela traga um desenvolvimento sustentável para comunidades, também, não só para pequenos grupos empresariais. A Caatinga já perdeu cerca de 46% da sua cobertura vegetal e cerca de 89% da Caatinga já foi, em algum momento, antropizada (ação humana sobre a natureza), é necessário que sejam desenvolvidas técnicas e políticas públicas eficientes para frear esse processo de desmatamento da Caatinga e acelerar o processo de recuperação de áreas degradadas. A Associação Caatinga, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que desenvolveu uma técnica de alongamento das raízes, tem executado alguns projetos nesse sentido. Nós levamos para campo, mudas com raízes alongadas, raízes de 1m de comprimento, que aumenta a taxa de sobrevivência das mudas para um patamar superior a 70%, quando plantamos mudas em um tamanho menor, saquinhos de 30cm, é o oposto, o percentual de sobrevivência das mudas não chega a 30%. Então, a inovação também é importante para a renovação e proteção da Caatinga. Além disso, estabelecer políticas públicas de restauração, de conservação, de desenvolvimento sustentável, de pagamento por serviços ambientais (instrumento de incentivo econômico a quem tem boas práticas), por exemplo, é um caminho para que a gente possa reverter esse quadro. Além de muitas iniciativas e ações de educação ambiental para que possamos ter mais condições de enfrentar essa crise climática e ter uma conscientização da população geral e das gerações vindouras sobre a necessidade de manter a Caatinga preservada para a nossa sobrevivência e também para promover o desenvolvimento econômico da região Nordeste. Manter a floresta em pé.


Narayana Teles_ A Caatinga é a única floresta 100% brasileira, mas não é patrimônio nacional, esse fator dificulta sua conservação?


Daniel Fernandes_ A Caatinga e o Cerrado não são reconhecidos como patrimônio nacional, isso representa historicamente um processo de desvalorização dos biomas, de ausência de políticas públicas que incentivem a sua preservação. A Caatinga é retratada como um ambiente que só tem o cacto, o calango, o solo rachado, famílias caminhando léguas e léguas atrás de água, é óbvio que essa face da Caatinga existe, mas existe uma outra face da Caatinga: rica em biodiversidade, em cultura, rica em pessoas ávidas a ter uma vida melhor, ávidas a ter um bem-estar social. A falta de reconhecimento afeta tudo isso.


Narayana Teles_ A Caatinga é o bioma brasileiro mais eficiente na captura de carbono, você poderia explanar sobre essa eficiência?


Daniel Fernandes_ A Caatinga é um verdadeiro sumidouro de carbono, ou seja, é um depósito natural que absorve, que captura bastante carbono da atmosfera, esse é um dos papéis da manutenção da floresta em pé. Ao longo de uma série de pesquisas que têm sido realizadas pela Embrapa, pelo Instituto Nacional do Semiárido, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal de Campina Grande, foi diagnosticado que a Caatinga é responsável por sequestrar, estocar 5.2 toneladas de carbono por hectare, isso é um número extremamente promissor, essa pesquisa tem sido acompanhada pelo professor Bergson Bezerra, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), a partir da instalação de torres de fluxo que monitoram o sequestro e o estoque de carbono. O carbono é só um dos serviços ecossistêmicos que a Caatinga oferece, a partir da floresta em pé, outros serviços ecossistêmicos também são ofertados gratuitamente para toda a sociedade, como a fertilidade do solo, a polinização, manutenção da biodiversidade, segurança hídrica.


Narayana Teles_ Fauna e Flora da Caatinga. Como podemos conhecer mais sobre essa rica biodiversidade?


Daniel Fernandes_ A Caatinga, como falei anteriormente, quando comparada a outras regiões semiáridas no mundo, é a que tem o maior conjunto de biodiversidade, seja de fauna, seja de flora, incluindo espécies endêmicas, ou seja, que só acontecem na Caatinga, como o Soldadinho-do-Araripe, que é uma ave ameaçada de extinção, a carnaúba, que é uma espécie de palmeira nativa da Caatinga, que produz um pó cerífero, que depois é transformado na cera da carnaúba, e por meio da produção desse pó, muitas famílias conseguem tirar o seu sustento à base do extrativismo da carnaúba, é uma atividade econômica importantíssima para a região Nordeste. A cera de carnaúba é o oitavo item de exportação no estado do Ceará. Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte são os principais produtores. No Ceará, são mais de 90.000 pessoas atuando na cadeia produtiva da carnaúba, atuando com a sociobiodiversidade, com a bioeconomia, ou seja, tirando seu sustento de forma sustentável a partir do extrativismo que auxilia na manutenção dos carnaubais, auxilia na proteção da Caatinga. Tendo em vista, que, hoje, no Nordeste, temos a manifestação por uma espécie de planta exótica, que veio de outro país, de Madagascar, é uma trepadeira, e ela tem subido nas carnaúbas e em outras espécies nativas da Caatinga, ela cobre toda a copa da árvore, impede o processo fotossintético e acaba dizimando, matando a vegetação nativa. Então, em áreas onde tem o extrativismo da carnaúba, há o controle dessa espécie exótica. A Caatinga é muito rica em biodiversidade, existem Unidades de Conservação que foram criadas para abrigar essas espécies. A Reserva Natural Serra das Almas é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, localizada entre os municípios de Crateús-CE e Buriti dos Montes-PI, gerida pela Associação Caatinga, onde encontramos uma biodiversidade de felinos, como a onça-parda e o tatu-bola, e uma série de aves, inclusive, ameaçadas de extinção. Temos outros exemplos também na Caatinga como o licuri, que é uma cadeia produtiva importante. A fauna e flora da Caatinga são belíssimas. No que tange à flora, algumas com potencial econômico, como a mangaba, o licuri e a carnaúba, como mencionei, gerando renda e emprego, ajudando na resiliência climática dessas famílias.

 

Narayana Teles_ Daniel, para encerrarmos, gostaria que você falasse sobre a Associação Caatinga e sua atuação.

 

Daniel Fernandes_ A Associação Caatinga é uma associação da sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em outubro de 1998, com a missão de conservar a Caatinga e difundir suas riquezas, inspirar as pessoas a cuidar da natureza. Hoje, atua por meio de sete eixos temáticos, que conversam entre si de maneira sistêmica formando o modelo integrado de conservação da Caatinga, que é estimular a conservação do bioma e ao mesmo tempo gerar oportunidades para quem vive nele. Oportunidades de geração de renda, de empoderamento feminino, de segurança alimentar, de acesso à educação ambiental, de tecnologias sociais para a adaptação à semiaridez, às mudanças climáticas. Nós atuamos com criação e gestão de Unidades de Conservação como primeira linha de atuação. A Associação Caatinga se especializou ao longo desses anos na criação de Unidades de Conservação, hoje, no Ceará, são 47 RPPNs (Reservas Particulares do Patrimônio Natural), das quais 30 foram criadas com o apoio da Associação Caatinga. A Associação também apoia o poder público na indicação, na elaboração de estudos que viabilizam a criação de Unidades de Conservação públicas, já foram 3 unidades criadas, dentre elas, a maior APA do Ceará, que é a APA do Boqueirão do Poti, com 63.000ha; elabora planos de manejo para essas Unidades de Conservação e ajuda na execução desses planos. Outra linha de atuação é a restauração florestal, cuja missão é recuperar áreas degradadas, focando em nascentes, mata siliar. Temos apoiado uma pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte para plantar mudas com raízes alongadas, aumentando a eficiência, a eficácia dos processos de restauração florestal. Uma terceira linha de atuação é a educação ambiental, ela permeia todas as ações da Associação Caatinga de forma transversal, envolvendo todos os públicos, desde a primeira infância até agricultores. As Tecnologias sociais também são linhas de atuação da Associação Caatinga, elas ajudam a harmonizar a relação do homem com os recursos naturais da Caatinga, são exemplos de tecnologias sociais a cisterna de placa para a captação de água da chuva; os canteiros biosépticos, que são fossas ecológicas promovendo o saneamento rural na Caatinga; sistema bioágua, que reutiliza a água cinza das residências do tanque de lavar roupa, do chuveiro, onde a água é filtrada e depois pode servir para irrigação de quintais produtivos, promovendo segurança alimentar e geração de renda para as famílias. Atuamos com a meliponicultura, que é criar abelha nativa da Caatinga, a jandaíra, fomentando uma atividade de ecodesenvolvimento, essa atividade fomenta um ciclo virtuoso de conservação da Caatinga porque o meliponicultor, que é a pessoa que maneja a abelha que produz o mel, começa a entender que para ter uma produção maior e consequentemente um retorno financeiro maior ela precisa manter a floresta em pé. Trabalhamos com fomento à pesquisa, já que a Caatinga é pouco estudada, a Serra das Almas, área que a Associação Caatinga faz a gestão, funciona como um laboratório vivo, uma série de pesquisas são realizadas nessa área, temos parcerias com diversos institutos de pesquisa nacionais e internacionais. Uma última linha de atuação é a comunicação, para quebrarmos essa visão estereotipada de que a Caatinga não tem biodiversidade, não tem riqueza. A comunicação atua como uma ferramenta de engajamento para trazer a sociedade para a nossa causa porque a gente só cuida, só protege aquilo que a gente conhece, que a gente ama.

 


 

Para saber mais sobre a Associação Caatinga, acesse:

www.acaatinga.org.br  l  @acaatinga

 

A Rádio Eixo conta com o fomento do FAC - Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal

 

 

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